Capítulos da História da Maçonaria Especulativa: A Teoria da Transição e os Primeiros Maçons Aceitos (III)


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Por Irmão José Ronaldo Viega Alves

COMENTÁRIOS INICIAIS:

No capítulo antecedente foram apresentadas várias das causas que teriam contribuído para o fim da Maçonaria Operativa. As causas mais prováveis, as menos prováveis, o assunto ainda gera discussões. Também foram vistos alguns aspectos relativos à teoria da transição, a qual preconizava sobre uma passagem gradual das Lojas operativas para Lojas especulativas.

As mudanças de ordem econômicas e sociais, reflexos de um mundo que já não era mais o mesmo e passava por grandes transformações, acabaram fazendo com que fosse decretado o fim das grandes construções do período medieval.

Todo aquele contexto existente e favorável à construção arquitetônica estava agora em processo de extinção, e a Maçonaria Operativa cedia lugar para uma outra estrutura criada por homens imbuídos de ideias um tanto diferentes, os quais já vinham desde longa data sendo absorvidos no seio da Instituição com o objetivo de assumirem uma nova fase. Uma nata da sociedade que era formada em grande parte por intelectuais e nobres trazendo preocupações outras: a evolução do ser humano, a formação do novo homem a partir da sua transformação interior pelo processo iniciático, o seu aprimoramento com base no cultivo das virtudes, enfim, a construção arquitetônica passava a ter um caráter mais simbólico, pois, o objetivo era a construção do templo interior do homem. A partir daí, o próximo passo para esse homem renascido, reformado, seria o de levar uma mensagem de esperança para o resto da humanidade.

De uma Maçonaria que até então era de natureza operativa, uma Maçonaria que detinha todo o conhecimento e todos os segredos da arte da construção, para uma nova Maçonaria que emergia com propósitos novos, certamente não era uma mudança que pudesse acontecer da noite para o dia. E a resposta definitiva para explicar os porquês de uma mudança tão radical talvez nunca possa ser alcançada em sua origem mais verdadeira. 

Vamos refazer esse caminho, sucintamente, só mais uma vez.

No primeiro período da Idade Média, o mundo ocidental era dominado pelo clero católico-romano, domínio que se estendeu para as grandes construções. Os monges, primeiro os beneditinos, depois os cistercienses, autorizados pelos bispos contratavam leigos para a construção de seus conventos e igrejas, e deram assim um enorme impulso à arquitetura gótica, que foi posterior à arte românica.

Em um determinado momento, os arquitetos e construtores leigos passaram a explorar sozinhos a arquitetura gótica, tomando a frente em construções e sendo contratados pelo próprio clero, pelos monarcas e pelos senhores.

Surge então, a fase da Maçonaria-Livre, ou ainda dos Pedreiros-Livres e Canteiros.

Na Inglaterra havia o “free-mason” (pedreiro-livre) que diferia do “rough mason”, este último um trabalhador subalterno das construções e o “free stone mason”, o canteiro.

Nesse período a Maçonaria Operativa medieval viveu o seu auge, onde a arquitetura gótica se revelou em seu máximo com a construção das catedrais.

Escreveu o Irmão Theobaldo Varoli Filho:

“Com o advento do prestígio das corporações, fato que caracterizou um notável período da Idade Média avançada, os pedreiros-Livres e Canteiros se organizariam em grêmios profissionais e fraternidades. Estas instituições paralelas às corporações se inspiravam, também, nas antigas ‘guildas’, agremiações peculiares ao norte da Europa e de origem anterior à dominação romana.

Como nas entidades corporativas das principais profissões, os Pedreiros-Livres e Canteiros mantinham tradições e segredos, mas, além disso impuseram para os oficiais da ‘arte real’, o reconhecimento por meio de sinais, toques e palavras. (...)

Os Pedreiros-Livres e Canteiros (ou melhor, a Maçonaria Livre), como afirma a história, tiveram o seu esplendor enquanto fulgurava a catedral, sua obra máxima. Com o advento da reforma religiosa, depois de Lutero (1483-1456), esse prestígio viria a declinar, agravado ainda mais com o advento da Renascença. (...) A arte de construir já não era segredo e as corporações já não podiam defender os seus monopólios e manter o seu fastígio político e econômico. (...) Um novo estilo, inspirado nas velhas regras clássicas e acrescido de motivos mais alegres, suplantaria a arquitetura gótica, severa, magistral, porém já um tanto enfadonha, quanto podiam sugerir as suas ogivas sisudas e plangentes.

