Capítulos da História da Maçonaria Especulativa: Prolegômenos (Parte I)


Por Irmão José Ronaldo Viega Alves

 A primeira Maçonaria é uma Maçonaria tanto dos ofícios da pedra como também da madeira e do ferro. A Loja é tanto a ‘barraca’ do canteiro na qual são organizadas as ferramentas quanto o local da transmissão de instruções e o local no qual é possível controlar, ao abrigo dos olhares indiscretos, a competência dos recém-chegados. Essa Maçonaria dos canteiros, que faz o uso da colher de pedreiro é chamada de ‘operativa’, enquanto aquela que confere os seus sinais, e unicamente faz uso do pensamento, é chamada de ‘especulativa’.” (Bauer, 2008, pág.14)

O trecho acima é de autoria do Maçom e estudioso francês Alain Bauer, que podemos perceber, denota habilidade para sintetizar e até dar um leve toque poético à essa história tão rica e ao mesmo tempo tão complexa: a história da Maçonaria, a qual em sua totalidade compreende essas duas grandes fases em que foi dividida, sendo a primeira a da Maçonaria Operativa, e posteriormente, a da Maçonaria Especulativa.  

Ainda com referência ao trecho que consta em destaque, é como se pudéssemos depreender a partir da descrição que ele contém, que a história da Maçonaria transcorreu linearmente, isenta das inúmeras dúvidas e controvérsias que sabemos sói acontecer, mormente quando as nossas leituras e estudos são direcionadas para o tema específico das suas origens. A descrição de Bauer faz aparentar simplicidade para um tema que irá demonstrar complexidades de várias ordens.

No meio do caminho tinha uma pedra(1), escreveu o famoso poeta. O verso, dentre as suas tantas interpretações, pode significar o surgimento de um obstáculo durante o cumprimento de uma tarefa. E o poema na sua totalidade, que apresenta versos repetitivos, circulares, também aparenta ser bastante simples à primeira vista, no entanto, quanto mais vai sendo explorado, mais vai revelando o tanto da sua complexidade.

Pois, vamos nos reservar a utilização de algumas das metáforas que o poema nos apresenta ou sugere, eis que, o objetivo aqui é elaborar uma série de artigos buscando compilar uma história da Maçonaria, especificamente, a da Maçonaria Especulativa. É preciso estar consciente de que este tipo de pesquisa e de estudo a ser realizado, indubitavelmente fará com que nos depararemos com várias pedras ao longo do caminho. Essas pedras estarão representadas nas informações desencontradas, nas dúvidas, nas controvérsias, nos impasses que surgirão em meio a um cipoal de estudos, opiniões, comparações, teorias e hipóteses que vieram à luz com o propósito de proporcionar as melhores explicações, as melhores respostas para uma de sucessão de perguntas que tomam de assalto os nossos pensamentos quando adentramos nos mistérios relativos às origens da Maçonaria, um tema que possui muitas questões em suspenso e toda uma complexidade que lhe é inerente.   

Na verdade, esse tipo de problema detectado emerge em função do excesso de livros, artigos e trabalhos maçônicos abordando a história da Maçonaria. O tema continua sendo um dos mais interessantes, porém, em meio à essa grande profusão de material, ainda que busquemos afincadamente ser criteriosos, chega aquele momento em que fica bastante difícil separar o joio do trigo, quando não acabamos nos confundindo. Para todo aquele que tem por hábito uma leitura constante de artigos postados nos sites maçônicos, assim como, de outras fontes de pesquisa, é impossível não perceber sobre o quanto este tema e seus correlatos são recorrentes em Maçonaria. No entanto, a impressão que pode ficar após algumas dessas leituras é aquela de que, quanto mais lemos, menos sabemos. 

Outro dos problemas que aparecem com certa frequência, mais notadamente em relação à Maçonaria Especulativa, é que parte dessa história possui raízes e evidências muito fortes na Escócia e até na Irlanda, mas, inegavelmente as teorias mais divulgadas parecem não levar isso com muita consideração. O fato é que este tipo de assunto vem encontrando ainda uma forte resistência de parte dos estudiosos ingleses.        

