Tal como mencionado anteriormente nos
Prolegômenos, serão vários os aspectos a serem abordados no transcurso desta
nova série que tem a pretensão de apresentar aos leitores uma história da
Maçonaria Especulativa. As suas prováveis origens, as influências, a evolução e
a sua consolidação até chegarmos à Maçonaria da forma como a conhecemos atualmente,
serão alguns dos aspectos.
É sempre oportuno citar o Ir.’. John Hamill da
Loja Quatour Coronati de Londres, quando se revisita um tema ligado à história
da Maçonaria, e aqui, especificamente, me refiro àquela pergunta que ele mesmo
se fez em determinada ocasião: quando, por que e onde teria se originado a
Maçonaria? E quanto à sua resposta que teria sido: não sabemos.
Segundo a linha de raciocínio do Ir.’. Hamill,
por séculos a história que vigorou a respeito das origens da Maçonaria não teria
sido submetida às críticas mais sérias, o que abriu
espaço
de sobra para que novas suposições, novas conexões, influências e mesmo “invenções”
fossem criadas ou continuassem alimentando toda uma literatura com vistas a
produzir as pretendidas respostas.
O Reverendo e Ir.’. James Anderson quando das
primeiras Constituições (1723) construiu uma história caracteristicamente
lendária para a Maçonaria, que partia desde o Adão bíblico, em pleno Paraíso, e
se estendia até a formação da primeira Grande Loja, no ano de 1717.
Até aqui, não seria muito difícil para qualquer
Maçom constatar que o Reverendo Anderson ao usar de antigos documentos na
elaboração do Livro das Constituições foi pouco fiel àqueles, tanto que, assim
sintetizou o Ir.’. Varoli Filho, se referindo ao episódio:
“Às lendas do passado, mais ou menos
alteradas, se acrescentaram outras, principalmente inspiradas na Bíblia, como
conviria a bons ministros e pastores protestantes. Contudo, a modificação foi
salutar, pois a Bíblia é um dos maiores monumentos morais do mundo.” (Varoli Filho, 1977,
pág. 254)
O objetivo em fazer esse tipo de referências
aqui, é o de deixar claro que Anderson não teve a pretensão em nenhum momento de
fazer qualquer tipo de separação entre a Maçonaria Operativa e a Maçonaria Especulativa,
e sendo assim, indiretamente, contribuiu para que se pensasse que estava implícita
aí a ideia de que uma era a continuidade da outra. Aliás, a julgar pelas
críticas relativas ao que Anderson escreveu, até podemos chamá-las de infundadas,
haja visto que, ele não teve como propósito escrever uma história no sentido aquele
que lhe atribuímos nos dias de hoje. O que ele buscou, foi transmitir a ideia ou
a apologia sobre uma filiação honrada para a Instituição. Além de que, isso tudo
era para ser o produto essencial da recopilação que ele realizara com base no
conteúdo das antigas Constituições Góticas(5).
É mister que se diga que o texto conseguiu
também passar a impressão de que a assembleia de Maçons ocorrida no ano de 926
d. C., a qual teria sido convocada por uma das personalidades que ali aparecem
(à qual o Ir.’. Hamill se refere como “um certo Príncipe Edwin”), continuou
acontecendo de uma maneira ininterrupta até aquele ano de 1717.
Resumindo, Anderson na primeira edição das suas
Constituições (1723), construiu um panegírico baseado no tripé: lenda, folclore
e tradição. E a assim ela foi aceita, sem maiores discussões.
Quando da sua segunda edição (1738), aí mesmo
é que Anderson liberou total a sua imaginação, construindo uma história da
Maçonaria inglesa que vai daquela suposta assembleia de York, até 1738. Todos os
monarcas e personalidades históricas da Inglaterra que de alguma forma colaboraram
com arquitetos e Maçons acabaram ganhando o título de Grão-Mestre ou de Grande
Vigilante da Maçonaria. Com o intuito de corroborar uma antiga e contínua estirpe
para a Instituição, ele asseverou ainda que a união das quatro Lojas de Londres
na formação da Grande Loja (1717), não significava exatamente a criação de uma nova
organização, eis que, o que tinha havido mesmo, poderia muito bem ser considerado
uma “restauração”.
Com a chancela da Grande Loja, seu trabalho
continuou tendo máxima aceitação, tanto que foi publicado repetidas vezes, e as
modificações correram por conta somente das atualizações que se fizeram necessárias
até o ano da sua última edição (1784). Nas palavras do Ir.’. Hamill, a
aprovação da Grande Loja para a história escrita pelo Reverendo Anderson, fizera
ela adquirir um status de história sagrada.
