O Areópago de Itambé


Areópago Ateniense

Por Frederico G. Costa (*)

Imagine um lugar onde a mente e a justiça são o foco. Imagine um tribunal de justiça ou conselho, célebre pela honestidade e retidão no juízo, que funcionava a céu aberto no outeiro de Marte, na antiga Atenas, desempenhando papel importante em política e assuntos religiosos. Esse lugar tem nome. Chama-se: Areópago!

Antigamente, o Areópago ocupava um lugar especial na geografia de Atenas e no coração dos atenienses. Estava situado num cimo rochoso de Atenas, em frente da Acrópole. Creditavam-lhe uma fundação divina. Reza a mitologia que ninguém menos do que a deusa Atena, a deusa protetora da cidade, escolhera os seus primeiros juízes, "atados por um grande juramento" compondo "um augusto tribunal", tornado por ela perpétuo (Chagas, 2021). O sítio é memorável pelo fato de ali reunir-se o senado do Areópago, a mais antiga e venerável das academias de Atenas. Por volta do ano 50 da era cristã, filósofos epicureus e estoicos que discutiam com o apóstolo Paulo o levaram ao Areópago para que lhes contassem a respeito de sua nova doutrina. Ali ele proferiu seu famoso discurso no Areópago, um dos primeiros textos em que se trata diretamente da relação entre gregos e cristãos. O discurso é emblemático, pois representa o primeiro encontro entre filosofia grega e fé cristă no interior do Novo Testamento.

Com esse cenário em mente, agora imagine uma cidade no interior de Pernambuco, que faz fronteira com o sul da Paraíba. Imagine essa cidade no final do século XVIII. Esta cidade tem nome: Itambé. O nome Itambé é de vocábulo indígena, significando "Pedra Afiada" ou "Pedra de Amolar", que foram usadas em isqueiros, onde, posteriormente, também, teve a denominação de "Pedras de Fogo", nome, aliás, que é conhecida a localidade paraibana, que lhe fica ao norte, cujas ruas são contiguas as da cidade de Itambé.

E qual a relação entre o Areópago lá de Atenas com a pequena Itambé, em Pernambuco? Quis a história que o ponto de convergência entre eles fosse o Sr. Manuel Arruda da Câmara. Nascido em Pombal, na Paraíba, Manoel entrou como noviço no convento dos carmelitas calçados de Goiana, em 1783, adotando o nome de Frei Manuel do Coração de Jesus. Depois foi estudar em Coimbra, Portugal, de onde o expulsaram por ser liberal demais. Então, foi estudar em Montpellier, na França, onde se enfronhara nos mistérios da medicina, das ciências naturais e da política. E, tendo acompanhado de perto a grande Revolução Francesa de 1789, voltou para o Brasil, três anos depois, com a cabeça cheia de sonhos de Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Quando Manuel Arruda da Câmara chegou ao Brasil não se conformou com o quadro de injustiça social reinante e apressou-se em trabalhar visando combater, sobretudo, em favor das famílias mais humildes, maiores vítimas do sistema patriarcal. Alertado, porém, pela experiência vivida em Portugal, ele teve sabedoria e paciência para não se expor novamente, para não revelar seus sonhos a quem não devia, naquela terra de gente analfabeta, fanaticamente religiosa e regida pela mão de ferro da coroa portuguesa (Fundação Biblioteca Nacional, s.d.).

 

O clima de descontentamento no Brasil perante a mão de ferro do Império Português permitiu a difusão de ideias políticas iluministas e liberais, que já haviam norteado movimentos como a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa. O contato com essas ideias dava-se por intermédio dos alunos que iam estudar na Europa ou em seminários religiosos, como o Seminário de Olinda, e também por intermédio das Academias e da Maçonaria. As ideias libertárias foram progressivamente aceitas pela elite dominante da época que, por esse espírito, via surgir uma motivação política capaz de promover-lhe a liberdade da dominação portuguesa, mas mantendo os direitos e privilégios da ordem colonial.

Inspirado por todos esses fatos e fatores, e para ter campo de troca de ideias e articulação política, Manuel Arruda da Câmara fundou, em 1796, em Itambé, o Areópago de Itambé, sociedade Maçônica que abrigava intelectuais da Paraíba e de Pernambuco. Com ideias avançadas, lutando pela igualdade das classes, o Padre Arruda Câmara foi, talvez, no Brasil, um dos precursores da ala progressista. Dizem os historiadores que do Areópago que fundou foi de onde tramaram a Revolução de 1817. No citado ano, eclodiu na Capitania de Pernambuco um dos mais importantes movimentos revolucionários do período colonial brasileiro: a Revolução Pernambucana.

De cunho emancipacionista, teve, entre suas causas, a crise econômica que atingia diretamente o comércio, a forte seca que assolava a região e as despesas e exageros da Corte recém-chegada ao Rio de Janeiro, que obrigava o Governo de Pernambuco a pagar pesados impostos para custeá-la.

