Por Miguel Baron
“Os mitos são para a religião o que a poesia é
para a verdade: máscaras ridículas colocadas na paixão de viver.” — Albert
Camus, O Deserto, Casamento (1938)
Um Convite ao Risco e à Reflexão
Navegar pelas águas do VITRIOL é um convite a
viver perigosamente. Como um navio alquímico, ele desafia a razão e convida à
introspecção profunda, mas também ao risco de naufrágio nas rochas da
imaginação descontrolada. Nessa jornada, a tentação de cair em especulações
mágicas ou interpretações literais é constante, embora a verdadeira essência
dessa fórmula esteja mais próxima de uma orientação psicofilosófica do que de
uma prática mística.
Assim como os poetas declaram estar “viajando”,
o VITRIOL nos confronta com os “tolos da casa” — nossos preconceitos e
limitações —, enquanto desafia a ideia de que nosso chumbo interno pode, por
algum passe de mágica, transformar-se em ouro.
Kant nos lembra da importância da liberdade de
pensamento: “Não há perigo em permitir que os indivíduos usem sua razão em
público e apresentem ideias para uma legislação melhor”. Essa liberdade é
essencial na prática inicial do VITRIOL: libertar a consciência de preconceitos
e convenções. Como Sêneca diz em Elogio à Ociosidade: “A mente precisa ser
desenrolada e sacudida de vez em quando para que esteja pronta quando a
necessidade o exigir.”
O Significado do VITRIOL
O VITRIOL, enquanto inscrição na sala de
reflexão, anuncia um renascimento simbólico. Esse “segundo nascimento”,
simbolicamente apropriado pelos homens na iniciação, reflete um desejo de
transcendência criativa que, de certa forma, ultrapassa a própria maternidade
natural.
A fórmula “Visita o interior da Terra e, ao
retificar, encontrarás a pedra escondida” é um convite à introspecção. No
entanto, ela também causa inquietação: ao mesmo tempo em que simboliza a luz e
a verdade, nos lembra da fragilidade e do desconforto de romper com o bem-estar
simbólico do estado “amniótico”.
Essa jornada é perturbadora, especialmente
porque a palavra “vitríolo” evoca imagens de destruição — o ácido que desfigura
e transforma. É um lembrete de que o processo de renascimento simbólico exige
uma confrontação com o desconhecido e uma ruptura com a ilusão de segurança.
Emmanuel Levinas nos desafia a olhar para o rosto do outro, mas na iniciação, o
rosto está ausente. O desafio não é encontrar segurança no exterior, mas sim
descer ao próprio interior para realizar a limpeza “alquímica”.
Purificação e Contradição
A purificação pessoal, representada pelo
VITRIOL, está enraizada na distinção entre o que vem do superego — a voz dos
outros — e o que vem do nosso desejo autêntico. Esse conflito surge como uma
tensão entre a autoridade interna e externa, trazendo à tona feridas infantis
mal curadas.
Para sermos amados, muitas vezes internalizamos
os desejos dos outros como se fossem nossos, afastando-nos de nossa própria
autenticidade. Esse processo de reconstrução envolve o rompimento com o “nome
do pai” para abraçar o “não-pai”, ou seja, a liberdade de ser e desejar por
conta própria.
O VITRIOL, nesse sentido, é uma busca pela
unidade perdida, semelhante à metafísica da “henologia” de Plotino, onde a
unidade suprema transcende toda divisão. No entanto, essa busca é também
marcada pelo fracasso: a cisão permanece, e a unidade é sempre um ideal
inalcançável. Mesmo na dialética, tese e antítese nunca encontram uma síntese
definitiva. Assim, o homem permanece em busca do “Grande Unificador”.
A Jornada Maçônica como Busca pela
Unidade
Ingressar na Maçonaria é abraçar a falta — a
consciência de que a unidade perfeita nunca será encontrada. Ela oferece uma
nova família simbólica, mas também traz de volta o conflito entre a necessidade
de pertencer e o desejo de autonomia.
Se permanecermos presos ao desejo de
conformidade, sacrificamos nossa individualidade; se, por outro lado,
rejeitarmos as expectativas externas, criamos distância e possível isolamento.
Essa tensão constante entre livre-arbítrio e predestinação desafia cada
indivíduo a encontrar seu equilíbrio.
O Simbólico como Ponte
O simbolismo do VITRIOL oferece uma ponte entre
o estrangulamento das expectativas externas e a liberdade de um caminho
autêntico. Como sugeriu o poeta indiano Kabir: “Caminhe sobre a montanha de
seus pensamentos e coloque o pé no estribo do absoluto.”
O VITRIOL não promete uma unidade primordial ou
a dissolução de todas as contradições. Em vez disso, ele nos desafia a
gerenciar a “obra negra” — os conflitos internos — e a abraçar a jornada de
autotransformação como um processo interminável. A verdadeira alquimia está em
aceitar a tensão e aprender a viver com ela.
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