Capítulos da História da Maçonaria Especulativa: A Maçonaria na Escócia e os Estatutos Schaw (V)


Por Ir.’. José Ronaldo Viega Alves

Ao final do último capítulo, foram deixadas no ar duas perguntas. A pretensão era induzir o leitor a buscar mais leituras afins e assim já ir criando condições para entender melhor aquele contexto histórico. Para dar conta dessa que é uma grande incógnita ainda, e aqui nos referindo especificamente a admissão dos Maçons que ficaram conhecidos como “Aceitos”, em primeiro lugar deve ser considerada a hipótese de que a resposta definitiva não venha à luz jamais, até porque, se naquela época muito do que era tratado em ambiente maçônico não era registrado e era tratado como segredo, isso faz pensar que muita coisa se perdeu para nunca mais. E quando a pesquisa é direcionada para a história da Maçonaria, abundam conjeturas, hipóteses, probabilidades...

Foram postas em questão: que tipos de argumentos poderiam ter sido aqueles utilizados de maneira tão convincente aos ouvidos desses homens, a ponto de fazer com que eles decidissem pagar uma taxa relativamente cara com a finalidade de ingressarem na Companhia dos Maçons de Londres? Os acontecimentos nesse sentido, causadores de mudanças radicais na Maçonaria Operativa teriam sido deflagrados em função do ambiente político e social da Europa ocidental nos albores dos anos 1600?

Evidentemente, não possuímos ainda dados suficientes para ensaiar as respostas mais condizentes com a verdade, em virtude de algumas das razões que acabamos de ver expostas logo acima.   

Dando continuidade então à esta série de artigos que tem o objetivo de proporcionar uma visão geral da história da Maçonaria Especulativa, antes de analisarmos melhor o que estava acontecendo na Inglaterra e no seu entorno, quando começavam a ser feitos os primeiros movimentos, movimentos que redundaram em transformações e culminaram um século depois na criação da Maçonaria Especulativa ou Moderna, é importante conhecermos um personagem que despontou já quase ao final do século XVI: William Schaw, o qual deu seu nome aos “Estatutos de Schaw”, sendo que, este últimos são documentos de extrema importância para a história da Maçonaria Especulativa.

QUEM FOI WILLIAM SCHAW?

William Shaw (1550-1602) foi Mestre de Obras do rei Jaime VI da Escócia, e era o responsável pela construção de castelos e palácios. Ele é considerado um dos Maçons mais importantes no desenvolvimento da Maçonaria escocesa.

No dia 28 de dezembro de 1598, William Shaw publicou o primeiro dos seus Estatutos, o qual deveria ser observado pelos Maçons e Lojas que faziam parte do reino, sendo que, em seguida foi aprovado em assembleia.

No ano seguinte, 1599, foi a vez do Segundo dos Estatutos de Schaw. O que Schaw fez na verdade, foi criar o sistema de Lojas modernas e o fez com Lojas que já existiam desde bem antes. Elas foram sendo ajustadas aos seus Estatutos. Em nenhum momento anterior, fosse na Escócia ou Inglaterra, existira esse tipo de sistema, muito menos um estatuto jurídico e uma personalidade moral. A Maçonaria escocesa homenageou este que foi o Maçom  William Schaw com o título de “Pai da Maçonaria Moderna”.

COMENTÁRIOS:

Para quem está acompanhando esta série, é possível que lembre do seguinte trecho mencionado na Parte I, intitulada Prolegômenos:

“(...) também cuidando para que este mesmo leitor possa tomar conhecimento acerca das questões relevantes que vem sendo levantadas nos últimos anos, seja em torno dos verdadeiros motivos que levaram à criação da Grande Loja, seja da história da Maçonaria na Escócia, onde teve origem os Estatutos de Schaw, publicados em 1598, e que podem ter marcado sim, o início da Maçonaria Especulativa. E claro, muitas outras abordagens que deverão complementar aquilo que já sabíamos em parte.” (Alves, 2024, pág. 4, Parte I)

Na opinião do grande estudioso da Maçonaria Dr. David Stevenson “não dá mais para não levar em consideração o papel relevante da Escócia, mesmo sabendo que um pioneirismo inglês é o que tem prevalecido nos livros...”.

