Um breve ensaio sobre a Maçonaria brasileira daqui
a 10 anos.
Quem nunca escutou
alguém mais velho dizer que em sua época algo era melhor? Na verdade, quem
nunca, tendo mais de cinquenta anos, não pensou ou falou algo nesse sentido?
Essa nostalgia é tão comum que já virou até tema de música raiz, "A vaca
já foi pro brejo", de Tião Carreiro e Pardinho:
O mundo velho está
perdido
Já não endireita
mais
Os filhos de hoje
em dia
Já não obedecem
aos pais
É o começo do fim
Já estou vendo
sinais
Metade da mocidade
estão virando marginais¹
Esse sentimento, a
nostalgia, é baseado numa visão idealizada do passado, e não real. Sabe quando
você lembra do sabor maravilhoso de um doce da infância e, quando encontra e
come o doce novamente, é horrível? Então você pensa: "mudaram o sabor".
Na verdade, sempre foi horrível, mas você era criança. O mesmo ocorre, em algum
grau maior ou menor, com praticamente todas as suas boas lembranças do passado.
Queiramos ou não,
nossa sociedade continua a se desenvolver. Embora possam ocorrer alguns
tropeços e períodos de estagnação ao longo do caminho, a longo prazo, estamos
ascendendo a montanha da evolução.
E quem observa
isso não sou eu, mas historiadores, professores e pesquisadores do quilate de
Yuval Harari.
Esses estudiosos
da história da humanidade têm alguns exemplos simples para comprovar isso.
Antes, as pessoas morriam por machucados simples, pois não havia antibióticos;
um homem com quarenta anos era considerado velho, porque a expectativa de vida
não chegava a tanto. Milhões morriam de fome na Índia ou na África e poucos se
importavam. Pestes dizimavam boa parte da população do mundo ocidental por
falta de higiene e vacinas. A Igreja torturou e matou por séculos e ninguém
fazia nada a respeito.2
Hoje, a fome ainda
é um problema, mas bem menor e já se vislumbra sua erradicação. Para se ter uma
ideia, há mais pessoas com problema de sobrepeso no mundo do que de
desnutrição. Além disso, a medicina está cada dia mais avançada. Existe
esforços de combate a pandemias, com colaboração de dezenas de países. E é
impossível imaginar atualmente o Papa ordenando publicamente a morte de alguém.
E quanto às
guerras? A contagem de mortos era em dezenas de milhares. Hoje, cada civil que
morre na Ucrânia é sentido por todo ser humano decente e fala-se a todo
instante em cessar-fogo, corredor humanitário e negociação. Outro detalhe é que
não se houve mais falar em armas químicas e biológicas como antigamente.
Com a melhoria da
alimentação, da saúde e da expectativa de vida, que praticamente dobrou,
ganhamos novos problemas. A Europa já enfrenta uma redução populacional com a queda
de nascimentos frente a uma população cada dia mais idosa. O Brasil segue para
o mesmo caminho: atualmente, conforme o IBGE, há mais idosos no país do que
crianças e, com isso, a questão previdenciária bateu à nossa porta. Contudo, a
expectativa é de que nossa população continue a crescer até os anos 2040,
quando começará a redução populacional.3
Além disso, não se
pode desconsiderar o Metaverso. Por muitos anos, a ficção científica abordou
esse conceito, que vem se tornando uma realidade. Atualmente, faz parte de
nossa realidade bancos digitais, moedas digitais (criptomoedas), arquivos
digitais, home-offices, etc. Ou seja, assim como a Revolução Industrial veio,
ao final do século XVIII, mudar o sistema de produção, toda a cadeia produtiva
e, consequentemente, o modo de vida da sociedade; o Metaverso mudará o sistema
de prestação de serviços e interações sociais, desde a educação até o lazer. E
é claro que todos esses benefícios trarão novos problemas a serem solucionados,
como novos tipos de doenças, etc.
E o que a
Maçonaria Brasileira tem com isso? Tudo. Nós, maçons, somos seres sociais. Não
somos monges que vivemos isolados meditando, trancafiados em lojas maçônicas,
mas cidadãos socioculturalmente ativos, que frequentamos reuniões maçônicas
apenas algumas horas por semana, ou em alguns casos quinzenalmente ou
mensalmente. E, da mesma forma, assim são os futuros maçons.
Seguindo a
tendência brasileira, nossa população maçônica tenderá a envelhecer, se não fizermos
nada a respeito. E, como no Brasil, nossa população maçônica, que ainda cresce,
começará a reduzir, e não por conta dos altos índices de evasão que temos, mas
pelo falecimento em massa de uma maçonaria idosa que teremos, como foi com os
EUA, a Inglaterra e outros países.
Então, algo
precisa ser feito, não apenas no âmbito previdenciário, como o Brasil, pois
algumas potências mantêm fundos de beneficência que funcionam como seguros de
vida maçônicos; mas principalmente para rejuvenescer nossa Maçonaria antes dos
anos 2040. E para isso, para que a Maçonaria permaneça sendo algo interessante
aos jovens de bem, ela não pode se alienar da sociedade.