Começa então o declínio da Maçonaria-livre e operativa e surge a maçonaria de aceitação, a qual deve ser considerada o fim da maçonaria profissional organizada e nascedouro da Maçonaria especulativa de caráter contemplativo e filosófico. (...)

A verdadeira ‘aceitação’ teria começado logo no princípio do século XVII e foi aumentando nas lojas e ‘fraternidades’ com a admissão de um número cada vez maior de nobres, protetores, intelectuais antiquários, estudiosos da alquimia, naturalistas, rosicrucianos (ramo distinto dos velhos adeptos da Rosa-Cruz), religiosos protestantes e pessoas dispostas a cumprir os juramentos e as tradições da irmandade oriundas da Maçonaria operativa medieval.  (Varoli Filho, págs. 242-244, 1977)

A MAÇONARIA DOS ACEITOS

Em um artigo que escrevi há bastante tempo cujo título era “Os Maçons Operativos e os Aceitos: Há Mais Perguntas do que Respostas?”, transcrevi logo após este último, o seguinte trecho da autoria do historiador francês Jean Palou:

“Somos do parecer que certas pessoas foram simplesmente agregadas às lojas em função mesmo de seu ofício profano (os médicos, por exemplo) ou de sua função sacerdotal (papel de capelão). Achamos que outros se fizeram iniciar em vista de sua própria realização espiritual, numa época, a da pretensa Renascença, em que, com exceção da Maçonaria, as iniciações artesanais, que conduziam aos pequenos mistérios, desapareciam umas depois das outras. Não é menos verdade que jamais saberemos por que a Maçonaria antiga aceitou profanos no ofício de pedreiro.” (Palou, pág. 43, 1965)

O período histórico da Maçonaria que compreende a sua passagem de Operativa para Especulativa, ocorreu paulatinamente, e aqueles que hoje sabemos serem considerados os seus primeiros membros não operativos, tiveram seu ingresso na Escócia e na Inglaterra.

O historiado e Maçom Roger Dachez, em seu artigo “As Origens da Maçonaria Especulativa: Situação das Teorias Atuais”, comentando a respeito da Teoria da Transição cita o nome daquele quem ele julga ser o partidário mais brilhante dessa teoria, o estudioso inglês Harry Carr, que por sua vez deixa evidente a importância da Escócia e da Inglaterra no tocante à Aceitação:

“Na Grã-Bretanha, em particular na Escócia no final do renascimento, e ainda mais particularmente durante o século XVII, produziu-se uma transformação sensível da instituição. Homens estranhos ao ofício, que às vezes ocupavam cargos importantes na sociedade civil, intelectuais _ voluntários dados à especulação alquimista de então, do neoplatonismo nascido em Florença, no século XV, e da tradição Rosacruz, difundida desde o início do século XVII – tinham feito a sua entrada em lojas que naquela época se encontravam quase moribundas. Estes Maçons Aceitos pouco a pouco foram aumentando seu número e sua influência a ponto de se tornarem a maioria no interior das lojas, chegando, em certa medida, a eliminar os maçons operativos, convertidos dessa maneira em estranhos dentro de sua própria instituição.”

O que acabamos de ler, podemos dizer, é aquela definição da Teoria da Transição, de um ponto de vista mais clássico.

QUEM FOI O PRIMEIRO MAÇOM ESPECULATIVO?