Com respeito ao “papel relevante da Escócia” até bem pouco tempo na literatura maçônica disponível aqui nos trópicos, podemos dizer que era “irrelevante”, como se pode comprovar quando efetuamos pesquisas nesse sentido. Mesmo para encontrar nos livros e enciclopédias maçônicas que foram publicados não faz tanto tempo assim, para alguns verbetes não existem referências ou, quando muito são dispensadas uma linha ou duas. Por exemplo, se buscamos o verbete referente ao nome William Schaw, ou então aos Estatutos de Schaw, a probabilidade de encontrá-los é quase zero.

Então, antes de prosseguir, façamos a pergunta: Será pelo fato de que Schaw era escocês, e por esse motivo ser tão pouco mencionado? Na sequência, o leitor logo entenderá o porquê desta pergunta ser pertinente.

É ponto pacífico: os ingleses são detentores dos documentos mais antigos da Maçonaria Operativa (Old Charges). E antes de que alguém já esteja pensando em sua memória: não iremos entrar aqui na discussão a respeito da Carta de Bolonha(17).

Mas, há que se reconhecer, que alguns dos documentos que vão abastecer a Maçonaria com bases estruturais são os documentos que comprovadamente tem sua origem na Escócia, os quais receberam o nome de Estatutos de Schaw, e que foram publicados nos anos de 1598 e 1599. 

De acordo com o historiador escocês, Dr. David Stevenson, em seu artigo intitulado Quatrocentos anos de Maçonaria na Escócia, ele se refere à Escócia como o país que é possuidor de Lojas maçônicas e registros que podem ser considerados os mais antigos do mundo.

Utilizemo-nos de um outro trecho do artigo desse renomado pesquisador e estudioso da Maçonaria, agora emitindo sua opinião sobre a história da Maçonaria num sentido mais amplo:

“A Maçonaria é geralmente negligenciada pelos historiadores sociais e culturais, em parte pode ser por ignorância e estereótipos negativos do movimento e, em parte, pelo sigilo excessivo dos maçons no passado. O objetivo deste artigo é examinar o desenvolvimento do movimento e indicar os muitos aspectos da ‘Arte’ que podem ser um assunto rico para pesquisa.”  

Ainda bem que em tempos mais recentes tem surgido estudiosos que publicaram livros, frutos das suas pesquisas, e que tem se mostrado empenhados em esclarecer ao máximo essa que é a história da Maçonaria. Não custa citar aqui também, a título de exemplo, o nosso Ir.’. João Guilherme, autor dos livros “Fios da Meada”, em seus dois volumes. Livros que obrigatoriamente deveriam ser lidos por todos os Maçons, ou pelo menos os Maçons que são adeptos do REAA, e ainda: deveriam ser lidos, relidos e estudados por todos aqueles que são buscadores da verdadeira história da Maçonaria, isenta de “achismos” e teorias fantasiosas.

No volume I, em seu capítulo I, com o subtítulo “Uma meada com muitas pontas” veremos que o tema ali desenvolvido guarda uma proximidade em seus primeiros parágrafos com aquilo que estamos tratando aqui. Não poderia deixar, então, de transcrever algumas passagens relativas ao mesmo, para que o leitor tenha a oportunidade de sentir o mesmo prazer que senti ante uma leitura tão iluminadora: 

