A Maçonaria sempre despertou sentimentos intensos, seja entre aqueles que a cultivam ou entre os que a rejeitam. Para seus adeptos, ela representa uma escola de aperfeiçoamento moral e espiritual, um espaço de construção do caráter e da fraternidade. Para seus opositores, carrega um manto de mistério e influência que alimenta as mais diversas teorias conspiratórias. No entanto, independentemente da posição que se adote, há um consenso: a Maçonaria transcende seu dia a dia e projeta uma aura que supera sua realidade institucional.
A Percepção Maçônica: Entre o Prestígio e a Conspiração
O papel que a Maçonaria desempenhou ao longo da história consolidou sua
reputação como uma organização influente. Sua presença em momentos marcantes da
humanidade, como a Revolução Americana e a Revolução Francesa, gerou admiração
e, ao mesmo tempo, desconfiança. Seus membros notáveis, desde líderes políticos
a pensadores e cientistas, reforçaram essa percepção. Assim, para seus
defensores, a Maçonaria é um bastião do progresso e da liberdade. Para seus
detratores, uma organização com intenções ocultas e desígnios insondáveis.
Entretanto, quando se analisa objetivamente sua estrutura e
funcionamento, percebe-se que o objetivo primordial da Maçonaria – o
aperfeiçoamento moral e espiritual de seus membros – parece modesto em
comparação à sua suposta influência global. Afinal, seria ela uma entidade
capaz de reger os destinos da humanidade, como sugerem tantas teorias
conspiratórias? Ou, ao contrário, trata-se de uma fraternidade cujos
ensinamentos visam transformar o homem, permitindo que este, por sua conduta,
contribua para o aperfeiçoamento da sociedade? A resposta parece estar em algum
ponto intermediário.
A Maçonaria e os Três Planos: Histórico, Lendário e Mítico
Parte dessa dualidade na percepção da Maçonaria decorre do fato de que
sua identidade resulta da convergência de três planos distintos: o histórico, o
lendário e o mítico. Esses três elementos, que em princípio pareceriam
contraditórios, coexistem dentro da Tradição Maçônica, conferindo-lhe uma
riqueza e profundidade singulares.
O Plano Histórico ou Real
No âmbito da história documentada, a Maçonaria tem suas origens nas
corporações de pedreiros medievais, especialmente na Grã-Bretanha. Essas
guildas de construtores possuíam regras e rituais que serviam tanto para
organizar a profissão quanto para transmitir conhecimentos técnicos e morais.
Com a transição para a Maçonaria especulativa, no século XVII, esses grupos
passaram a aceitar membros não-operativos, transformando-se em uma sociedade
filosófica e iniciática. É nesse plano que encontramos os registros das
Constituições de Anderson (1723), a fundação da Grande Loja de Londres e a
proliferação de lojas maçônicas pelo mundo.
O Plano Lendário ou Surreal
A tradição oral da Maçonaria contribuiu para a criação de um plano
lendário, que remonta suas origens à construção do Templo de Salomão. A figura
de Hiram Abiff, o mestre arquiteto do templo, tornou-se um símbolo da busca
pelo conhecimento e do sacrifício pelo dever. Nesse nível, a Maçonaria
conecta-se a um passado grandioso, estabelecendo uma linha de continuidade
entre os antigos construtores e os modernos iniciados. Esse plano, embora não
tenha comprovação histórica, serve como uma base simbólica para os ensinamentos
maçônicos.
O Plano Mítico ou Imaginário.
A Maçonaria também se insere no plano mítico, onde as mais variadas e
fantásticas teorias sobre sua origem são formuladas. Alguns a vinculam aos
Cavaleiros Templários, sustentando que os sobreviventes da perseguição a essa
ordem secreta teriam encontrado refúgio nas guildas de construtores. Outros
buscam suas raízes nos mistérios egípcios, no culto mitraico ou nas tradições
druidas. Embora tais hipóteses não resistam a uma análise rigorosa, elas
alimentam o imaginário popular e reforçam a aura de mistério que envolve a
Maçonaria.
A Importância da Confluência dos Três Planos
Longe de ser uma fraqueza ou um equívoco, essa mistura entre história,
lenda e mito confere à Maçonaria uma riqueza singular. Ela permite que seus
membros e observadores se relacionem com a instituição em diferentes níveis,
contemplando-a tanto sob a perspectiva racional quanto sob a ótica do
imaginário simbólico.
A razão é um atributo fundamental do ser humano, mas não é o único. A
imaginação, o instinto e a emoção são igualmente essenciais para o
desenvolvimento individual e coletivo. Se a Maçonaria fosse apenas uma entidade
racional, pautada exclusivamente pela lógica e pelos fatos históricos, perderia
grande parte de sua atração e capacidade de inspirar. Por outro lado, se fosse
puramente mitológica, cairia no campo das fantasias e perderia sua
credibilidade. A fusão dos três planos permite que a Maçonaria seja, simultaneamente,
uma organização real, um espaço de construção de narrativas e um campo de
inspiração para aqueles que buscam algo além da materialidade.
Conclusão: O Papel da Maçonaria no Mundo Contemporâneo
A Maçonaria continua sendo um ponto de interseção entre a razão e o
mistério, entre o real e o simbólico. A forma como é percebida, seja como uma
organização de valor ou como um grupo conspiratório, reflete mais sobre os
anseios e temores da sociedade do que sobre sua verdadeira natureza. Seu
propósito fundamental permanece inalterado: formar homens melhores, que, por
sua vez, contribuirão para a construção de uma sociedade mais justa e
iluminada.
A grande questão que permanece é: a Maçonaria deseja exercer influência
ativa no destino do mundo ou sua contribuição se dá por meio da transformação
de seus membros? A resposta, talvez, resida na essência da própria instituição
– um espaço onde razão, sonho e mito convergem, criando um mosaico de
possibilidades que desafia definições simplistas. O que é certo é que a
Maçonaria, seja amada ou temida, continua a inspirar e a provocar reflexões,
perpetuando sua tradição como uma das mais enigmáticas e fascinantes
instituições da humanidade.
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