COMENTÁRIOS
INICIAIS:
No capítulo antecedente foram
apresentadas várias das causas que teriam contribuído para o fim da Maçonaria
Operativa. As causas mais prováveis, as menos prováveis, o assunto ainda gera
discussões. Também foram vistos alguns aspectos relativos à teoria da
transição, a qual preconizava sobre uma passagem gradual das Lojas operativas
para Lojas especulativas.
As mudanças de ordem econômicas e
sociais, reflexos de um mundo que já não era mais o mesmo e passava por grandes
transformações, acabaram fazendo com que fosse decretado o fim das grandes
construções do período medieval.
Todo aquele contexto existente e
favorável à construção arquitetônica estava agora em processo de extinção, e a
Maçonaria Operativa cedia lugar para uma outra estrutura criada por homens
imbuídos de ideias um tanto diferentes, os quais já vinham desde longa data
sendo absorvidos no seio da Instituição com o objetivo de assumirem uma nova
fase. Uma nata da sociedade que era formada em grande parte por intelectuais e
nobres trazendo preocupações outras: a evolução do ser humano, a formação do
novo homem a partir da sua transformação interior pelo processo iniciático, o
seu aprimoramento com base no cultivo das virtudes, enfim, a construção
arquitetônica passava a ter um caráter mais simbólico, pois, o objetivo era a
construção do templo interior do homem. A partir daí, o próximo passo para esse
homem renascido, reformado, seria o de levar uma mensagem de esperança para o
resto da humanidade.
De uma Maçonaria que até então era de
natureza operativa, uma Maçonaria que detinha todo o conhecimento e todos os
segredos da arte da construção, para uma nova Maçonaria que emergia com
propósitos novos, certamente não era uma mudança que pudesse acontecer da noite
para o dia. E a resposta definitiva para explicar os porquês de uma mudança tão
radical talvez nunca possa ser alcançada em sua origem mais verdadeira.
Vamos refazer esse caminho,
sucintamente, só mais uma vez.
No primeiro período da Idade Média, o
mundo ocidental era dominado pelo clero católico-romano, domínio que se
estendeu para as grandes construções. Os monges, primeiro os beneditinos,
depois os cistercienses, autorizados pelos bispos contratavam leigos para a
construção de seus conventos e igrejas, e deram assim um enorme impulso à
arquitetura gótica, que foi posterior à arte românica.
Em um determinado momento, os arquitetos
e construtores leigos passaram a explorar sozinhos a arquitetura gótica, tomando
a frente em construções e sendo contratados pelo próprio clero, pelos monarcas
e pelos senhores.
Surge então, a fase da Maçonaria-Livre,
ou ainda dos Pedreiros-Livres e Canteiros.
Na Inglaterra havia o “free-mason”
(pedreiro-livre) que diferia do “rough mason”, este último um trabalhador
subalterno das construções e o “free stone mason”, o canteiro.
Nesse período a Maçonaria Operativa
medieval viveu o seu auge, onde a arquitetura gótica se revelou em seu máximo
com a construção das catedrais.
Escreveu o Irmão Theobaldo Varoli Filho:
“Com o advento do prestígio das
corporações, fato que caracterizou um notável período da Idade Média avançada,
os pedreiros-Livres e Canteiros se organizariam em grêmios profissionais e
fraternidades. Estas instituições paralelas às corporações se inspiravam,
também, nas antigas ‘guildas’, agremiações peculiares ao norte da Europa e de
origem anterior à dominação romana.
Como nas entidades corporativas das
principais profissões, os Pedreiros-Livres e Canteiros mantinham tradições e
segredos, mas, além disso impuseram para os oficiais da ‘arte real’, o
reconhecimento por meio de sinais, toques e palavras. (...)
Os Pedreiros-Livres e Canteiros (ou
melhor, a Maçonaria Livre), como afirma a história, tiveram o seu esplendor
enquanto fulgurava a catedral, sua obra máxima. Com o advento da reforma
religiosa, depois de Lutero (1483-1456), esse prestígio viria a declinar,
agravado ainda mais com o advento da Renascença. (...) A arte de construir já
não era segredo e as corporações já não podiam defender os seus monopólios e
manter o seu fastígio político e econômico. (...) Um novo estilo, inspirado nas
velhas regras clássicas e acrescido de motivos mais alegres, suplantaria a
arquitetura gótica, severa, magistral, porém já um tanto enfadonha, quanto
podiam sugerir as suas ogivas sisudas e plangentes.