Os detalhes maiores acerca do passado distante
dessa Maçonaria que teve seu início, seu começo de “história” praticamente a
partir do Templo de Salomão são encontrados em nossos Rituais, história que é desenvolvida
na forma de alegorias, ou seja, não possuindo total fidelidade com a verdade propriamente
histórica ou real.
Anteriormente vimos que Anderson não tivera
preocupação nenhuma em separar a Operativa da Especulativa e com isso acabou
deixando subentendido que a Operativa deu sequência à Especulativa. Esse tipo
de liberdade, onde a isenção dessa diferenciação entre as duas Maçonarias ficou
de fora, entrou no século XIX adentro, até que, um belo dia, estudiosos
pertencentes à Escola Autêntica(6), se dispuseram a provar que
existia sim uma filiação direta entre as duas Maçonarias. O resultado dessas
pesquisas, tempos depois, foi uma teoria que na época foi julgada a mais convincente
já vista, a Teoria da Transição, e que hoje, pelo que sabemos, ela pecou em alguns
aspectos.
O fato é precisávamos chegar até aqui, para
dizer em que contexto ela surgiu. Como o leitor percebeu não buscamos remontar aqui
toda uma história da Maçonaria, e nem mesmo sintetizá-la elencando e
descrevendo cada uma daquelas organizações e corporações que foram consideradas
verdadeiramente precursoras. Isso já foi feito numa série de10 artigos
publicados nessa mesma revista. (Vide “Quais as origens da Maçonaria e qual a
sua idade?” – Revista “O Malhete”, do nº 174 ao n 183)
A Teoria da Transição, de longe a mais
difundida e a mais estudada, sugere basicamente que houve uma mudança (das
Lojas operativas para especulativas) de uma forma gradativa, num período em que
a Maçonaria Operativa ou a dos “construtores de catedrais”, por uma série de mudanças
que vinham ocorrendo de ordem social e econômica, agora passara a ser pouco requisitada,
o que resultou num processo de declínio irreversível. Nesse contexto, indivíduos
que não possuíam maiores ligações com a arte da construção, portanto, estranhos
ao ofício, mas, detentores de cargos e de poder, intelectuais, oriundos da
sociedade civil ou da nobreza, passaram a ser aceitos nas Lojas maçônicas. Daí a
origem da expressão Maçonaria dos Aceitos.
Já no ano de 1702, estava acontecendo o
seguinte, conforme o historiador Christian Jacq:
“Christopher
Wren(7), o último
Grão-Mestre da antiga Maçonaria, aposenta-se. Wren era um arquiteto, um maçom
‘operativo’: infelizmente suas construções não tinham mais a qualidade das
realizadas por seus predecessores. O ideal que animava as obras da Idade Média
há muito desaparecera e o arquiteto tornava-se pouco a pouco um funcionário
indiferente ao esoterismo e ao simbolismo.
A
Franco-Maçonaria operativa tornara-se exangue. Os intelectuais não lhe davam
mais crédito; desprezavam facilmente o terrível trabalho das mãos e glorificavam
a cultura e a ciência.” (Jacq, 1977, pág. 14)
E Jacq faz questão de insistir sobre uma
outra questão, a qual surge dentre os escombros da Maçonaria Operativa e que parece
ser uma questão mal resolvida: no ano de 1707, ou seja, dez anos antes da
fundação da Grande Loja de Londres, foi lançado um decreto da Dieta imperial(8),
o qual suprimia a autoridade da Grande Loja de Estrasburgo sobre as lojas de Maçons
alemães. Nos anos de 1731 e 1732, dois novos decretos acabaram por declararem ilegais
as confrarias de construtores.
Nas palavras do estudioso francês, num
momento em que os intelectuais estavam tomando nas mãos os destinos da Maçonaria,
os seus verdadeiros fundadores, os companheiros construtores, eram postos na
semiclandestinidade, porque o Ocidente não compreendia mais a sua mensagem. O
antigo mundo maçônico desaparecia, e muitos historiadores, Maçons ou não, se
encarregariam da partir dali de tentarem apagar os séculos precedentes, passando
a dar como o começo da história da Ordem, o ano de 1717. (Jacq, 1977, págs. 14
e 15)
COMENTÁRIOS:
Quando Anderson se referiu à formação da
Grande Loja como uma “restauração”, ele ainda complementou dizendo ser esse o
restauro de uma antiga organização que havia entrado em processo de
decomposição por conta da negligência do seu Grão-Mestre Christopher Wren. Nas palavras do Ir.’. John Hamill, esta
afirmação provinda de Anderson, é surpreendente, pois, não existe prova nenhuma
para tal afirmativa da sua parte. Aliás, em sua versão de 1723, nem foi mencionado
o nome de Wren, a não ser em uma nota de rodapé em referência a ele ter sido o
arquiteto do Teatro Sheldoniano de Oxford. E Wren ainda era vivo, por ocasião da
versão de 1723. No entanto, já havia falecido quando das últimas revisões promovidas
por Anderson, e sendo assim, não teve chance de apresentar sua versão sobre o assunto.
