Capítulos da História da Maçonaria Especulativa: A Companhia dos Maçons de Londres (IV)


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Ir.’. José Ronaldo Viega Alves

Uma revisão necessária

Aquela última frase enigmática que constou no trecho transcrito do livro do estudioso Jean Palou deve ainda estar ressoando em nossos ouvidos, “Não é menos verdade que jamais saberemos porque a Maçonaria antiga aceitou profanos no ofício de pedreiro.”, no entanto, o livro em que o historiador fez essa afirmação foi publicado originalmente em 1964 e traduzido para o português em 1965. Ou seja, de lá para cá muita água correu por debaixo da ponte, e muitas outras informações surgidas ao longo desse tempo podem ter alterado aquela opinião. O que nos dá motivos para continuarmos nossa busca e assim podermos formar uma história da Maçonaria Especulativa que seja bastante elucidativa.

Antes de dar continuidade, uma rápida revisão se faz necessária.

Vimos que a Escócia detém o título de haver admitido o primeiro Maçom Aceito, fato devidamente comprovado, onde John Boswell, Lord de Aushinleck, teve seu nome registrado em ata de 8 de junho de 1600, na Saint Mary’s Chapell Lodge, Edimburgo, Escócia.

A partir do século XVII, ainda na Escócia, os não operativos começaram a aparecer em vários lugares, o que fez com que o processo de Aceitação se tornasse comum.

Em outros canteiros de obras, a exemplo da Inglaterra, Alemanha, França, ou mesmo em outros países os Aceitos também foram surgindo e se espalhando.

Conforme o Ir.’. Pedro Juk, para se ter uma ideia, no ano de 1670, a Loja de Aberdeen (Escócia) possuía 49 membros. Destes, os Aceitos perfaziam o número de 39.

Na Inglaterra, foi constatado que havia registros de uma sociedade de Maçons em conjunto com uma corporação de ofício regular, e que, essa nova sociedade já recebia capitações dos Maçons Aceitos.

O Ir.’. Nicola Aslan em seu “Grande Dicionário Enciclopédico...”, citou o escritor e pesquisador Marquès-Rivière, o qual deixara registrado o seguinte: por volta do ano de 1620, alguns membros da Companhia dos Maçons de Londres promoviam reuniões com pessoas estranhas à profissão, chegando a formar uma entidade à parte.

Ao que parece, uma das informações mais relevantes provinda dos registros de Marquès-Rivière era referente ao fato de que o nome dessa Loja era Aceitação e ela diferia da Companhia, pois, a última era constituída somente de pedreiros profissionais. A Aceitação, por sua vez, era composta de Maçons Especulativos e Operativos, porém, nem todos os membros da Companhia faziam parte da Aceitação, já que não havia tal obrigatoriedade.

No capítulo anterior, ainda a respeito da história da Companhia dos Maçons de Londres, não teria como deixar de se reconhecer a importância da Aceitação afim de entendermos a gênese da Maçonaria Especulativa, pois, ela atuou como um elo entre os Operativos e os Especulativos, além de que, sua existência foi provada e documentada.

Um outro fato considerado significativo veio se somar já no final do capítulo anterior: nos anos de 1655/56 a Companhia de ofício fez por retirar a palavra “freemasons” (Pedreiros Livres) de seu título, passando a chamar-se daí em diante Companhia dos Maçons, o que faz supor que objetivava dar cobertura à nova organização surgida em seu seio.

No decorrer deste capítulo voltaremos ainda à Companhia dos Maçons, antes mais um leque de possibilidades abertas por renomados de estudiosos relativas às prováveis origens dos Aceitos.