Começa então o declínio da
Maçonaria-livre e operativa e surge a maçonaria de aceitação, a qual deve ser
considerada o fim da maçonaria profissional organizada e nascedouro da
Maçonaria especulativa de caráter contemplativo e filosófico. (...)
A verdadeira ‘aceitação’ teria começado logo no princípio do século XVII e foi aumentando nas lojas e ‘fraternidades’ com a admissão de um número cada vez maior de nobres, protetores, intelectuais antiquários, estudiosos da alquimia, naturalistas, rosicrucianos (ramo distinto dos velhos adeptos da Rosa-Cruz), religiosos protestantes e pessoas dispostas a cumprir os juramentos e as tradições da irmandade oriundas da Maçonaria operativa medieval. (Varoli Filho, págs. 242-244, 1977)
A
MAÇONARIA DOS ACEITOS
Em um artigo que escrevi há bastante
tempo cujo título era “Os Maçons Operativos e os Aceitos: Há Mais Perguntas do
que Respostas?”, transcrevi logo após este último, o seguinte trecho da autoria
do historiador francês Jean Palou:
“Somos do parecer que certas pessoas
foram simplesmente agregadas às lojas em função mesmo de seu ofício profano (os
médicos, por exemplo) ou de sua função sacerdotal (papel de capelão). Achamos
que outros se fizeram iniciar em vista de sua própria realização espiritual,
numa época, a da pretensa Renascença, em que, com exceção da Maçonaria, as
iniciações artesanais, que conduziam aos pequenos mistérios, desapareciam umas
depois das outras. Não é menos verdade que jamais saberemos por que a Maçonaria
antiga aceitou profanos no ofício de pedreiro.” (Palou, pág. 43, 1965)
O período histórico da Maçonaria que
compreende a sua passagem de Operativa para Especulativa, ocorreu
paulatinamente, e aqueles que hoje sabemos serem considerados os seus primeiros
membros não operativos, tiveram seu ingresso na Escócia e na Inglaterra.
O historiado e Maçom Roger Dachez, em
seu artigo “As Origens da Maçonaria Especulativa: Situação das Teorias Atuais”,
comentando a respeito da Teoria da Transição cita o nome daquele quem ele julga
ser o partidário mais brilhante dessa teoria, o estudioso inglês Harry Carr,
que por sua vez deixa evidente a importância da Escócia e da Inglaterra no
tocante à Aceitação:
“Na Grã-Bretanha, em particular na
Escócia no final do renascimento, e ainda mais particularmente durante o século
XVII, produziu-se uma transformação sensível da instituição. Homens estranhos
ao ofício, que às vezes ocupavam cargos importantes na sociedade civil,
intelectuais _ voluntários dados à especulação alquimista de então, do
neoplatonismo nascido em Florença, no século XV, e da tradição Rosacruz,
difundida desde o início do século XVII – tinham feito a sua entrada em lojas
que naquela época se encontravam quase moribundas. Estes Maçons Aceitos pouco a
pouco foram aumentando seu número e sua influência a ponto de se tornarem a
maioria no interior das lojas, chegando, em certa medida, a eliminar os maçons
operativos, convertidos dessa maneira em estranhos dentro de sua própria
instituição.”
O que acabamos de ler, podemos dizer, é aquela definição da Teoria da Transição, de um ponto de vista mais clássico.
QUEM FOI O PRIMEIRO MAÇOM ESPECULATIVO?
Outro famoso Maçom e estudioso da
Maçonaria, Lionel Vibert, agora citado pelo Irmão Nicola Aslan em seu “Grande
Dicionário...”, recuou até a o século XV, mais precisamente ao documento Cooke
para mencionar que o Príncipe Edwin, personagem de uma lenda maçônica já teria
sido referido ali como um “especulativo”. Vejamos o que escreveu Vibert:
“Pode-se aceitar ou negar como fato
histórico a presença de Edwin em nossa Ordem, no século X; de qualquer modo,
está claro que a prática de admitir na Confraria pessoas não operativas, que
sua posição social ou conhecimentos poderiam justificar; estava já em uso no
momento da compilação do documento Cooke, isto é, cerca de 1400, senão antes.