E o assunto esse vem à baila exatamente
porque há mais uma outra informação, surgida por ocasião da leitura do livro de
Christian Jacq, e que num certo sentido veio de encontro ao que Anderson havia
manifestado e comentado pelo Ir.’. John Hamill.
É que Christian Jacq se referindo ainda ao
episódio de dez anos antes da fundação da Grande Loja, onde foram emitidos os
decretos que redundaram na declaração de ilegalidade das confrarias de
construtores, disse também que todo o drama passava pela seguinte contradição: os
que realmente construíam e detinham a tradição iniciatória do Ocidente não
tinham mais voz. E que não era um Christopher Wren que iria defender o ideal
deles, já que ele assistiu de longe e sem nada dizer, a fundação da Grande Loja
da Inglaterra.
Fica a pergunta: Será que era mesmo porque o
Ocidente não compreendia mais a mensagem dos operativos?
As causas do declínio da Maçonaria Operativa
Muitas foram as teorias e das ideias que que
acabaram se difundindo com relação aos supostos motivos que concorreram para a
decadência da Maçonaria Operativa e à sua extinção após.
O Ir.’. Varoli Filho citou o “desprestígio da
arquitetura gótica e a preferência pela arquitetura clássica reestruturada”
como o fato que deu início à decadência da Maçonaria Operativa. Não seria justo
perguntarmo-nos, então, quais os outros fatores que teriam contribuído
decisivamente para isso, ou que fatores realmente levaram a Maçonaria Operativa
a entrar em declínio até chegar ao seu zênite?
Certamente, já nos deparamos em nossas
leituras com as explicações de vários estudiosos quando em suas buscas pelas
razões que teriam levado ao conhecido desfecho.
Conheçamos primeiro, um texto que o pesquisador
colombiano, Ir.’. Iván Herrera Michel publicou
em seu livro “Historia No Oficial de la Masonería 1717-2017”, e cuja autoria
pertence a Ascensión Tejerina, Gran Maestra de la Gran Logia
Simbólica Española (2000-2006). De uma maneira bem sucinta, nos coloca
dentro do contexto em que trabalharemos doravante. O texto, que veremos na
íntegra, consta originalmente em espanhol, portanto, faço uma tradução livre:
“Já no século XVI, a construção de
catedrais, grandes monumentos e palácios começam a deixar de ser o desejo maior
das classes dominantes, isto é, o clero e a nobreza (entre outras razões,
porque não conseguiam se financiarem). Ao mesmo tempo, aumentava a necessidade
por obras menores e obras civis, devido ao surgimento da burguesia.
Construía-se mais, no entanto, não havia necessidade para estas obras dos
grandes conhecimentos dos Maçons tradicionais. Consequentemente, as Lojas dos
Maçons Operativos começaram a definhar devido à falta de encomendas.
É durante esse longo período de quase
dois séculos de declínio da Maçonaria chamada ‘Operativa’ que começa a se
formar, de maneira totalmente fortuita e não premeditada, a outra Maçonaria
chamada ‘Especulativa’, a que atualmente conhecemos. De fato, nas Lojas
declinantes dos Maçons Operativos começaram a ser admitidas pessoas importantes
da sociedade, intelectuais, artistas, etc., que mesmo não estando vinculadas
diretamente ao mundo da construção, estavam interessadas no valor pedagógico,
moral e intelectual que tais Lojas por sua metodologia de trabalho, detinham.
Também encontraram acolhimento nessas
oficinas, membros de algumas organizações iniciáticas que se dissolveram em
virtude das perseguições movidas pela Inquisição. Um processo muito lento de
substituição vai se operando, o qual compreenderá todo um trabalho de
sintetização simbólica de todos os elementos cotidianos do trabalho operativo,
desde os Rituais de iniciação até as ferramentas e procedimentos da construção.
Tal fenômeno ocorre de maneira simultânea e paralela em toda a Europa sem que
tenha havido, em princípio, nenhuma intenção de homogeneizar os conteúdos e nem
de garantir a sobrevivência dessas escolas de fraternidade.” (Michel, 2017, pág.