Influenciado pelas ideias iluministas, disseminadas principalmente pela Maçonaria e pelo Seminário de Olinda, o movimento ultrapassou a fase conspiratória e chegou a tomar, de fato, o poder, estabelecendo um Governo Provisório e buscando apoio de outras províncias. Após cerca de 75 dias, chegou ao fim, depois de sofrer dura repressão. Apesar de sua curta duração, deixou evidente o enfraquecimento do sistema colonial, que viria mais tarde a ser percebido em outros movimentos, culminando na Proclamação da Independência, em 1822.

Voltando a iniciativa de Manuel Arruda da Câmara, vale ressaltar um importante detalhe: Em sua fundação, o Areópago de Itambé era uma "sociedade maçônica" e não uma Loja Maçônica oficialmente constituída. Tinha orientação maçônica baseada em Lojas francesas, por isso não se pode dar ao Areópago de Itambé nenhuma filiação maçônica nacional, pois ela é uma "protomaçonaria" com rito estabelecido diretamente da França.

Na época, a Maçonaria brasileira não estava oficialmente constituída, porém isso não diminui em nada a importância do Areópago de Itambé. Foi um projeto político, pautado na luta pela igualdade, liberdade e fraternidade. Segundo os autos históricos e referências feitas pelos antigos moradores de Itambé e região, conta-se que os areopagitas, maçons da época, dotados de sabedoria exemplar, reuniam-se constantemente na referida casa, os artefatos, símbolos e insígnias eram levados para a utilização e, ao final de cada reunião, eram levados para a casa dos maçons para não levantar suspeitas.

No entanto, devido ao fluxo constante de pessoas influentes pelas estradas das redondezas, a influência da Maçonaria foi percebida e denúncias foram feitas ao Poder Imperial, que, por volta de 1802, enviou uma tropa da Guarda Imperial até a região, prendendo alguns maçons. Outros fugiram para fazer semear a Maçonaria em outras localidades, como as Lojas do Recife, Cabo de Santo Agostinho, Igaraçu e outras (Wikipedia, s.d.).

Segundo o padre Francisco de Paula de Albuquerque Montenegro, iniciado no Areópago de Itambé, faziam parte do Areópago os dois irmãos Arruda Câmara, o capitão M. L. Machado, André Dias de Figueiredo, padre Antônio Felix Velho Cardozo, padre José Pereira Tinoco, padre Antônio de Albuquerque Montenegro e padre João Ribeiro Pessoa, iniciado na maçonaria em Lisboa, onde se ordenou e foi fundador da "Academia do Paraiso", outra instituição nos moldes maçônicos do Areópago de Itambé. Pertencia ainda ao Areópago de Itambé o capitão-mor de Olinda, Francisco de Paula Cavalcante de Albuquerque, o popular Suassuna, fundador da Academia de Suassuna, em 1802, onde também foram iniciados nosso inesquecível Irmão, o patriota Frei Joaquim do Amor Divido Caneca, o jurisconsulto Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, e o padre Miguelinho.

Um dos primeiros frutos da Areópago de Itambé foi "A Conspiração dos Suassuna". Um dos primeiros episódios em que se pode verificar a influência dos ideais iluministas e que ocorreu em 1801, quando Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, proprietário do Engenho Suassuna, foi acusado e preso, juntamente com seus irmãos, Luís Francisco de Paula e José Francisco de Paula, de conspirar para tornar Pernambuco independente. Eles eram membros do Areópago de Itambé e tinham planos até de conseguir o apoio de Napoleão, graças às suas conexões com a Maçonaria francesa. Nada foi apurado de concreto e todos foram libertados por falta de provas. Todas essas personagens mais tarde atuariam também na Revolução de 1817.

Pode-se afirmar que o Areópago de Itambé era uma sociedade política secreta, estrategicamente localizada na fronteira entre as províncias de Pernambuco e Paraíba, frequentada por destacadas personalidades de ambos os lados. Funcionava como um centro de irradiação de doutrinas, sem causar alarde, com o objetivo de disseminar o conhecimento sobre o panorama geral da Europa, os abalos e desmantelos dos governos absolutistas sob a influência das ideias democráticas. Era um tipo de magistério que instruía e incitava entusiasmo pela república, em harmonia com a natureza e a dignidade humana, ao mesmo tempo em que inspirava aversão à tirania dos reis. Representava, enfim, a revolução almejada que traria independência e um governo republicano a Pernambuco.

É indiscutível que a precedência da Maçonaria no Brasil pertence a Pernambuco, tendo, inclusive sob aspectos maçônicos, maior relevância republicana que a Inconfidência Mineira. As primeiras Lojas que surgiram no Rio de Janeiro datam de 1803, com a fundação das oficinas maçônicas Reunião, Constância e Filantropia, por autorização do Grande Oriente Lusitano. Essas Lojas receberam vários adeptos, mas tiveram de cerrar suas portas dois ou três anos depois, devido á intolerância da época.