Para quem está lembrado, há bem pouco tempo atrás, foi publicada nesta mesma revista uma série composta de 10 capítulos, cujo título era “Quais as Origens da Maçonaria e qual a sua Idade?”(2), onde foram abordados vários assuntos cujo objeto era realizar uma pesquisa acerca das origens da Maçonaria Operativa, outra das matérias envolvendo muitas polêmicas e passagens bem complicadas, onde muitos aventureiros se utilizaram das suas máquinas do tempo para pousá-las nos lugares mais inimagináveis possíveis s para tentar garantir que os Maçons já estavam neles.  

As origens mais remotas da Maçonaria ou, a sua gênese, está assentada nas associações de pedreiros da antiguidade, comprovadamente. As pedras no meio do caminho, surgem quando buscamos explicações a respeito da época, e de quais dessas associações teriam sido as verdadeiras precursoras e que estivessem constituídas pelos Maçons operativos no sentido que lhes damos hoje, ou ainda, quando buscamos respostas visando preencher as lacunas existentes entre os Colégios Romanos (logo após a queda do Império Romano do Ocidente) e o aparecimento mais tarde dos Mestres Comacinos, que para muitos historiadores é uma lenda que acabou adquirindo foros de verdade, além de outras tantas questões que ainda carecem de respostas definitivas. Devemos nos conscientizar de que tudo que temos, na verdade são aquelas explicações tidas como as mais razoáveis, ou em outras palavras, o que temos, são visões aproximadas, umas mais, outras menos.

À época em que ocorreu o declínio da Maçonaria Operativa, séculos XV e XVI principalmente, ocorreram várias transformações na Europa, ou seja, era um cenário de mudanças, tanto de ordem econômicas, como sociais e religiosas.  

Com relação às mudanças de ordem religiosa, durante a reforma Protestante na Inglaterra, as corporações de ofício foram suprimidas pelo rei Henrique VIII, assim como as corporações ligadas aos mosteiros. Naquele século XVI, as catedrais, praticamente, já haviam deixado de ser construídas.

Quanto mais longe incursionamos no passado, mais escasseiam documentos, o que é um tanto óbvio, mas, a verdade é que fatos e ficções, lendas bíblicas e fantasias convivem lado a lado e permeiam todo o tempo a história dos primórdios da Maçonaria Operativa.

Esta nova série pretende complementar a história da Maçonaria apresentada anteriormente quando vimos uma história da Maçonaria Operativa. A partir de agora, veremos a história da Maçonaria Especulativa ou da Maçonaria dos Aceitos, ou ainda, da Maçonaria Moderna, a qual percorreu um longo caminho também até chegar aos nossos dias atuais.

O lugar mais provável para as origens da Maçonaria Operativa, sendo que, a Inglaterra teria sido o grande palco desses acontecimentos.

Conforme o Ir.’. Ambrósio Peters, o início da Maçonaria Operativa remonta ao reinado de Athelstan(3), sendo que os acontecimentos desse tempo ficaram registrados nas crônicas anglo-saxônicas e nos manuscritos medievais. Sendo assim, o lugar mais provável ou aquele que goza de um consenso como o grande palco dos acontecimentos relativos à história da Maçonaria Operativa é a Inglaterra. Mas, e a Maçonaria Moderna também nasceu na Inglaterra?

Com relação à Maçonaria Especulativa ou Maçonaria Moderna, podemos dizer que ao estudarmos a sua evolução encontraremos dificuldades para recompô-la, eis que, os registros encontrados são tardios, além de esparsos e imprecisos, além do mais, os aqueles poucos existentes pertencem às décadas imediatamente anteriores a 1700, o que implica dizer que pouquíssima coisa que seja anterior a 1600. E aí seria o caso de mencionar nesta série as teorias e as hipótese que vem ganhando espaço e que dizem respeito às passagens da história da Maçonaria na Escócia e na Irlanda, e que, muitas vezes foram deixadas de lado.