A MAÇONARIA DOS ACEITOS: MAIS PONTOS DE VISTA ACERCA DAS SUAS ORIGENS

Vejamos o que foi registrado pelo Ir.’. Nicola Aslan, que citou Hope:

“Hope supõe que os primeiros membros desta classe foram eclesiásticos que desejavam estudar para arquitetos e desenhistas, com o objetivo de dirigirem a construção de suas próprias igrejas; tanto mais que a Ordem tinha ‘tão alto e sagrado destino, que estava isenta de toda jurisdição local e civil e gozava da proteção da Igreja’. Logo, quando a Ordem não mais gozava dos favores da Igreja, ingressaram os eruditos, os místicos e os amantes da liberdade.” (Aslan, pág. 296, 2008)

Outra hipótese cogitada é a que se refere sobre uma parcela das pessoas admitidas serem pertencentes à nobreza, o que se traduziria numa relação bastante benéfica, já que haveria, com isso, o necessário poder para interceder e até mesmo facilitar o que poderia ser definido como “trâmites relativos aos negócios da guilda”. 

Vamos considerar o seguinte: tal como em nossos dias atuais, quando pessoas são distinguidas por determinadas instituições em virtude de haver prestado serviços de destaque e decorrente disso, homenageadas com o título de “honorário”, então, os primeiros Maçons Aceitos teriam sido também considerados assim num primeiro momento.

Essa posição foi defendida também pelo historiador Alec Mellor, para quem:

“... a razão reside no ‘honorariato’ que se introduziu nos hábitos ingleses, não somente pelo suplemento de consideração para o membro honorário, mas também por ser uma coisa prática, trazendo ao próprio agrupamento que o outorga a constituição de um capital-influência.”

E Mellor acrescentou bem mais:

“Nos séculos XVI e XVII, a Maçonaria não agiu diferentemente, e conseguiu sobreviver graças a uma espécie de adoção loco fratis criada para o seu uso, recebendo Maçons de honra. Muitos amadores esclarecidos em matéria de arquitetura, cuja admissão não era de maneira nenhuma deslocada. Chamou-se a estes membros de gentleman masons na Escócia e accepted masons na Inglaterra.” (Aslan, págs. 296-297, 2008)

A opinião de Mellor foi fundamentada nos estudos dos historiadores ingleses Knoop e Jones, que haviam dissecado o assunto em sua obra Genesis of Freemasonry.

Por sua vez, o Ir.’. Ambrósio Peters extraiu outras proposições, fruto de pesquisas em algumas publicações estrangeiras antigas, cujo teor, veremos resumidamente.

As guildas medievais não teriam tido o cuidado de adaptar-se às mudanças sociais, o que acabou ocasionando o seu declínio.

O sistema de mútuo socorro e assistência social que fora instituído nas lojas operativas, durante um período da Idade Média, acabou se tornando muito oneroso para os seus membros, pois, consistiu durante o tempo em que vigorou na cobrança de mensalidades e joias para a admissão dos aprendizes e após, já quando companheiros ou mestres, em mais taxas e anuidades. O que tornou difícil, numa época de crise financeira, principalmente para os aprendizes e companheiros, terem de arcar com tais encargos.

Consequentemente, os aprendizes passaram a retardar ao máximo sua elevação para companheiros, visando não assumir o ônus embutido na elevação. Para o problema criado, a correção buscada foi a imposição de multas aos aprendizes, no entanto, isso somente acabou afastando novos aprendizes das guildas, que, já combalidas, viram seus programas assistenciais ameaçados.

Qual a outra solução que se apresentou? Admitir membros não operativos e dos quais seriam cobradas joias e anuidades.

Ainda que essa, talvez, possa não ser também a explicação definitiva, ela mostra a abertura de um tipo de sociedade formada somente de profissionais capacitados para outros membros componentes da sociedade, e levando em consideração a receita daí advinda, isso por si só justificaria plenamente a manutenção de um sistema que tinha como objetivo maior amainar o sofrimento de uma camada da população constituída de pobres e necessitados, num período bastante difícil da Inglaterra, séculos XVI e XVII, onde mais de cinquenta por cento da população dependia dessas associações para não morrer de fome. (Peters, págs. 235-236, 1999)

 


SOBRE A COMPANHIA DOS MAÇONS DE LONDRES E OS PRIMEIROS ACEITOS

Voltando à Companhia dos Maçons de Londres, conforme aventado, o assunto que já estava em vias de ser encerrado, mas, as pesquisas ainda acabaram por reservar algo mais. Eis que descobri um artigo de autoria do Ir.’. Jack Buta, da Grande Loja do Arizona, EUA, intitulado “Os Maçons Esquecidos”, o qual foi publicado no site Pietre-Stones Review of Freemasonry, e que a meu ver traz revelações relevantes sobre a Companhia.

