A Maçonaria e os Mitos do Totalitarismo: Três Séculos de Constância, Três Séculos de Perseguição


Por José A. Ferrer-Benimeli

Tradução: José Filardo

A Maçonaria, enquanto instituição histórica e sociopolítica, tem desempenhado, ao longo dos últimos três séculos, um papel constante na história do Ocidente. Seu impacto, direto ou indireto, maior ou menor, está intrinsecamente ligado aos processos de transformação política, social e cultural que moldaram a modernidade. No entanto, poucas instituições suscitaram tanta polêmica, alimentaram tantos preconceitos e foram alvo de tantas perseguições.

A despeito de sua influência, a Maçonaria permanece, para o grande público, envolta em mistério. O desconhecimento popular contrasta com a abundância de opiniões — geralmente imprecisas — sobre seus supostos objetivos, estruturas e doutrinas. Esse descompasso entre realidade e percepção se deve, em grande parte, à construção histórica de uma poderosa corrente antimaçônica, que alimentou mitos persistentes ao longo dos séculos.

A Visão Policial da História

A antimaçonaria bebe de uma fonte comum aos totalitarismos do século XX: a chamada visão policial da história, expressão cunhada por Léon Poliakov e popularizada por Manès Sperber. Trata-se da crença de que as desgraças da humanidade são fruto de ações concertadas de forças ocultas — conspirações — movidas por grupos secretos. Judeus, jacobinos, comunistas, maçons: todos foram, em algum momento, alvos desta paranoia conspiracionista.

É neste contexto que surgem os três grandes mitos antimaçônicos: o satanismo (como oposição à Igreja), o judaísmo (conectado ao mito do sionismo internacional), e o comunismo (como ameaça revolucionária). Cada um deles foi mobilizado por diferentes regimes políticos — de extrema-direita e extrema-esquerda — que fizeram do “anti” uma estratégia de consolidação ideológica.

Totalitarismo e Antimaçonaria

A Maçonaria foi atacada e proibida por regimes que, ironicamente, nada tinham em comum, a não ser a necessidade de criar inimigos internos. De Mussolini a Franco, passando por Salazar, Stalin e Hitler, a Maçonaria foi vista como um inimigo a ser exterminado. A acusação de subversão era sustentada por dois pilares retóricos: o segredo e o internacionalismo. A primeira justificava a repressão jurídica; o segundo alimentava o medo de uma suposta conspiração transnacional.

Em 1925, o regime fascista de Mussolini aprovou a primeira lei explicitamente antimaçônica, após longa campanha de difamação que incluía a acusação de que os maçons corrompiam a juventude, infiltravam-se no exército e pretendiam estabelecer um poder paralelo. Essa mesma lógica foi seguida por Salazar em Portugal, com a Lei nº 1901 de 1935, e por Franco na Espanha, cuja obsessão antimaçônica beirava o patológico.

O caso espanhol foi especialmente violento: a partir de 1936, centenas de maçons foram fuzilados, presos ou forçados ao exílio. A Lei de 1º de Março de 1940 igualava a Maçonaria ao comunismo, proibindo ambas sob o pretexto de defender os princípios fundamentais do Estado. Franco chegou a criar um Tribunal Especial para a Supressão da Maçonaria e do Comunismo, evidenciando a centralidade dessa obsessão repressiva em sua política de Estado.

O Comunismo contra a Maçonaria

Paradoxalmente, os regimes comunistas também viam a Maçonaria como uma ameaça. A partir do Terceiro Congresso da Internacional Comunista, em 1921, foi decretada a total incompatibilidade entre Maçonaria e comunismo. Trotsky, em especial, via a Maçonaria como uma “praga reacionária”, comparável à Igreja Católica. A Grande Enciclopédia Soviética de 1954 acusava a Maçonaria de “desviar as massas da luta de classes” e de “alimentar o misticismo e a magia”.

Na prática, os regimes comunistas e fascistas convergiram na repressão da Maçonaria, pois ela representava tudo o que eles abominavam: liberdade de consciência, fraternidade entre os povos, espírito crítico, tolerância religiosa. A Maçonaria era, e continua sendo, uma alternativa ética à doutrina do ódio e da exclusão.

Um Alvo dos Dois Lados

Não deixa de ser surpreendente — e profundamente trágico — que a Maçonaria tenha sido ao mesmo tempo acusada de promover o comunismo e de ser a encarnação do capitalismo burguês. Ora associada a judeus, ora a satanistas, ora a internacionalistas ateus, ora a conspiradores religiosos, a Fraternidade tornou-se um espelho distorcido onde cada regime projetava seus medos, falhas e preconceitos.

Na Alemanha nazista, a Maçonaria foi identificada como parte da “conspiração judaico-maçônica”, e seus membros perseguidos sem piedade. Na Espanha franquista, o simples fato de ser maçom era suficiente para levar à prisão ou ao fuzilamento. Entre os fuzilados estavam pastores protestantes, poetas, juristas, professores e operários cujo único “crime” era a filiação a uma ordem que pregava a fraternidade.

Fraternidade, Liberdade, Igualdade

A mais cruel das ironias é que o próprio Franco, no início do seu levante, utilizou o lema “Fraternidade, Liberdade, Igualdade” — os três ideais que a Maçonaria sempre promoveu e que os totalitarismos tentaram destruir. A Fraternidade, por si só, já era vista como um perigo, pois ameaçava a lógica da segregação e do ódio cultivada pelos regimes totalitários.

A perseguição dos maçons é, portanto, um retrato sombrio da intolerância. Um sinal de alerta sobre o que ocorre quando ideias são substituídas por dogmas, quando a diversidade é substituída por uniformidade, e quando o segredo, em vez de ser compreendido como parte de um percurso iniciático, é transformado em pretexto para repressão.

Conclusão

José A. Ferrer-Benimeli, em sua reflexão serena, nos lembra que a Maçonaria é, antes de tudo, um espaço de liberdade e de construção humana. As palavras pronunciadas em 1933 pelo Grão-Mestre do Grande Oriente Espanhol ainda ressoam com força: “Tolerância e fraternidade: que aquele que não sente essa virtude seja considerado um estranho dentro da Maçonaria.”

Que essas palavras possam servir de guia — não apenas aos maçons, mas a todos os homens e mulheres livres que acreditam na dignidade do ser humano, na diversidade de ideias e na construção de um mundo mais justo. Pois, como nos ensina a própria história, a intolerância é o verdadeiro inimigo da liberdade. E os maçons, mesmo perseguidos, nunca deixaram de lutar contra ela.


Texto baseado na conferência de José A. Ferrer-Benimeli, traduzida por José Filardo.

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