Pode-se mesmo presumir que a existência de semelhante prática da Maçonaria
escocesa faria remontar a instituição a tempos ainda mais antigos, antes mesmo
que fossem rompidas as relações íntimas entre os dois países.” (Aslan, pág.
750, 2012)
A ESCÓCIA: OS PRIMEIROS ACEITOS
O primeiro caso de uma aceitação,
devidamente comprovado por registros em atas, é o de John Boswell, Lord de
Aushinleck, que foi admitido na data de 8 de junho de 1600 na Saint Mary’s
Chapell Lodge, situada na cidade de Edimburgo, Escócia.
Também consta que Sir Robert Moray,
Tenente-General do exército na Escócia, em 2 de maio de 1641, foi recebido
Maçom na Loja de Saint-Mary’s Chapell em Edimburgo. Sir Robert Moray foi um dos
fundadores da Royal Society(10).
Há um artigo do Irmão António Rocha
Fadista intitulado “As Origens da Maçonaria Especulativa”, cuja bibliografia é
toda em língua inglesa, o que significa dizer que ele nos contempla então com
informações às quais não temos acesso comumente, portanto, mencionar os
resultados das suas pesquisas em tais fontes, se torna até mesmo
imprescindível.
Do artigo mencionado, reproduzimos a
seguinte passagem com detalhes importantes sobre a história dos Aceitos na
Escócia:
“O certo é que os primeiros sinais dos
não operativos são todos posteriores ao início do séc. XVII. Na Escócia, em
Edimburgo, os primeiros sinais aparecem em 1634. Em Atchison’s Haven, em 1672,
1677 e 1693. Em Kilwinning(11), em 1672 e em Aberdeen, em 1670.”
Por sua vez, o Irmão João Anatalino em
seu artigo intitulado “O Primeiro Maçom Especulativo”, escreveu:
“Após a inclusão de Lorde Boswell, o
processo de aceitação de Maçons não profissionais se tornaria comum. Logo se espalharia
pelos canteiros de obras da Escócia, Inglaterra, Alemanha, França e outros
países, de tal maneira que, ao final do século XVI, o número de Maçons aceitos
_ então chamados de especulativos _ ultrapassasse, os operativos.”
Como podemos perceber, é no país escocês
que temos oficialmente o registro da admissão dos primeiros Maçons Aceitos e o
nascimento desse que era um novo costume, pois, além daquele que é considerado
o primeiro Aceito, John Boswell, iniciado no ano de 1600, nos dados
apresentados pelo Irmão António Fadista e ainda referentes ao século XVI, todos
os lugares citados fazem parte da Escócia.
Ainda, à título de ilustração: de acordo com o Irmão Pedro Juk, em 1670, a
Loja de Aberdeen que totalizava o número de 49 membros, tinha entre eles, 39
Aceitos.
A INGLATERRA: A COMPANHIA DOS MAÇONS DE
LONDRES E OS PRIMEIROS ACEITOS
Conforme registrou o Irmão Aslan, não se
conhece nenhuma menção aos especulativos na Inglaterra antes do ano de 1646,
sendo que foi nessa época que Elias Ashmole (antiquário, físico membro da
“Royal Society”, rosa-cruz...) e seus contemporâneos aderiram a uma loja
Especulativa. (Aslan, pág. 750-751, 2012)
No entanto, se voltarmos ao artigo do
Irmão António Rocha Fadista, veremos que ele retroage alguns anos mais em
relação ao que acabamos de ler acima:
“Na Inglaterra, já em 1621, os registros
comprovam a existência de uma Sociedade de Maçons, em conjunto com a corporação
de ofício regular. Esta nova sociedade recebia capitações dos maçons Aceitos,
tanto dos construtores de ofício, quanto dos que não tinham nenhuma relação com
a profissão.”
