Capítulos da História da Maçonaria Especulativa: O Declínio da Maçonaria Operativa (II)

Por Ir.’. José Ronaldo Viega Alves

Tal como mencionado anteriormente nos Prolegômenos, serão vários os aspectos a serem abordados no transcurso desta nova série que tem a pretensão de apresentar aos leitores uma história da Maçonaria Especulativa. As suas prováveis origens, as influências, a evolução e a sua consolidação até chegarmos à Maçonaria da forma como a conhecemos atualmente, serão alguns dos aspectos.

É sempre oportuno citar o Ir.’. John Hamill da Loja Quatour Coronati de Londres, quando se revisita um tema ligado à história da Maçonaria, e aqui, especificamente, me refiro àquela pergunta que ele mesmo se fez em determinada ocasião: quando, por que e onde teria se originado a Maçonaria? E quanto à sua resposta que teria sido: não sabemos.

Segundo a linha de raciocínio do Ir.’. Hamill, por séculos a história que vigorou a respeito das origens da Maçonaria não teria sido submetida às críticas mais sérias, o que abriu

 espaço de sobra para que novas suposições, novas conexões, influências e mesmo “invenções” fossem criadas ou continuassem alimentando toda uma literatura com vistas a produzir as pretendidas respostas.

O Reverendo e Ir.’. James Anderson quando das primeiras Constituições (1723) construiu uma história caracteristicamente lendária para a Maçonaria, que partia desde o Adão bíblico, em pleno Paraíso, e se estendia até a formação da primeira Grande Loja, no ano de 1717.

Até aqui, não seria muito difícil para qualquer Maçom constatar que o Reverendo Anderson ao usar de antigos documentos na elaboração do Livro das Constituições foi pouco fiel àqueles, tanto que, assim sintetizou o Ir.’. Varoli Filho, se referindo ao episódio:

“Às lendas do passado, mais ou menos alteradas, se acrescentaram outras, principalmente inspiradas na Bíblia, como conviria a bons ministros e pastores protestantes. Contudo, a modificação foi salutar, pois a Bíblia é um dos maiores monumentos morais do mundo.” (Varoli Filho, 1977, pág. 254)

O objetivo em fazer esse tipo de referências aqui, é o de deixar claro que Anderson não teve a pretensão em nenhum momento de fazer qualquer tipo de separação entre a Maçonaria Operativa e a Maçonaria Especulativa, e sendo assim, indiretamente, contribuiu para que se pensasse que estava implícita aí a ideia de que uma era a continuidade da outra. Aliás, a julgar pelas críticas relativas ao que Anderson escreveu, até podemos chamá-las de infundadas, haja visto que, ele não teve como propósito escrever uma história no sentido aquele que lhe atribuímos nos dias de hoje. O que ele buscou, foi transmitir a ideia ou a apologia sobre uma filiação honrada para a Instituição. Além de que, isso tudo era para ser o produto essencial da recopilação que ele realizara com base no conteúdo das antigas Constituições Góticas(5).

É mister que se diga que o texto conseguiu também passar a impressão de que a assembleia de Maçons ocorrida no ano de 926 d. C., a qual teria sido convocada por uma das personalidades que ali aparecem (à qual o Ir.’. Hamill se refere como “um certo Príncipe Edwin”), continuou acontecendo de uma maneira ininterrupta até aquele ano de 1717.

Resumindo, Anderson na primeira edição das suas Constituições (1723), construiu um panegírico baseado no tripé: lenda, folclore e tradição. E a assim ela foi aceita, sem maiores discussões.

Quando da sua segunda edição (1738), aí mesmo é que Anderson liberou total a sua imaginação, construindo uma história da Maçonaria inglesa que vai daquela suposta assembleia de York, até 1738. Todos os monarcas e personalidades históricas da Inglaterra que de alguma forma colaboraram com arquitetos e Maçons acabaram ganhando o título de Grão-Mestre ou de Grande Vigilante da Maçonaria. Com o intuito de corroborar uma antiga e contínua estirpe para a Instituição, ele asseverou ainda que a união das quatro Lojas de Londres na formação da Grande Loja (1717), não significava exatamente a criação de uma nova organização, eis que, o que tinha havido mesmo, poderia muito bem ser considerado uma “restauração”.

Com a chancela da Grande Loja, seu trabalho continuou tendo máxima aceitação, tanto que foi publicado repetidas vezes, e as modificações correram por conta somente das atualizações que se fizeram necessárias até o ano da sua última edição (1784). Nas palavras do Ir.’. Hamill, a aprovação da Grande Loja para a história escrita pelo Reverendo Anderson, fizera ela adquirir um status de história sagrada.