Antes porém da Maçonaria ser introduzida no Rio de Janeiro, a Ordem teve ingresso na Bahia, segundo documentos autênticos, em 5 de julho de 1802, com o levantamento das colunas da Loja Virtude e Razão. Regularmente, no Rio de Janeiro, a Maçonaria só começou a funcionar com a fundação da Loja Comercio e Artes, em 1815 (Melo, 1909), seguida das Lojas União e Tranquilidade e Esperança de Niterói.

Com a imigração de D. João VI e da Corte ao Brasil, a Maçonaria brasileira passou por uma fase de crescimento e prosperidade, graças à comunhão das ideias reinantes entre os Irmãos recém-chegados com a Corte e os já existentes na nossa pátria, tendo sido Pernambuco o único pedaço de solo brasileiro que ergueu um local onde se cuidava da ciência, da humanidade e da pátria, no último quarto do século XVIII.

 

Conclusão

Reinstalada, segundo dados da própria Loja, em 30/08/1980, a Augusta e Respeitável Loja Maçônica Simbólica Areópago de Itambé n° 17, é jurisdicionada ao Grande Oriente Independente de Pernambuco - GOIPE/COMAB. Em seu site há um texto de um Venerável Mestre da Loja, Irmão Getúlio César Rodrigues Guedes (1984), que relata: "(...) Foi esse Areópago a Primeira coluna de um Templo Maçônico levantada em solo brasileiro e sobre o qual, a par de estudos científicos, de combinações políticas para a Independência da Pátria, se rendeu sincero culto ao Supremo Arquiteto do Universo. Aqueles que frequentaram o Areópago de Itambé, nele receberam as primeiras lições de patriotismo, beberam as primeiras taças do sentimento de Igualdade e Fraternidade, ouviram pela primeira vez o Hino da Liberdade, sonharam uma Pátria independente da metrópole. O Areópago de Itambé foi o primeiro, a estação inicial de radioatividade democrática, o portador dos mais elevados ideais de Independência, de República e de Democracia."

Ainda no site da Loja há a seguinte afirmação: "Quantas tentativas fizeram os pernambucanos para gritar a todos os povos livres: somos irmãos! Quanto sangue derramaram nossos avós na conquista da Liberdade! O primeiro estabelecimento fundado, o primeiro centro que começou a estudar as ideias adiantadas foi o Areópago de Itambé (...).

Em Pernambuco, é comum o uso do termo "fazer blague", similar a "fazer piada". E, fazendo blague, pernambucanos costumam dizer que os rios Beberibe e Capiberibe se encontram no Recife para formar o Oceano Atlântico. Apesar do tom de brincadeira, essa frase carrega um fundo de verdade. Recife e Olinda, ao longo dos tempos, ostentaram o maior número de pensadores por metro quadrado em comparação a qualquer outro estado brasileiro. Entre essas personalidades, sem nos atermos à cronologia, destacam-se Souza Bandeira, Cândido Mendes, Marquês de Paranaguá, Barão de Lucena, o grande diplomata Barão do Rio Branco, Tobias Barreto, Clóvis Beviláqua, Borges de Medeiros, Raul Pompéia, Epitácio Pessoa, Graça Aranha, João Pessoa, o renomado jurista Rui Barbosa, Pontes de Miranda, o jornalista Assis Chateaubriand, pioneiro na implantação dos modernos meios de comunicação no país, Barbosa Lima Sobrinho, o poeta Castro Alves, o imortal José Lins do Rego, Aurélio Buarque de Holanda, o escritor José de Alencar, Fagundes Varela e Gilberto Freyre.

 (*) Frederico G. Costa é membro da Academia Campinense Maçônica de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 25 - Patrono: Hipólito da Costa Pereira de Mendonça


REFERÊNCIAS

 CHAGAS, Thais Regina Gimenes. A instituição do Tribunal do Areópago nas Eumênides, de Ésquilo. Akrópolis, Umuarama, v. 29, n. 1, p. 95-102, jan./jun. 2021.

 FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Manuel Arruda da Câmara. Disponível em: https://bndigital.bn.gov.br/manuel-arrnda-da-camara/. Acesso em: 05 abr. 2024.

GUEDES, Getúlio César Rodrigues. O Areópago de ltambé. Loja Maçônica Simbólica Areópago de ltambé. Disponível em: https://areopagodeitambe.com.br/. Acesso em: 05 abr. 2024.

 MELO, Maria Carneiro do Rego. A Maçonaria no Brazil. Prioridade de Pernambuco. Recife: Tipografia a Vapor - J. Agostinho Bezerra, 1909.

WIKIPEDIA. Areópago de ltambé. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Areópago_de_Itambé. Acesso em: 05 abr. 2024

 Este Artigo foi publicado originalmente na edição numero 8 da Revista O Pensador, publicação oficial da Academia Campinense Maçônica de Letras.

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