Depois de tecer algumas críticas justificadas sobre o método mais utilizado hoje em dia com relação às pesquisas pelos Maçons em detrimento da leitura e da pesquisa em bibliotecas, e constatar que tudo acaba mesmo sendo resolvido quando sentado em frente ao teclado do computador aciona-se o Google, ele pergunta:

“Por que se importar? Tudo o que você precisa saber sobre tudo já foi escrito, publicado, convertido para formato PDF e carregado na Internet, pronto para que todos possam baixar em seus laptops.”

O autor ainda fala sobre o “recortar e colar”, sobre citar referências ou códigos de arquivos enigmáticos encontrados na internet, sem qualquer preocupação com a checagem das fontes, e arremata assim:

“Tudo isso é muito bom, até você decidir verificar essas fontes.”

Os porquês disso tudo logo vem à luz: o Ir.’. Jack quer deixar claro que mesmo autores considerados sérios se enganam, além de que, trabalhos de autores respeitados dificilmente são questionados.

Esse arrazoado do Ir.’. Jack, foi construído em função de um erro que ele detectou no trabalho do historiador Robert Freke Gould(13), que, por mais de cem anos se considerou algo como padrão-ouro para as pesquisas maçônicas. Conforme o Ir.’. Jack, o erro com que ele havia se deparado era capaz de alterar alguns dos entendimentos mais básicos sobre os primeiros Maçons, operativos ou especulativos, assim como, quando foi que isso ocorreu e qual a documentação que serviu de prova. Então, como ficar impassível ante aquele tipo de achado?

O Ir.’. Jack fez questão em relatar que, depois de decidir escrever sobre o assunto, tinha que deixar bem explicitado: o seu objetivo nunca foi o de desafiar ou refutar o trabalho daquele Mestre, mas, o de tornar conhecidos os nomes e as vidas de seis Maçons não-operativos que exerceram seus ofícios durante várias décadas, sendo até antecessores de Elias Ashmole que foi iniciado em 1646, ou seja, seu objetivo foi o de ajudar no sentido de fazer com que aqueles Maçons fossem reconhecidos como os seis primeiros Maçons especulativos registrados.

Vamos tentar resumir o que o Ir.’. Jack Buta apresentou em seu artigo, o que está diretamente relacionado com a história da Companhia dos Maçons de Londres e as origens da Maçonaria Especulativa.

Tudo teria começado quando o Ir.’. Jacke ele fez algumas citações sobre as pesquisas de Gould num artigo que escreveu com o título de On the Level (trad. No Nível). A citação era a seguinte:

“Sete pessoas foram recebidas na ‘aceitação’, (ou seja, a Aceitação) ou Loja em 1620-21, todas as quais já eram membros da companhia...”.

Então, em razão desta citação provinda de Gould, o Ir.’. Jim May, Grão-Mestre distrital do Arizona, ao ler o artigo, resolveu perguntar ao Ir.’. Jack Buta se ele saberia quais os nomes dos sete homens e se haveria algo de significativo com relação a aqueles sete homens citados por Robert Freke Gould em seu livro História Concisa da Maçonaria.  

Coincidentemente, o Ir.’. Jack Buta havia recebido uma cópia solicitada do livro de Edward Conder (outro grande pesquisador, que infelizmente não foi possível localizar sua biografia, nem em livros, nem na Internet) cujo título era Records of the Hole Craft and Fellowship of Masons (Registros do Hole Craft e da Irmandade dos Maçons), livro este que Gould havia usado como fonte de informações.  

A grande surpresa veio quando o Ir.’. Jack resolveu fazer uma comparação entre o que Conder e Gould haviam escrito, pois, o que saltava aos olhos é que eles não chegaram perto de concordarem.

