A Inclinação de Nicômaco - II


Por Hilquias Scardua

"Uma pessoa ruim nunca será um profissional de excelência", afirmou Howard Gardner, pai das inteligências múltiplas.

Depois de me prestar ao Louco e à sua ilustração, encerrada na carta 00 do tarot—sutilmente evocada no primeiro parágrafo do texto anterior—vejo-me agora incumbido de retornar ao cume do monte, às cavernas onde repousam a estranheza e a contemplação. Ali, o eco das preces se harmoniza com o extremo silêncio, e é nesse silêncio que se manifesta o equilíbrio para a nova etapa—o exílio necessário.

Não se assuste, não se trata de um devaneio esotérico ou de uma incursão por territórios alheios à nossa reflexão. A figura ilustrada representa o arquétipo do princípio da ação e da liberdade inovadora, desprovida de um oriente fixo. A Loucura é a única que compreende o primeiro passo; no entanto, é na eterna vigilância que encontramos a verdadeira liberdade e, nela, a essência que assegura a criação e o solo palpável.

Por que falaríamos por meio de imagens se não considerássemos que toda reflexão é, em si, um esforço para criar representações mentais? Imagens que traduzem ideias e que, por sua vez, constroem uma narrativa: do Louco desprendido ao Sábio interiorizado em seu próprio universo.

É justamente nesse contexto imagético que procuro, junto de vocês, elucidar a potência do hábito e sua relação com a virtude.

No segundo livro de sua obra magna, Ética a Nicômaco, Aristóteles aprofunda sua investigação sobre a natureza da virtude—conceito central de sua filosofia moral. Ele inicia distinguindo vícios e virtudes: os primeiros, por excesso ou falta, são sempre danosos; a segunda é o justo meio-termo, já tratado no primeiro texto.

Retornamos, assim, à condição da virtude, que é uma disposição de caráter que nos permite escolher o melhor caminho, guiados pela razão e em busca da felicidade. Não se trata de algo inato, mas de uma capacidade que se desenvolve com a prática e o hábito. Aristóteles distingue ainda as virtudes dianoéticas (intelectuais), cultivadas pela educação e pelo uso da razão, e as virtudes éticas (morais), desenvolvidas pela repetição de atos virtuosos.

O filósofo nos convida a refletir sobre nossos valores e a buscar o aprimoramento moral por meio do exercício da razão e da prática do bem. Em suma, o Livro II da Ética a Nicômaco é um guia essencial para a compreensão da ética aristotélica, que nos direciona à virtude como caminho para uma vida plena e significativa.

Reforço, portanto, a importância de revisitar a imagem do cume do monte, como o fez Zaratustra de Nietzsche. Essa imagem simboliza a busca por alturas elevadas e a necessidade de encontrá-las também dentro de nós.

O Princípio da Correspondência ressoa aqui: "O que está em cima é como o que está embaixo."

Essa síntese nos convida a olhar atentamente para o oriente que seguimos, valorizando tanto a grandeza quanto a singeleza das coisas, com um olhar vigilante—sem jamais perder a condição do Louco, aquele que ousa dar o primeiro passo.

Adentramos agora a senda da ética, e devemos acompanhá-la com a seriedade e a sensibilidade que merece. O hábito sustenta nossas decisões e ações, sendo intrínseco à qualidade ética e moral.

Somos um conjunto de regras que nos conduzem à ordem, e as lições aqui propostas nos levam a enxergar o aprendizado de Nicômaco como um caminho a ser observado e assimilado, para que possamos fortalecer nossos atributos e enfrentar a aviltada realidade social.

Porém, não confundamos a virtude resultante do hábito com um fim em si mesma, pois sua repetição mecânica pode nos levar ao automatismo. O cerne desta reflexão é nos inclinar à construção de uma ética sólida, que sirva de base para todas as nossas ações.

Que o princípio moral seja o alicerce de nossas virtudes e que estas se manifestem plenamente—seja no trabalho, no lar ou em qualquer esfera de convívio.

Jacaraípe, 31 de Janeiro de 2025

 

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