“O primeiro registro conhecido de um não Maçom a ser aceito em Loja de pedreiros operativos é o de John Boswell, Senhor de Auchinleck, na Lodge of Edinburgh, Escócia, em 8 de junho de 1600. Isto é fato aceito. Já a iniciação do rei James VI da Escócia, que teria acontecido na Lodge of Scoon and Perth, desperta a fúria tanto dos historiadores maçônicos ortodoxos quando dos fundamentalistas religiosos. Para os fanáticos religiosos, mesmo em pleno século XXI, Maçonaria é obra do demônio. Assim sendo, na cabeça dos fundamentalistas, soa como blasfêmia que um Maçom tenha incentivado e patrocinado a versão mais lida da Bíblia de todos os tempos, a famosa King James Bible, não é? O fato também tira os historiadores ortodoxos de sua zona de conforto. Eles têm defendido, com unhas e dentes, a absoluta primazia da Primeira Grande loja de 1717. O problema é que o rei escocês reinou também sobre a Inglaterra como James I. E no mais antigo documento da Loja, chamado O Acordo Mútuo, de 24 de dezembro de 1658, está registrado que ‘o rei, de acordo com o seu próprio desejo, foi feito Maçom e Companheiro da Lodge of Sconne em 15 de abril de 1601’. Quem fez o registro foi o então Royal Master Mason to the Crown of Scotland (Real mestre Maçom da Coroa da Escócia) John Mylne filho, que sucedera o pai no mesmo cargo. Será que John Mylne pai teria motivos para registrar uma mentira envolvendo a pessoa de seu próprio Rei? Sob o mesmo James VI, em 1598 e 1599, William Schaw, seu Master of Works, isto é Mestre de obras, não promulgaria os famosos Estatutos para os maçons do reino? Ainda assim, os historiadores ligados à Quatour Coronati, a famosa primeira Loja de Pesquisas, afirmam que a história é apócrifa! Dá para imaginar como a briga é acirrada?” (Cruz Ribeiro, 2017, pág. 23)

Após a leitura do texto acima, ficarmos sabendo que o rei James VI da Escócia, o qual também foi concomitantemente o rei James James I da Inglaterra, chegou a ser iniciado  Maçom e que o seu Mestre de Obras foi quem criou o documento que leva o seu nome “Estatuto de Schaw”, ou o documento que dotou a Maçonaria Especulativa de uma base estrutural, é imperativo que conheçamos seu conteúdo, ainda que resumido.

O Primeiro dos Estatutos de Shaw

O Ir.'. Nicola Aslan, em seu artigo intitulado “Os Estatutos Schaw”, descreveu a importância desse Estatutos da seguinte forma:

“Os Estatutos Schaw eram considerados na Escócia com a mesma veneração que os ingleses demonstravam às suas Old Charges. Cada Loja escocesa possuía uma cópia desses estatutos que lhe serviam de referência e constituíam a autoridade sob a qual eram controlados os membros operativos.”

Há uma tradução belíssima do Ir.’. J. Filardo intitulada “O Primeiro Estatuto de Schaw”, onde é possível conhecermos seus 22 itens. O leitor interessado em mais detalhes, encontrá-lo-á facilmente no site “Bibliot3ca.com”.

Por uma questão até de preferência, fiquei tentado em transcrever o texto acima na íntegra, mas, por questões de espaço,  tive de optar pela síntese de autoria de Bernard E. Jones que o Ir.’. Nicola Aslan reproduziu em seu artigo citado logo acima.

Vejamos o Estatuto então, de uma maneira sintetizada:

_ Ordena-se aos Irmãos que observem as ordenações e sejam leais para com os outros, obedientes aos Vigilantes, Diáconos e Mestres, sendo honestos, diligentes e retos;

_ Ninguém poderá tomar a seu cargo um trabalho a menos que possa completá-lo satisfatoriamente, e nenhum Mestre poderá suplantar outro, ou aceitar um trabalho incompleto, sem que o primeiro Mestre seja devidamente satisfeito.;

_ Será feita anualmente a eleição de um Vigilante(1)

_ Nenhum Mestre poderá ter mais de três Aprendizes no decorrer de sua vida e o Aprendiz não lhe deverá ser confiado por um espaço inferior a sete anos, e não poderá ser feito Companheiro se não tiver servido por um espaço adicional de sete anos. É proibido aos Mestres vender os seus Aprendizes ou receber um Aprendiz sem informar o Vigilante da Loja para que o seu nome e data de recepção sejam devidamente registrados;

_ Nenhum Mestre ou Companheiro do Ofício poderá ser aceito ou admitido, a não ser em presença de seis Mestres e dois Entered Apprentices(2), sendo o Vigilante da Loja um dos seis. A data deverá ser devidamente registrada e “o seu nome e a sua marca” inseridos no referido livro, junto com os nomes dos seis Mestres, dos Aprendizes e do Intendente;