Conder afirmara em seu livro que nos anos 1620-21, antes de qualquer menção ser feita à sociedade por autores do século XVII, já havia inscritos nos primeiros anos que constavam no livro de contas (documento mais antigo da guilda, ainda remanescente), pois, apareciam lançamentos relativos aos pagamentos que foram feitos pelos novos membros quando se tornaram Maçons, e que, certamente denotava ter sido feita uma cerimônia antiga, a qual que teria sobrevivido ao período conturbado da Reforma.

Aconteceu que, Gould falou sobre estes mesmos homens como já pertencentes à empresa e que após teriam sido recebidos na Aceitação, ou Loja, porém os registros de Conder afirmam exatamente o contrário. Esses homens foram primeiramente aceitos e, depois feitos Maçons.

 O termo “aceito” teria sido utilizado raramente nas 500 páginas do livro contábil sobrevivente, livro que foi fornecido a Conder pela Companhia dos Maçons e onde ele se debruçou para pesquisar sobre os registros dos anos 1620-21. Quando o termo foi utilizado era para descrever aquele que é admitido na empresa ao aceitar a Maçonaria. Na verdade, eles não tinham servido como aprendizes, porque se assim tivesse ocorrido, não haveria razão em aceitar a Maçonaria para poder ingressar na empresa.

Conder declarou o seguinte, na pág. 9 do seu livro, conforme o Ir.’. Jack:

“Isto não podemos dizer com certeza, mas podemos dizer que já em 1620 e inferencialmente muito antes, havia certos membros da Companhia dos Maçons e outros que se reuniam de tempos em tempos para formar uma Loja para os propósitos da Maçonaria Especulativa; e este relato fornecido pelos registros da Masons Company a respeito de seus ‘membros aceitos’ é, sem dúvida, a MAIS ANTIGA EVIDÊNCIA AUTÊNTICA da Maçonaria do século XVII na Inglaterra. Contrariamente à afirmação de Gould, a única ocorrência nos registros da Masons Company da palavra ‘aceitação’ é encontrada numa entrada de 1648 feita a respeito de um Diretor pagando por ‘vir na Aceitação’. Em 1648 já havia evidências separadas de pelo menos duas outras lojas, uma em Chester e outra em Warrington, sendo dirigidas por Maçons Especulativos.”

Ficou comprovado também, através das pesquisas do ir.’. Jack, que na verdade eram seis homens e não sete como havia dito Gould. Eles não eram maçons operativos e foram admitidos pagando cada um deles uma enorme quantia, bem diferente daqueles que ingressavam como Aprendizes, pois, o ingresso destes últimos viria a ocorrer num processo normal anos depois, quando findassem seu aprendizado. Além do mais, ficava explícito através daqueles registros que já existia uma taxa definida para o ingresso pela aceitação, o que faz supor também ainda que a prática era até anterior ao ano de 1620.

E quanto aos nomes dos seis homens? Conforme os registros, eles foram assim identificados: Evan Lloyd, James French, Timothy Townsend, John Hince e John Kiffor. Mas, ainda faltava responder à seguinte pergunta: Por que seis cavalheiros abastados pagariam tanto para se juntarem à Venerável Companhia dos Maçons?

O Ir.’. Jack dá prosseguimento com uma descrição sobre a origem de cada um desses homens, o que para o nosso trabalho não vem bem ao caso. Mas, é importante salientar: todos eles eram provenientes de famílias que se estabeleceram há muito tempo em vários condados, eles não faziam parte da nobreza e eram todos eles, abastados.

Qual a razão convincente adotada para esses homens pagarem tão caro para se juntar à Companhia?

Será que a resposta tem tudo a ver com o ambiente político e social da Europa ocidental no início dos anos 1600?

 

CONTINUA...

 

NOTAS:

Robert Freke Gould(13): (1836-1915) Robert Freke Gould foi um soldado, advogado e proeminente maçom e historiador maçônico. Autor do livro História da Maçonaria, que continua até hoje obra de referência sobre o assunto. (Fonte: wikipedia/inglês)

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