56)
COMENTÁRIOS:
O que já temos até aqui, no referente às
causas que originaram a decadência da Maçonaria Operativa, seriam: o
desprestígio da arte gótica e uma preferência pela arte clássica, o que em
outras palavras pode ser creditado ao advento do movimento que ficou conhecido
por Renascença(9), conforme as palavras do Ir.’. Varoli Filho. Por
outro lado, do texto que acabamos de ler, e da opinião emitida por Ascensión
Tejerina, as causas são as mudanças econômicas. Na verdade, há muito mais:
A reforma luterana
O Irmão Antônio do Carmo Ferreira, em seu
artigo intitulado “A Maçonaria Especulativa e o Autor de suas
Constituições” aponta algumas delas, com ecos do Irmão Theobaldo Varoli
Filho:
“Uma
delas foi a Reforma Luterana. Para este movimento, o mais plausível era o
deslocamento do Cura à aldeia. E não uma aldeia toda deslocar-se ao entorno das
Catedrais para ouvir a pregação religiosa. Com o êxito desta ideia, esbarrou a
atividade das grandes construções e, em consequência, fechavam-se guildas,
levando ao ócio centenas de ‘pedreiros’, às quais foram filiados.
Vinculada
à guilda, existia uma função beneficente para a qual os filiados contribuíam
financeiramente, gerando fundos para assistência aos ‘pedreiros’ invalidados no
trabalho ou sem condições para este, quando a idade já lhe era avançada.
Estancadas
as construções, a corrida foi grande e célere em rumo à ‘beneficência’, pondo-a
em dificuldade para cumprir o seu papel. Admite-se que a salvação daquele
sistema de auxílio teria vindo nas asas da admissão, nas guildas, de pessoas
alheias às atividades das mesmas. Teria sido esta a abertura decisiva, para que
os não-pedreiros fossem aceitos nas guildas da Maçonaria ainda de Ofício.”
A revolução
industrial
O Irmão Kennyo Ismail em seu artigo “A
História da Maçonaria para Adultos”, do qual extraio um trecho, é enfático
em afirmar que:
“O que
exterminou a Maçonaria Operativa não foi a Especulativa, nem mesmo um processo
de evolução cultural. O que pôs fim à Maçonaria Operativa foi... a Revolução
industrial. A mudança no processo produtivo, originada pelas invenções de
máquinas e impulsionada pelo surgimento das indústrias, pôs fim à era de
produção manual baseada nas guildas. O trabalho estritamente manual foi
substituído pelo trabalho de controle de máquinas. A iniciativa inglesa
rapidamente se espalhou pela Europa, promovendo um êxodo rural e o abandono de
ofícios artesanais e manuais para atender a demanda por mão de obra industrial.
Ao fim do século XVIII, o maçom operativo não teve outra escolha a não ser se
tornar operário fabril e trabalhar em média 80 horas por semana.”
CONTINUA NA PROXIMA EDIÇÃO
NOTAS:
Constituições Góticas(5): São os
documentos mais antigos pertencentes redigidos no período que se conhecem da
Maçonaria Operativa. Esse termo foi utilizado por Anderson em suas
Constituições, mas, são também conhecidos por Old Charges (Velhos Deveres).
Fonte: (Vade-Mécum Maçônico, Ir.’. João Ivo Girardi)
Escola Autêntica(6): a Escola
Autêntica, surgida na segunda metade do século XIX, é aquela cujos
pesquisadores desenvolvem suas teorias concernentes à história da Maçonaria, a
partir de fatos que possam ser verificados e documentação com origem
comprovada. A escola possui suas limitações, considerando, por exemplo que os
registros da Maçonaria Especulativa pouco antecedem sua reformulação em 1717.
(Fonte: Dicionário de Maçonaria, Ir.’. Joaquim Gervásio de Figueiredo)
Christopher Wren(7): (Sir)
(1632-1723) Célebre arquiteto inglês. Construiu a Catedral de São Paulo em
Londres. Foi franco-maçom e a sua iniciação á anterior à fundação da Grande
Loja da Inglaterra. Situa-se provavelmente em 1691. Foi o conhecimento da
Geometria que trouxe a Wren o seu maior triunfo, a reconstrução da catedral de
São Paulo. (Fonte: Vade-Mécum Maçônico, Ir.’. João Ivo Girardi)
Dieta imperial(8): (Reichstag) Dieta
imperial era uma instituição política do Sacro Império Romano-Germânico.
(fonte: google.com)
Renascença(9): Renascimento ou
Renascença são os termos usados para que identifiquemos o período da história
europeia situado entre o começo do século XIV e o fim do século XVI. Não há um
consenso entre estudiosos a respeito dessa cronologia, havendo variações até
mesmo consideráveis. Ainda que as transformações sejam bem evidentes na
cultura, sociedade, economia, política e religião, o que caracteriza a
transição do feudalismo para o capitalismo, além de significar uma evolução se
comparada às estruturas medievais, o termo vem sendo mais utilizado para
descrever seus efeitos nas artes, filosofia e ciência. (fonte: wikipedia)
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