Outro famoso Maçom e estudioso da Maçonaria, Lionel Vibert, agora citado pelo Irmão Nicola Aslan em seu “Grande Dicionário...”, recuou até a o século XV, mais precisamente ao documento Cooke para mencionar que o Príncipe Edwin, personagem de uma lenda maçônica já teria sido referido ali como um “especulativo”. Vejamos o que escreveu Vibert:

“Pode-se aceitar ou negar como fato histórico a presença de Edwin em nossa Ordem, no século X; de qualquer modo, está claro que a prática de admitir na Confraria pessoas não operativas, que sua posição social ou conhecimentos poderiam justificar; estava já em uso no momento da compilação do documento Cooke, isto é, cerca de 1400, senão antes. Pode-se mesmo presumir que a existência de semelhante prática da Maçonaria escocesa faria remontar a instituição a tempos ainda mais antigos, antes mesmo que fossem rompidas as relações íntimas entre os dois países.” (Aslan, pág. 750, 2012)

A ESCÓCIA: OS PRIMEIROS ACEITOS

O primeiro caso de uma aceitação, devidamente comprovado por registros em atas, é o de John Boswell, Lord de Aushinleck, que foi admitido na data de 8 de junho de 1600 na Saint Mary’s Chapell Lodge, situada na cidade de Edimburgo, Escócia.

Também consta que Sir Robert Moray, Tenente-General do exército na Escócia, em 2 de maio de 1641, foi recebido Maçom na Loja de Saint-Mary’s Chapell em Edimburgo. Sir Robert Moray foi um dos fundadores da Royal Society(10).

Há um artigo do Irmão António Rocha Fadista intitulado “As Origens da Maçonaria Especulativa”, cuja bibliografia é toda em língua inglesa, o que significa dizer que ele nos contempla então com informações às quais não temos acesso comumente, portanto, mencionar os resultados das suas pesquisas em tais fontes, se torna até mesmo imprescindível.

Do artigo mencionado, reproduzimos a seguinte passagem com detalhes importantes sobre a história dos Aceitos na Escócia:

“O certo é que os primeiros sinais dos não operativos são todos posteriores ao início do séc. XVII. Na Escócia, em Edimburgo, os primeiros sinais aparecem em 1634. Em Atchison’s Haven, em 1672, 1677 e 1693. Em Kilwinning(11), em 1672 e em Aberdeen, em 1670.”

Por sua vez, o Irmão João Anatalino em seu artigo intitulado “O Primeiro Maçom Especulativo”, escreveu:

“Após a inclusão de Lorde Boswell, o processo de aceitação de Maçons não profissionais se tornaria comum. Logo se espalharia pelos canteiros de obras da Escócia, Inglaterra, Alemanha, França e outros países, de tal maneira que, ao final do século XVI, o número de Maçons aceitos _ então chamados de especulativos _ ultrapassasse, os operativos.”

Como podemos perceber, é no país escocês que temos oficialmente o registro da admissão dos primeiros Maçons Aceitos e o nascimento desse que era um novo costume, pois, além daquele que é considerado o primeiro Aceito, John Boswell, iniciado no ano de 1600, nos dados apresentados pelo Irmão António Fadista e ainda referentes ao século XVI, todos os lugares citados fazem parte da Escócia.

Ainda, à título de ilustração:  de acordo com o Irmão Pedro Juk, em 1670, a Loja de Aberdeen que totalizava o número de 49 membros, tinha entre eles, 39 Aceitos.

A INGLATERRA: A COMPANHIA DOS MAÇONS DE LONDRES E OS PRIMEIROS ACEITOS

Conforme registrou o Irmão Aslan, não se conhece nenhuma menção aos especulativos na Inglaterra antes do ano de 1646, sendo que foi nessa época que Elias Ashmole (antiquário, físico membro da “Royal Society”, rosa-cruz...) e seus contemporâneos aderiram a uma loja Especulativa. (Aslan, pág. 750-751, 2012)

No entanto, se voltarmos ao artigo do Irmão António Rocha Fadista, veremos que ele retroage alguns anos mais em relação ao que acabamos de ler acima:

“Na Inglaterra, já em 1621, os registros comprovam a existência de uma Sociedade de Maçons, em conjunto com a corporação de ofício regular. Esta nova sociedade recebia capitações dos maçons Aceitos, tanto dos construtores de ofício, quanto dos que não tinham nenhuma relação com a profissão.”