Ao que tudo indica ele está se referindo
à Companhia dos Maçons de Londres, pois, o ano praticamente coincide com aquele
que aparece no verbete Aceitação e que constou no ”Grande Dicionário
Enciclopédico...” de Aslan, quando este último fez referência ao orientalista
J. Marquès-Rivière. Sobre este último, Marquès-Rivière ele registrou o fato de
que lá por volta de 1620, alguns membros da Companhia dos Maçons de Londres já
se reuniam com pessoas que eram estranhas à profissão e formavam uma entidade à
parte. Aslan, quando transcrevendo Marquès-Rivière no tocante à Aceitação, fez
o seguinte comentário:
“Esta Loja chamava-se Aceitação e não
era idêntica à Companhia, que incluía apenas Pedreiros profissionais. A
Aceitação, como as antigas Brüderschaften, compreendia maçons Especulativos e
Maçons Operativos... Muito mais, todos os membros da Companhia não eram
obrigatoriamente, membros da Aceitação. (...)
A Aceitação reunia-se na sede da
‘Companhia dos Maçons’, no Mason’s Hall, em Mason’s Alley, situada entre as
ruas Basinghall e Coleman, da antiga Londres. E foi lá que Elias Ashmole(12)
compareceu pela segunda vez em uma Loja Maçônica, e a última de sua vida em uma
Iniciação Maçônica, sendo a primeira a sua própria.
A respeito desta entidade foi dito
que a importância da Aceitação na história da Maçonaria é dupla: 1º porque
fornece um indiscutível elo entre Operativos e Especulativos; 2º por dar um
exemplo, primitivo, da admissão de Maçons Especulativos. A sua existência é
provada e documentada de 1620 a 1678, e a ‘admissão’ de novos membros a que
assistiu Ashmole, é de 1682.” (Aslan, págs. 45-46, 2012)
Esta Loja é um verdadeiro marco dentro
da história dos Aceitos, já que, comprovadamente aceitava Maçons profissionais
e Maçons especulativos.
O Irmão António Rocha Fadista, em seu
artigo também se referiu à Companhia dos Maçons Livres da Cidade de Londres:
“Sem dúvida, a Maçonaria moderna muito
deve à instituição chamada de Venerável Companhia dos Maçons Livres da Cidade
de Londres, como era chamada nos documentos oficiais, a corporação que reunia
os que praticavam as artes de construir. Não é sem razão que a instituição
atual é a sua sucessora quase sem mudanças, no nome e em muito dos seus
princípios de governo. A Maçonaria atual herdou nos nomes dos Oficiais e
Dignatários mais importantes, o método de autossustentação financeira, a taxa
de admissão e outros usos. A bem da verdade, estes usos eram típicos de todas
as corporações medievais. Entretanto, tudo isto não explica por que os não
operativos teriam solicitado a sua admissão, especificamente nesta corporação
de ofício.”
E
mais adiante, outra informação interessante:
“Outro fato significativo é que nos anos
1655/56 a Companhia de ofício decidiu retirar a palavra ‘freemasons’ (Pedreiros
Livres) de seu título, passando a chamar-se somente Companhia dos Maçons. Este
fato permite supor que a mudança no nome da Companhia de Ofício visava oferecer
cobertura a uma nova organização surgida em seu interior.”
CONTINUA NA PROXIMA EDIÇÃO DE O MALHETE
NOTAS:
Royal Society(10): The Royal Society of
London for Improving Natural Knowledge, é uma sociedade científica e a academia
nacional de ciências do Reino Unido. Entre seus fundadores, alguns eram Maçons,
a exemplo de Sir Robert Moray e Sir Christopher Wren. (fonte: wikipedia)
Kilwinning(11): Kilwinning é uma cidade
da Escócia, notável por abrigar a Loja original da Maçonaria na Escócia. Quando
as Lojas foram renumeradas, Kilwinning foi mantida como Loja Número '0', a Loja
Mãe da Escócia. A origem da Loja não é clara, sendo a primeira evidência
documental uma menção nos Estatutos Schaw de 1598 e 1599, que a identificam em
seu primeiro parágrafo como "heid e secund ludge da Escócia". (fonte:
en.wikipedia.org/wiki/Kilwinning)
Elias Ashmole(12) (1617-1694): Elias
Ashmole foi outro dos membros fundadores da Royal Society. Misto de homem
renascentista e filósofo hermético britânico, foi iniciado na Maçonaria em 16
de outubro de 1646.
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