Eis que a partir das pesquisas efetuadas pelo Prof. David Stevenson e da publicação do seu livro “As Origens da Maçonaria: o século da Escócia, 1590 – 1710”, (no Brasil foi publicado no ano de 2005, pela Madras Editora Ltda.), não dá mais para não levar em consideração o papel relevante da Escócia, mesmo sabendo que um pioneirismo inglês certamente é o que tem prevalecido nos livros, onde o que se conta é que  a Maçonaria Especulativa nasceu com a criação da Grande Loja de Londres, e ponto final.  

Sendo assim, a data de 24 de junho de 1717 é a data que foi escolhida como marco temporal, data em que houve o encontro de quatro Lojas para dar origem àquela que se chamou a Grande Loja de Londres, e ainda como já se disse também logo acima, a data que marca oficialmente o nascimento da Maçonaria Especulativa ou Moderna, onde outra vez o cenário é a Inglaterra.

O plano para este trabalho é a elaboração de vários artigos, cada um deles contemplando um determinado assunto e estando todos relacionados, assim chegarmos ao final tendo proporcionado ao leitor Maçom, um panorama bastante rico da história da Maçonaria Especulativa onde ele pôde acompanhar a história das suas origens, sua evolução, influências, seus propósitos, e também cuidando para que este mesmo leitor possa ter tomado conhecimento acerca das questões relevantes que vem sendo levantadas nos últimos anos, seja em torno dos verdadeiros motivos que levaram à criação da Grande Loja, seja da história da Maçonaria na Escócia, seja dos Estatutos de Schaw que publicados em 1598, podem ter marcado sim, o início da Maçonaria Especulativa. E claro, muitas outras abordagens que deverão complementar aquilo que já sabíamos até aqui.

A Maçonaria Especulativa que chega aos nossos dias atuais encontra um mundo totalmente diverso daquele que a viu nascer: um mundo que parece estar caminhando para tornar realidade aquilo que há algum tempo eram consideradas apenas ficções distópicas, um dos grandes temas da ficção científica na literatura e no cinema.

Aliás, quando a Maçonaria Especulativa ainda estava sendo gestada, algumas das ideias e pensamentos que foram incorporados à sua doutrina não sofreram influência do pensamento do filósofo Francis Bacon(4)? As ideias iluministas tão caras à Maçonaria não flertavam com utopias? O ideário maçônico não absorveu um tanto desse pensamento comum àquela época?

Falar sobre a Maçonaria Especulativa implica também falar das suas raízes filosóficas, além de que, há vários outros temas ligados às suas influências, que no mínimo deverão receber algumas linhas, cada um deles. Serão abordados: o período de transição, as raízes escocesas, os Maçons aceitos, a decadência da Maçonaria Operativa, o Iluminismo, o Rosacrucianismo, os Maçons da Royal Society, as quatro Lojas que deram origem à formação da Grande Loja de Londres, os principais arquitetos de ideias durante a formação da Maçonaria Especulativa, entre outros.

NA CONTINUAÇÃO: A TEORIA DA TRANSIÇÃO

NOTAS:

No meio do caminho tinha uma pedra(1): verso retirado do poema abaixo de autoria do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

”NO MEIO DO CAMINHO// No meio do caminho tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho/ tinha uma pedra/ no meio do caminho tinha uma pedra.// Nunca me esquecerei desse acontecimento/ na vida de  minhas retinas tão fatigadas./ Nunca me esquecerei que no meio do caminho/ tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho/ no meio do caminho tinha uma pedra.”

“Quais as Origens da Maçonaria e qual a sua Idade?”(2): série que foi publicada nesta mesma revista no período de outubro de 2023 a julho de 2024 (do nº 174 ao nº 183).

Athelstan(3): (924-940) – Reino de Wessex. Conquistou todo o território inglês, e governou como rei dos ingleses até sua morte. Filho do rei Eduardo, o Velho. (fonte: wikipedia)

Francis Bacon(4): (1561-1623) – Inglaterra. Filósofo, político e rosacruz, considerado um dos fundadores da Revolução Científica.

(*) Irmão José Ronaldo Viega Alves

ronaldoviega@hotmail.com      

Loja Saldanha Marinho, “A Fraterna”Oriente 

de Santana do Livramento – RS.


 

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