"Uma pessoa
ruim nunca será um profissional de excelência", afirmou Howard Gardner,
pai das inteligências múltiplas.
Depois de me prestar
ao Louco e à sua ilustração, encerrada na carta 00 do tarot—sutilmente evocada
no primeiro parágrafo do texto anterior—vejo-me agora incumbido de retornar ao
cume do monte, às cavernas onde repousam a estranheza e a contemplação. Ali, o
eco das preces se harmoniza com o extremo silêncio, e é nesse silêncio que se
manifesta o equilíbrio para a nova etapa—o exílio necessário.
Não se assuste, não
se trata de um devaneio esotérico ou de uma incursão por territórios alheios à
nossa reflexão. A figura ilustrada representa o arquétipo do princípio da ação
e da liberdade inovadora, desprovida de um oriente fixo. A Loucura é a única
que compreende o primeiro passo; no entanto, é na eterna vigilância que
encontramos a verdadeira liberdade e, nela, a essência que assegura a criação e
o solo palpável.
Por que falaríamos
por meio de imagens se não considerássemos que toda reflexão é, em si, um
esforço para criar representações mentais? Imagens que traduzem ideias e que,
por sua vez, constroem uma narrativa: do Louco desprendido ao Sábio
interiorizado em seu próprio universo.
É justamente nesse
contexto imagético que procuro, junto de vocês, elucidar a potência do hábito e
sua relação com a virtude.
No segundo livro de
sua obra magna, Ética a Nicômaco, Aristóteles aprofunda sua investigação sobre
a natureza da virtude—conceito central de sua filosofia moral. Ele inicia
distinguindo vícios e virtudes: os primeiros, por excesso ou falta, são sempre
danosos; a segunda é o justo meio-termo, já tratado no primeiro texto.
Retornamos, assim, à
condição da virtude, que é uma disposição de caráter que nos permite escolher o
melhor caminho, guiados pela razão e em busca da felicidade. Não se trata de
algo inato, mas de uma capacidade que se desenvolve com a prática e o hábito.
Aristóteles distingue ainda as virtudes dianoéticas (intelectuais), cultivadas
pela educação e pelo uso da razão, e as virtudes éticas (morais), desenvolvidas
pela repetição de atos virtuosos.
O filósofo nos
convida a refletir sobre nossos valores e a buscar o aprimoramento moral por
meio do exercício da razão e da prática do bem. Em suma, o Livro II da Ética a
Nicômaco é um guia essencial para a compreensão da ética aristotélica, que nos
direciona à virtude como caminho para uma vida plena e significativa.
Reforço, portanto, a
importância de revisitar a imagem do cume do monte, como o fez Zaratustra de
Nietzsche. Essa imagem simboliza a busca por alturas elevadas e a necessidade
de encontrá-las também dentro de nós.
O Princípio da
Correspondência ressoa aqui: "O que está em cima é como o que está
embaixo."
Essa síntese nos
convida a olhar atentamente para o oriente que seguimos, valorizando tanto a
grandeza quanto a singeleza das coisas, com um olhar vigilante—sem jamais
perder a condição do Louco, aquele que ousa dar o primeiro passo.
Adentramos agora a
senda da ética, e devemos acompanhá-la com a seriedade e a sensibilidade que
merece. O hábito sustenta nossas decisões e ações, sendo intrínseco à qualidade
ética e moral.
Somos um conjunto de
regras que nos conduzem à ordem, e as lições aqui propostas nos levam a
enxergar o aprendizado de Nicômaco como um caminho a ser observado e
assimilado, para que possamos fortalecer nossos atributos e enfrentar a
aviltada realidade social.
Porém, não
confundamos a virtude resultante do hábito com um fim em si mesma, pois sua
repetição mecânica pode nos levar ao automatismo. O cerne desta reflexão é nos
inclinar à construção de uma ética sólida, que sirva de base para todas as
nossas ações.
Que o princípio
moral seja o alicerce de nossas virtudes e que estas se manifestem
plenamente—seja no trabalho, no lar ou em qualquer esfera de convívio.
Jacaraípe, 31 de
Janeiro de 2025
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