A Bíblia Dos Maçons: A Presença do Volume da Lei Sagrada na Tradição Maçônica


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A Redação

A Maçonaria, reconhecida por seu caráter adogmático e tolerante, acolhe todas as crenças e religiões, permitindo ao maçom a liberdade de crença ou descrença. Contudo, a presença da Bíblia — ou, mais genericamente, do Volume da Lei Sagrada — em seus rituais e oficinas é um elemento central que desperta reflexões sobre suas origens, significados simbólicos e interpretações variadas. Este artigo explora o papel do Livro Sagrado no contexto maçônico, analisando sua evolução histórica e ritualística, com ênfase nos principais ritos e tradições.

A Origem da Presença da Bíblia na Maçonaria

Historicamente, a Maçonaria operativa, composta por construtores ligados à Igreja e à construção de catedrais, tinha um caráter essencialmente cristão. Nas guildas de artesãos da Idade Média, o juramento era uma prática comum, realizada frequentemente sobre um texto sagrado, quando disponível. No entanto, os registros mais antigos, como o Manuscrito Regius (1370) e o Cooke (1420), não mencionam a Bíblia como instrumento presente nas lojas operativas.

A Reforma Protestante (século XVI) trouxe mudanças significativas. Textos como o "Manuscrito da Grande Loja nº 1" (1573) e o "Manuscrito de Edimburgo" (1696) afirmam o uso da Bíblia nos juramentos maçônicos. Contudo, este desenvolvimento não foi uniforme. Nos países católicos, a Bíblia manteve-se menos acessível aos fiéis devido às restrições impostas pelo Concílio de Trento, enquanto nos países protestantes tornou-se um símbolo central.

A Bíblia como Instrumento Ritual

Na Maçonaria especulativa, especialmente após as Constituições de Anderson (1723), o uso da Bíblia foi formalizado como o Volume da Lei Sagrada. Contudo, Anderson ampliou a concepção deste símbolo, permitindo que o Volume da Lei Sagrada incluísse qualquer livro considerado sagrado pela crença do maçom, como o Alcorão, o Torah ou outros textos espirituais, reforçando o caráter universalista da Maçonaria.

Nos rituais anglo-saxões, como o Rito de Emulação, a Bíblia é a primeira das "Três Grandes Luzes", ao lado do Esquadro e do Compasso. É posicionada no altar, aberta para leitura, simbolizando a luz espiritual que guia os trabalhos maçônicos.

Por outro lado, no Rito Escocês Antigo e Aceito (REAA), a Bíblia é frequentemente aberta em passagens do Antigo Testamento, como 2 Crônicas 5 e 1 Reis 6-7, que narram a construção do Templo de Salomão, tema central da simbologia maçônica.

No Rito Francês, a presença da Bíblia variou ao longo do tempo. A partir de 1785-1786, o "Livro das Constituições" foi incorporado como símbolo central em muitas lojas, substituindo a Bíblia em algumas tradições mais secularizadas. Este movimento reflete o caráter iluminista e racionalista predominante na Maçonaria francesa do período.

 

O Simbolismo e as Lendas Maçônicas Relacionadas à Bíblia

Além de sua função como objeto ritual, a Bíblia na Maçonaria está associada a lendas e narrativas simbólicas que enriquecem o arcabouço doutrinário. Exemplos incluem a história do arquiteto Hiram, os dois pilares de Enoque e a Torre de Babel, que são utilizados para transmitir lições morais e espirituais. Essas lendas, embora não mencionadas por Anderson em sua narrativa histórica, integram-se à tradição oral e ritualística maçônica.

O papel do Novo Testamento é menos pronunciado, exceto em ritos como o Rito Escocês Retificado, que incorpora elementos explicitamente cristãos. Por outro lado, o Antigo Testamento fornece a base simbólica para muitos dos rituais e graus, destacando a figura de Salomão, o Templo e os pilares como símbolos de sabedoria, força e beleza.


A Evolução Contemporânea

Atualmente, a presença da Bíblia e sua interpretação variam conforme o rito e o contexto cultural. Nos países anglo-saxões, permanece como o Volume da Lei Sagrada padrão. Em contraste, nos países de tradição laica, como França e Bélgica, a Maçonaria secularizada adaptou seus rituais, permitindo a substituição da Bíblia por outros textos simbólicos ou mesmo pela Constituição da Ordem.

Essa flexibilidade reflete o compromisso da Maçonaria com a inclusão e o respeito às diversas crenças, reafirmando sua essência universalista.

Conclusão

A Bíblia, como Volume da Lei Sagrada, é um dos símbolos mais antigos e significativos da Maçonaria. Sua presença nas lojas transcende a dimensão religiosa, funcionando como um guia moral e espiritual que reforça os ideais de tolerância, liberdade e fraternidade. A diversidade de interpretações e usos do Livro Sagrado ao longo dos séculos reflete a capacidade da Maçonaria de evoluir sem perder sua essência simbólica e iniciática, permanecendo uma ponte entre o passado e o presente, entre o individual e o universal.


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