Ao que tudo indica ele está se referindo à Companhia dos Maçons de Londres, pois, o ano praticamente coincide com aquele que aparece no verbete Aceitação e que constou no ”Grande Dicionário Enciclopédico...” de Aslan, quando este último fez referência ao orientalista J. Marquès-Rivière. Sobre este último, Marquès-Rivière ele registrou o fato de que lá por volta de 1620, alguns membros da Companhia dos Maçons de Londres já se reuniam com pessoas que eram estranhas à profissão e formavam uma entidade à parte. Aslan, quando transcrevendo Marquès-Rivière no tocante à Aceitação, fez o seguinte comentário:

“Esta Loja chamava-se Aceitação e não era idêntica à Companhia, que incluía apenas Pedreiros profissionais. A Aceitação, como as antigas Brüderschaften, compreendia maçons Especulativos e Maçons Operativos... Muito mais, todos os membros da Companhia não eram obrigatoriamente, membros da Aceitação. (...)

A Aceitação reunia-se na sede da ‘Companhia dos Maçons’, no Mason’s Hall, em Mason’s Alley, situada entre as ruas Basinghall e Coleman, da antiga Londres. E foi lá que Elias Ashmole(12) compareceu pela segunda vez em uma Loja Maçônica, e a última de sua vida em uma Iniciação Maçônica, sendo a primeira a sua própria.

             A respeito desta entidade foi dito que a importância da Aceitação na história da Maçonaria é dupla: 1º porque fornece um indiscutível elo entre Operativos e Especulativos; 2º por dar um exemplo, primitivo, da admissão de Maçons Especulativos. A sua existência é provada e documentada de 1620 a 1678, e a ‘admissão’ de novos membros a que assistiu Ashmole, é de 1682.” (Aslan, págs. 45-46, 2012)

Esta Loja é um verdadeiro marco dentro da história dos Aceitos, já que, comprovadamente aceitava Maçons profissionais e Maçons especulativos.

O Irmão António Rocha Fadista, em seu artigo também se referiu à Companhia dos Maçons Livres da Cidade de Londres:

“Sem dúvida, a Maçonaria moderna muito deve à instituição chamada de Venerável Companhia dos Maçons Livres da Cidade de Londres, como era chamada nos documentos oficiais, a corporação que reunia os que praticavam as artes de construir. Não é sem razão que a instituição atual é a sua sucessora quase sem mudanças, no nome e em muito dos seus princípios de governo. A Maçonaria atual herdou nos nomes dos Oficiais e Dignatários mais importantes, o método de autossustentação financeira, a taxa de admissão e outros usos. A bem da verdade, estes usos eram típicos de todas as corporações medievais. Entretanto, tudo isto não explica por que os não operativos teriam solicitado a sua admissão, especificamente nesta corporação de ofício.”

E mais adiante, outra informação interessante:

“Outro fato significativo é que nos anos 1655/56 a Companhia de ofício decidiu retirar a palavra ‘freemasons’ (Pedreiros Livres) de seu título, passando a chamar-se somente Companhia dos Maçons. Este fato permite supor que a mudança no nome da Companhia de Ofício visava oferecer cobertura a uma nova organização surgida em seu interior.”

CONTINUA NA PROXIMA EDIÇÃO DE O MALHETE

NOTAS:

Royal Society(10): The Royal Society of London for Improving Natural Knowledge, é uma sociedade científica e a academia nacional de ciências do Reino Unido. Entre seus fundadores, alguns eram Maçons, a exemplo de Sir Robert Moray e Sir Christopher Wren. (fonte: wikipedia)

Kilwinning(11): Kilwinning é uma cidade da Escócia, notável por abrigar a Loja original da Maçonaria na Escócia. Quando as Lojas foram renumeradas, Kilwinning foi mantida como Loja Número '0', a Loja Mãe da Escócia. A origem da Loja não é clara, sendo a primeira evidência documental uma menção nos Estatutos Schaw de 1598 e 1599, que a identificam em seu primeiro parágrafo como "heid e secund ludge da Escócia". (fonte: en.wikipedia.org/wiki/Kilwinning)

Elias Ashmole(12) (1617-1694): Elias Ashmole foi outro dos membros fundadores da Royal Society. Misto de homem renascentista e filósofo hermético britânico, foi iniciado na Maçonaria em 16 de outubro de 1646.

 





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