Os detalhes maiores acerca do passado distante dessa Maçonaria que teve seu início, seu começo de “história” praticamente a partir do Templo de Salomão são encontrados em nossos Rituais, história que é desenvolvida na forma de alegorias, ou seja, não possuindo total fidelidade com a verdade propriamente histórica ou real.

Anteriormente vimos que Anderson não tivera preocupação nenhuma em separar a Operativa da Especulativa e com isso acabou deixando subentendido que a Operativa deu sequência à Especulativa. Esse tipo de liberdade, onde a isenção dessa diferenciação entre as duas Maçonarias ficou de fora, entrou no século XIX adentro, até que, um belo dia, estudiosos pertencentes à Escola Autêntica(6), se dispuseram a provar que existia sim uma filiação direta entre as duas Maçonarias. O resultado dessas pesquisas, tempos depois, foi uma teoria que na época foi julgada a mais convincente já vista, a Teoria da Transição, e que hoje, pelo que sabemos, ela pecou em alguns aspectos.

O fato é precisávamos chegar até aqui, para dizer em que contexto ela surgiu. Como o leitor percebeu não buscamos remontar aqui toda uma história da Maçonaria, e nem mesmo sintetizá-la elencando e descrevendo cada uma daquelas organizações e corporações que foram consideradas verdadeiramente precursoras. Isso já foi feito numa série de10 artigos publicados nessa mesma revista. (Vide “Quais as origens da Maçonaria e qual a sua idade?” – Revista “O Malhete”, do nº 174 ao n 183)

A Teoria da Transição, de longe a mais difundida e a mais estudada, sugere basicamente que houve uma mudança (das Lojas operativas para especulativas) de uma forma gradativa, num período em que a Maçonaria Operativa ou a dos “construtores de catedrais”, por uma série de mudanças que vinham ocorrendo de ordem social e econômica, agora passara a ser pouco requisitada, o que resultou num processo de declínio irreversível. Nesse contexto, indivíduos que não possuíam maiores ligações com a arte da construção, portanto, estranhos ao ofício, mas, detentores de cargos e de poder, intelectuais, oriundos da sociedade civil ou da nobreza, passaram a ser aceitos nas Lojas maçônicas. Daí a origem da expressão Maçonaria dos Aceitos.

Já no ano de 1702, estava acontecendo o seguinte, conforme o historiador Christian Jacq:

 Christopher Wren(7), o último Grão-Mestre da antiga Maçonaria, aposenta-se. Wren era um arquiteto, um maçom ‘operativo’: infelizmente suas construções não tinham mais a qualidade das realizadas por seus predecessores. O ideal que animava as obras da Idade Média há muito desaparecera e o arquiteto tornava-se pouco a pouco um funcionário indiferente ao esoterismo e ao simbolismo.

A Franco-Maçonaria operativa tornara-se exangue. Os intelectuais não lhe davam mais crédito; desprezavam facilmente o terrível trabalho das mãos e glorificavam a cultura e a ciência.” (Jacq, 1977, pág. 14)

E Jacq faz questão de insistir sobre uma outra questão, a qual surge dentre os escombros da Maçonaria Operativa e que parece ser uma questão mal resolvida: no ano de 1707, ou seja, dez anos antes da fundação da Grande Loja de Londres, foi lançado um decreto da Dieta imperial(8), o qual suprimia a autoridade da Grande Loja de Estrasburgo sobre as lojas de Maçons alemães. Nos anos de 1731 e 1732, dois novos decretos acabaram por declararem ilegais as confrarias de construtores.

Nas palavras do estudioso francês, num momento em que os intelectuais estavam tomando nas mãos os destinos da Maçonaria, os seus verdadeiros fundadores, os companheiros construtores, eram postos na semiclandestinidade, porque o Ocidente não compreendia mais a sua mensagem. O antigo mundo maçônico desaparecia, e muitos historiadores, Maçons ou não, se encarregariam da partir dali de tentarem apagar os séculos precedentes, passando a dar como o começo da história da Ordem, o ano de 1717. (Jacq, 1977, págs. 14 e 15)

COMENTÁRIOS:

Quando Anderson se referiu à formação da Grande Loja como uma “restauração”, ele ainda complementou dizendo ser esse o restauro de uma antiga organização que havia entrado em processo de decomposição por conta da negligência do seu Grão-Mestre Christopher Wren.  Nas palavras do Ir.’. John Hamill, esta afirmação provinda de Anderson, é surpreendente, pois, não existe prova nenhuma para tal afirmativa da sua parte. Aliás, em sua versão de 1723, nem foi mencionado o nome de Wren, a não ser em uma nota de rodapé em referência a ele ter sido o arquiteto do Teatro Sheldoniano de Oxford. E Wren ainda era vivo, por ocasião da versão de 1723. No entanto, já havia falecido quando das últimas revisões promovidas por Anderson, e sendo assim, não teve chance de apresentar sua versão sobre o assunto.