Não se trata de
mudar nossas mensagens centenárias, que são atemporais e devem ser preservadas,
mas de permitir inovações no meio em que são transmitidas. Assim como os maçons
de hoje não vão mais para a Loja a cavalo, os de amanhã não necessariamente
irão para a loja física, mas para uma versão no Metaverso. Mas para isso,
precisamos nos preparar e permitir que essas lojas existam.
Do mesmo modo que
o WhatsApp não fazia parte da sua vida há dez anos e hoje é uma ferramenta
presente e quase que essencial no seu dia-a-dia, o Metaverso fará parte do
cotidiano dos maçons mais jovens, independente se hoje gostamos da ideia ou
não.
Assim, tem-se um
grande desafio pela frente de mudança na cultura organizacional. Num país cuja
a Maçonaria ainda se mostra, em grande parte, preconceituosa contra os
deficientes físicos, na contramão do restante do mundo maçônico, o mundo presencia
o avanço no 5 desenvolvimento de próteses que, em muitos casos, supera o
desempenho do membro biológico. Em breve, os "limitados" serão
aqueles sem os aprimoramentos sintéticos tecnológicos. Além disso, no caso da
Realidade Virtual, não haverá aleijados entre os meta- humanos e os avatares.
Alguns irmãos
podem pensar que isso está muito distante da realidade. Chamadas em vídeo
também eram ficção científica na minha infância. Hoje, fazemos reuniões
virtuais, vendo a todos os irmãos ao vivo. Isso era impensado há poucos anos.
Portanto, é nossa
responsabilidade preparar o terreno maçônico brasileiro para atrair e reter as
futuras gerações de irmãos e esse preparo está intimamente ligado a reduzir o
conflito entre gerações, aceitar e adotar as novas tecnologias como meios para
nossas valiosas mensagens imutáveis, combater os preconceitos em nosso meio
para com os deficientes físicos e todos aqueles que têm religião, ideologia
política e orientação sexual distintas da nossa. Tudo isso é condizente com os ensinamentos
maçônicos que repetimos em nossas reuniões, de combater a ignorância, a
intolerância e o fanatismo, levantando templos à virtude e cavando masmorras ao
vício.5
Fui o responsável
por uma pesquisa feita em 2018, que verificou que começaremos um vertiginoso
declínio no quantitativo de membros da Maçonaria Brasileira após 2035.7 Mas
deixe- me contar um segredo: quando se vê o futuro, ele muda. Esse paradoxo é
algo similar à experiência hipotética do Gato de Schrödinger. Um exemplo
clássico dado por Harari é Marx, que previu a revolta do proletariado, em sua
obra "O Capital". Os governantes e industriais do Ocidente, ao
tomarem conhecimento daquela teoria e começarem a ver os primeiros sinais de
manifestações, passaram a patrocinar benefícios e, posteriormente, leis
trabalhistas. Então a famosa revolta que tomaria o mundo não aconteceu. O mesmo
havia ocorrido com Malthus e sua teoria sobre a escassez de alimentos.
A Maçonaria
Brasileira pode impedir o vertiginoso declínio que ameaçará a continuidade da instituição
no país. Para isso, basta que promovamos as mudanças necessárias. Algumas
dessas mudanças podem parecer tão negativas para alguns de nós como a
implementação inicial de férias e décimo terceiro salário foi para os
industriais. Entretanto, precisamos praticar o difícil exercício de nos
colocarmos no lugar do próximo: um trabalhador prefere um emprego com
benefícios, direitos e garantias, que ofereça um ambiente acolhedor e
inclusivo. Na Maçonaria, que não deixa de ser um trabalho voluntário, é idêntico.
Essa fase de que temos um tesouro reservado a poucos escolhidos, além de falaciosa, precisa acabar, caso queiramos que a Maçonaria Brasileira sobreviva. Precisamos, o quanto antes, inaugurar a fase de que, se a Maçonaria faz bem para mim, pode fazer o mesmo para todos os homens de bem que assim desejarem, estejam eles de forma presencial ou online. Só dessa maneira poderemos criar um novo futuro para nossa Ordem.
NOTAS:
1 CARREIRO, Tião;
PARDINHO. A vaca foi pro Brejo. Álbum: Golpe de Mestre, 1979.
2 HARARI, Yuval
Noah. Homo Sapiens: Uma breve história da humanidade. Porto Alegre: L&PM,
2017.
3 IBGE. Projeções
da População. Rio de Janeiro: IBGE, 2018.
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9109-projecao-da-
populacao.html?=&t=downloads Disponível em:
4 BALL, Mathew.
The Metaverse: And How It Will Revolutionize Everything. New York: Liveright
Publishing Corporation, 2022.
5 ISMAIL, Kennyo.
Debatendo tabus maçônicos. Londrina: A Trolha, 2016.
6 ISMAIL, Kennyo.
O livro do Venerável Mestre. Londrina: A Trolha, 2018.
7 ISMAIL, Kennyo.
Relatório de Pesquisa: Maçonaria Brasileira no Século XXI. Santa Cruz de la
Sierra: CMI, 2018.
8 HARARI, Yuval
Noah. Homo Deus: Uma breve história do amanhã. Trad. Paulo Geiger. São Paulo:
Companhia das Letras, 2016.
9 MARX, Karl. O
Capital. São Paulo: Veneta, 2014.
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