_ Ninguém poderia ser admitido sem um exame e uma prova de perícia. Um Mestre não está autorizado a empregar-se em trabalho a cargo de outro artífice, ou receber cowans(3)para trabalharem em sua sociedade ou companhia, ou mandar algum de seus serventes trabalhar com eles. Os Entered Apprentices não podem encarregar-se da execução de trabalhos acima do valor de dez libras;

_ Qualquer contenda entre Mestres, Companheiros e Aprendizes deverá ser notificada à Loja dentro de vinte e qua­tro horas, e sua decisão aceita. Mestres e outros são obrigados a todas as precauções indispensáveis na montagem do andaime, e se ocorrerem acidentes por sua negligência não poderão atuar como Mestres, ficando sujeitos a outros;

- Os Mestres não poderão receber Aprendizes fugitivos;

-Todos os membros devem assistir às reuniões quando legalmente prevenidos, e todos os Mestres presentes e qualquer assembleia ou reunião deverão jurar “por seu grande juramento” não esconder ou ocultar qualquer prejuízo causado a alguém ou ao proprietário do trabalho. Finalmente, as várias multas atribuídas ao que precede devem ser cobradas e distribuídas pelos oficiais da Loja. 

Notas referentes ao texto acima:

Vigilante(1): o termo Vigilante é utilizado aqui no sentido de Mestre da Loja ou Venerável.

Entered Apprentice(2): literalmente o Aprendiz Entrado ou Introduzido. Assim era chamado aquele que depois de completar o seu aprendizado tinha que cumprir mais sete anos de tempo adicional até ser feito Companheiro. Mesmo tendo sido registrado nos livros da guilda, ainda não podia obter do seu mestre a liberdade para trabalhar por sua própria conta. É possível que nesse estágio já tivesse recebido a Palavra do Maçom, o que de acordo com Knoop teria sido estabelecida por volta do ano 1550.

cowan(3): o operário grosseiro que ainda não possui a Palavra do Maçom (Mason’s Word). Posteriormente, este vocábulo adquiriu um outro sentido, o de “profano”.

O Segundo dos Estatutos de Schaw

Ainda usando de uma parte das considerações tecidas pelo Ir. Aslan em seu excelente artigo, quando na sua breve descrição do Segundo Estatuto ele se referiu basicamente sobre este último:

Que ficava determinado que a Loja de Edimburgo deveria ser considerada a primeira Loja da Escócia, a Loja Kilwinning seria a segunda e a Loja Stirling, a terceira.  

Que os Vigilantes (Mestres) de cada uma das Lojas eram responsáveis perante as autoridades pelos pedreiros sujeitos às suas Lojas e em regular a eleição desses Vigilantes.

Que os Companheiros de Ofício na entrada, e antes de sua admissão, deveriam pagar a Loja, dez libras com dez shillings, pelo valor das luvas, sendo que, estaria incluído aí o valor do banquete.

Que os Companheiros não poderiam ser admitidos sem uma prova de habilitação suficiente. Que os Aprendizes, na sua admissão, deveriam pagar seis libras para o banquete em comum, ou pagarem a refeição.

E ainda: que os Vigilantes e Diáconos da Loja de Kilwinning deveriam tomar anualmente o juramento de todos os Mestres e Companheiros de ofício confiados aos seus cuidados, e que os mestres e seus serventes ou aprendizes não deveriam trabalhar com cowans.

Uma outra informação interessante, colhida nas últimas pesquisas realizadas com respeito ao teor dos Estatutos, se refere ao fato de que estes últimos também abordaram questões práticas onde ficaram evidentes as preocupações com a saúde e a segurança daqueles que, principalmente, trabalhavam nas alturas.

CONTINUA...

NOTAS:

Carta de Bolonha(17): o  mais antigo documento comprovadamente maçônico no mundo é a “Carta de Bolonha”. Seu nome original: “Statuta et Ordinamenta Societatis Magistrorum Tapia et Lignamilis”. Redigida originalmente em latim por um escrivão público, sob ordem do Prefeito de Bolonha, Bonifaci di Cario, no dia 08 de Agosto de 1248. Em seu conteúdo fica claro que a Maçonaria Operativa Italiana já era tradicional, antiga, contendo sólida estrutura e hierarquia, sendo bem anterior à data de registro da Carta. (Fonte:noesquadro.com)

  

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