E o assunto esse vem à baila exatamente porque há mais uma outra informação, surgida por ocasião da leitura do livro de Christian Jacq, e que num certo sentido veio de encontro ao que Anderson havia manifestado e comentado pelo Ir.’. John Hamill.

É que Christian Jacq se referindo ainda ao episódio de dez anos antes da fundação da Grande Loja, onde foram emitidos os decretos que redundaram na declaração de ilegalidade das confrarias de construtores, disse também que todo o drama passava pela seguinte contradição: os que realmente construíam e detinham a tradição iniciatória do Ocidente não tinham mais voz. E que não era um Christopher Wren que iria defender o ideal deles, já que ele assistiu de longe e sem nada dizer, a fundação da Grande Loja da Inglaterra.

Fica a pergunta: Será que era mesmo porque o Ocidente não compreendia mais a mensagem dos operativos?

As causas do declínio da Maçonaria Operativa

Muitas foram as teorias e das ideias que que acabaram se difundindo com relação aos supostos motivos que concorreram para a decadência da Maçonaria Operativa e à sua extinção após.

O Ir.’. Varoli Filho citou o “desprestígio da arquitetura gótica e a preferência pela arquitetura clássica reestruturada” como o fato que deu início à decadência da Maçonaria Operativa. Não seria justo perguntarmo-nos, então, quais os outros fatores que teriam contribuído decisivamente para isso, ou que fatores realmente levaram a Maçonaria Operativa a entrar em declínio até chegar ao seu zênite?

Certamente, já nos deparamos em nossas leituras com as explicações de vários estudiosos quando em suas buscas pelas razões que teriam levado ao conhecido desfecho. 

Conheçamos primeiro, um texto que o pesquisador colombiano, Ir.’.  Iván Herrera Michel publicou em seu livro “Historia No Oficial de la Masonería 1717-2017”, e cuja autoria pertence a Ascensión Tejerina, Gran Maestra de la Gran Logia Simbólica Española (2000-2006). De uma maneira bem sucinta, nos coloca dentro do contexto em que trabalharemos doravante. O texto, que veremos na íntegra, consta originalmente em espanhol, portanto, faço uma tradução livre:

“Já no século XVI, a construção de catedrais, grandes monumentos e palácios começam a deixar de ser o desejo maior das classes dominantes, isto é, o clero e a nobreza (entre outras razões, porque não conseguiam se financiarem). Ao mesmo tempo, aumentava a necessidade por obras menores e obras civis, devido ao surgimento da burguesia. Construía-se mais, no entanto, não havia necessidade para estas obras dos grandes conhecimentos dos Maçons tradicionais. Consequentemente, as Lojas dos Maçons Operativos começaram a definhar devido à falta de encomendas.   

É durante esse longo período de quase dois séculos de declínio da Maçonaria chamada ‘Operativa’ que começa a se formar, de maneira totalmente fortuita e não premeditada, a outra Maçonaria chamada ‘Especulativa’, a que atualmente conhecemos. De fato, nas Lojas declinantes dos Maçons Operativos começaram a ser admitidas pessoas importantes da sociedade, intelectuais, artistas, etc., que mesmo não estando vinculadas diretamente ao mundo da construção, estavam interessadas no valor pedagógico, moral e intelectual que tais Lojas por sua metodologia de trabalho, detinham.

Também encontraram acolhimento nessas oficinas, membros de algumas organizações iniciáticas que se dissolveram em virtude das perseguições movidas pela Inquisição. Um processo muito lento de substituição vai se operando, o qual compreenderá todo um trabalho de sintetização simbólica de todos os elementos cotidianos do trabalho operativo, desde os Rituais de iniciação até as ferramentas e procedimentos da construção. Tal fenômeno ocorre de maneira simultânea e paralela em toda a Europa sem que tenha havido, em princípio, nenhuma intenção de homogeneizar os conteúdos e nem de garantir a sobrevivência dessas escolas de fraternidade.” (Michel, 2017, pág. 56)

COMENTÁRIOS:

O que já temos até aqui, no referente às causas que originaram a decadência da Maçonaria Operativa, seriam: o desprestígio da arte gótica e uma preferência pela arte clássica, o que em outras palavras pode ser creditado ao advento do movimento que ficou conhecido por Renascença(9), conforme as palavras do Ir.’. Varoli Filho. Por outro lado, do texto que acabamos de ler, e da opinião emitida por Ascensión Tejerina, as causas são as mudanças econômicas. Na verdade, há muito mais:

A reforma luterana

O Irmão Antônio do Carmo Ferreira, em seu artigo intitulado “A Maçonaria Especulativa e o Autor de suas Constituições” aponta algumas delas, com ecos do Irmão Theobaldo Varoli Filho:

“Uma delas foi a Reforma Luterana. Para este movimento, o mais plausível era o deslocamento do Cura à aldeia. E não uma aldeia toda deslocar-se ao entorno das Catedrais para ouvir a pregação religiosa. Com o êxito desta ideia, esbarrou a atividade das grandes construções e, em consequência, fechavam-se guildas, levando ao ócio centenas de ‘pedreiros’, às quais foram filiados.

Vinculada à guilda, existia uma função beneficente para a qual os filiados contribuíam financeiramente, gerando fundos para assistência aos ‘pedreiros’ invalidados no trabalho ou sem condições para este, quando a idade já lhe era avançada.

Estancadas as construções, a corrida foi grande e célere em rumo à ‘beneficência’, pondo-a em dificuldade para cumprir o seu papel. Admite-se que a salvação daquele sistema de auxílio teria vindo nas asas da admissão, nas guildas, de pessoas alheias às atividades das mesmas. Teria sido esta a abertura decisiva, para que os não-pedreiros fossem aceitos nas guildas da Maçonaria ainda de Ofício.”

A revolução industrial

O Irmão Kennyo Ismail em seu artigo “A História da Maçonaria para Adultos”, do qual extraio um trecho, é enfático em afirmar que:

“O que exterminou a Maçonaria Operativa não foi a Especulativa, nem mesmo um processo de evolução cultural. O que pôs fim à Maçonaria Operativa foi... a Revolução industrial. A mudança no processo produtivo, originada pelas invenções de máquinas e impulsionada pelo surgimento das indústrias, pôs fim à era de produção manual baseada nas guildas. O trabalho estritamente manual foi substituído pelo trabalho de controle de máquinas. A iniciativa inglesa rapidamente se espalhou pela Europa, promovendo um êxodo rural e o abandono de ofícios artesanais e manuais para atender a demanda por mão de obra industrial. Ao fim do século XVIII, o maçom operativo não teve outra escolha a não ser se tornar operário fabril e trabalhar em média 80 horas por semana.”

CONTINUA NA PROXIMA EDIÇÃO

NOTAS:

Constituições Góticas(5): São os documentos mais antigos pertencentes redigidos no período que se conhecem da Maçonaria Operativa. Esse termo foi utilizado por Anderson em suas Constituições, mas, são também conhecidos por Old Charges (Velhos Deveres). Fonte: (Vade-Mécum Maçônico, Ir.’. João Ivo Girardi) 

Escola Autêntica(6): a Escola Autêntica, surgida na segunda metade do século XIX, é aquela cujos pesquisadores desenvolvem suas teorias concernentes à história da Maçonaria, a partir de fatos que possam ser verificados e documentação com origem comprovada. A escola possui suas limitações, considerando, por exemplo que os registros da Maçonaria Especulativa pouco antecedem sua reformulação em 1717. (Fonte: Dicionário de Maçonaria, Ir.’. Joaquim Gervásio de Figueiredo)

Christopher Wren(7): (Sir) (1632-1723) Célebre arquiteto inglês. Construiu a Catedral de São Paulo em Londres. Foi franco-maçom e a sua iniciação á anterior à fundação da Grande Loja da Inglaterra. Situa-se provavelmente em 1691. Foi o conhecimento da Geometria que trouxe a Wren o seu maior triunfo, a reconstrução da catedral de São Paulo. (Fonte: Vade-Mécum Maçônico, Ir.’. João Ivo Girardi)

Dieta imperial(8): (Reichstag) Dieta imperial era uma instituição política do Sacro Império Romano-Germânico. (fonte: google.com)

Renascença(9): Renascimento ou Renascença são os termos usados para que identifiquemos o período da história europeia situado entre o começo do século XIV e o fim do século XVI. Não há um consenso entre estudiosos a respeito dessa cronologia, havendo variações até mesmo consideráveis. Ainda que as transformações sejam bem evidentes na cultura, sociedade, economia, política e religião, o que caracteriza a transição do feudalismo para o capitalismo, além de significar uma evolução se comparada às estruturas medievais, o termo vem sendo mais utilizado para descrever seus efeitos nas artes, filosofia e ciência. (fonte: wikipedia)


Postar um comentário

0 Comentários