Por Hilquias Scardua
Entrei neste cômodo pela porta estreita,
deixando-a aberta, e minhas sandálias ficaram lá fora. Elas representam
conceitos e pensamentos estereotipados. Convido você a entrar neste espaço
chamado reflexão e a descobrir o abrigo que ele revela.
Como se este cômodo guardasse a ideia de um
mito, ele é o abrigo onde moram os espelhos. Aqui, tudo reflete, até mesmo o
invisível.
Nossa história consagra a grandeza dos mitos,
figuras que nos convidam a explorar o mundo invisível e o sagrado. Esses mitos
carregam um significado profundo, ligado aos sentimentos humanos, enraizado em
símbolos e arquétipos gravados nas profundezas de nossa existência.
Então, nos perguntamos: o que habita o mais
profundo do nosso ser? Nossa interioridade é uma relação com a vida e com o
universo em todas as suas dimensões, tanto externas quanto internas. A
verdadeira coerência interior revela o desejo mais sincero e profundo: nossa
realização humana. Esse desejo essencial é, acima de tudo, um desejo de vida.
Queremos viver; buscamos a plenitude da existência. Este é o chamado à Vida.
A importância dos símbolos, da mitologia e
dos arquétipos nunca foi tão crucial para os processos vitais de nossa
sociedade e cultura como nos dias atuais. Há uma perda substancial desses
elementos, que são fundamentais para vitalizar os processos mais significativos
para nós, tanto na estrutura da sociedade quanto nas tradições mais elevadas,
que nos conectam ao sagrado.
Procuramos construir um lar de razões e
fundamentos que nos condicionam a aceitar o que é mais palpável. No entanto,
tudo o que criamos e exteriorizamos ainda não é suficiente para nos realizar
plenamente. Surge, então, uma questão a ser considerada: quanto precisamos
fazer e realizar para nos sentirmos completos e necessários? A resposta é
simples: não existe realização plena, exceto pela manifestação sincera do que
temos e doamos ao mundo.
Não podemos esquecer que somos tudo o que a
humanidade é ou já foi; tudo está registrado nos signos, nos símbolos mais
profundos da existência. O que escolhemos exteriorizar é a chave para tornar
nossa existência significativa. Não importa nossa condição social ou demais
circunstâncias; quando decidimos viver plenamente, fazemos isso ao nos
comprometermos com a plenitude.
Um esforço maior para sair da cama, um
carinho no animal de estimação, um ajuste na parede da casa, um retoque no
trabalho antes de entregá-lo, um abraço espontâneo em um amigo, jogar as cartas
na mesa sem reservas, uma saudação ao desconhecido. Pequenas ações como essas
podem ser feitas em prol da nossa vida e da vida dos outros. Não é necessário
realizar grandes eventos, mas sim manifestar a vida, pois ela é ligeira e
passageira como o vento.
Aprofundando-nos nesses signos e significados
que os mitos e todas as tradições nos revelam, entre símbolos e arquétipos,
percebemos que a vida que vivemos é uma célula desse grande corpo chamado
humanidade.
Parece fácil dizer, mas nunca ouvi alguém
descrever algo que nunca viu. Já estive morto em vida, e por isso faço este
convite: sei que é possível reviver.
São muitos traumas, angústias e perdas,
cicatrizes, abertas ou não, que ainda insistem em doer.
Mas insisto: entre neste cômodo de espelhos,
deixe suas sandálias lá fora, e veja que, por dentro, somos iguais a ponto de
enxergarmos aqueles que viveram antes de nós, bem ali naquele espaço invisível.
Essas imagens que vemos, esses símbolos
gravados dessa condição humana, são comuns a todos nós. É a inevitável condição
do presente que nos foi dado: a Vida.
Agora, saia do cômodo e enxergue o que existe
lá fora. É exatamente como o que estava ali dentro.
Não tenha medo, todos aqui fora estão
sangrando por dentro; mas, ainda assim, escolheram fazer o melhor de si, de
algum jeito. Gostaria que o fruto da sua existência florescesse também. Plante
comigo algo aqui fora, fora desse cômodo seguro. Juntos, podemos transformar o
que aprendemos na reflexão em algo real, algo que transcenda o espaço dos
espelhos e ganhe vida no mundo.
Hilquias Scardua
Cavaleiro Rosa-Cruz
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