Capítulos da História da Maçonaria Especulativa: A Royal Society e o Casamento da Ciência e do Ilumi-nismo (VII)


Por Ir.’. José Ronaldo Viega Alves

COMENTÁRIOS:

Com o cronograma que foi montado e apresentado no último capítulo (VII), cumprimos um objetivo maior que foi o de proporcionar ao leitor criar uma ideia da atmosfera daquela época, seja através dos eventos e fenômenos históricos que ali foram seletivamente elencados por estarem relacionados ao assunto que está sendo abordado, seja através das mudanças que ocorriam dentro da própria Maçonaria, ainda que, essa transformação ou o período de transição, ou ainda, essa nova Maçonaria que manteria uma relação simbólica apenas simbólica, no entender de alguns, com a Maçonaria Operativa, a princípio, transcorreu de forma lenta. Com isso, acreditamos ser possível analisarmos alguns daqueles acontecimentos ocorridos dentro daquele contexto e assim  poder unir alguns pontos dessa história, ainda que, como todos nós sabemos a história da Maçonaria, seja durante quaisquer uma das fases que foram convencionadas a Operativa, e depois a Especulativa ou Moderna, permanecem com muitos détails en suspens(18).

Após a Maçonaria Especulativa ter engrenado os seus passos em direção à sua futura consolidação, entendemos que alguns dos acontecimentos que ali constaram, por sua importância e por seus desdobramentos até imprimiram um ritmo maior em direção às mudanças mais significativas que viriam. Merece devido destaque, analisarmos o despontar de uma sociedade que agora tem sido objeto de maiores estudos na sua relação com a Maçonaria, já que, influiu ou possuiu ligações com esta última, sabidamente, nas suas primeiras décadas de existência. Com isso, pretendemos responder à pergunta colocada no início do capítulo anterior, e que no decorrer deste pretendemos ver respondida. A pergunta era a seguinte:

“Que tipo de conexões podem ter existido entre a Royal Society e a Maçonaria”?

O nosso cronograma retrata então os acontecimentos (não todos, obviamente), mas, os que tem repercussão em nosso trabalho.

Séculos XVII e XVIII: o mundo atravessava uma nova fase de efervescência em ideias, e na Maçonaria grandes mudanças estavam em curso. A união de uma filosofia provinda da tradição hermética-cabalística, junto com a fórmula iluminista fundamentada na razão, era o ideário que estava sendo gestado para a nova Maçonaria.   

Há um artigo de autoria de Cécile Révauger, historiadora francesa e pertencente a Grande Loja Feminina da França, intitulado “Royal Society, a antecâmara da Maçonaria”, o qual, devo confessar, fez com que o título acabasse me perseguindo por muito tempo até que a curiosidade fez despertar de vez meu interesse em descobrir muito mais a respeito da Royal Society daqueles primeiros tempos, pois, concomitantemente, a Maçonaria Moderna também dava seus primeiros passos.   

Há um artigo que foi imprescindível para a feitura do texto que segue, eis que, o seu autor mostrou nele um grande poder de síntese. Na verdade, é uma palestra que o Ir.’. Gary Muir proferiu na Hawke’s Bay Research Lodge No 305, da Nova Zelândia. Dessa sua palestra intitulada “Maçonaria e a Royal Society”, é que foram extraídas preciosas informações, assim como, do livro “A Maçonaria e o Nascimento da Ciência Moderna – “O Colégio Invisível”, de autoria do pesquisador da história da Ordem, Ir.’. Robert Lomas.  

O Gresham College

Para falar sobre esse assunto, é interessante sabermos que a Royal Society tem uma antecâmara também, a qual funcionava no Grehsham College.

Lá por volta de 1645, um grupo de homens cultos se reunia nesse colégio para assistir palestras e discutirem assuntos relativos àquilo que na época se chamava de filosofia experimental ou nova.

Sir Thomas Gresham, fundador do Gresham College estabeleceu, via testamento, que as disciplinas a serem ensinadas eram as seguintes: divindade, medicina, geometria, astronomia, retórica e música. Antes de falecer, ele foi nomeado Diretor Geral Adjunto dos Maçons, então seria coerente até supor que ele buscou incutir ali os princípios maçônicos. Esse grupo é o que o pesquisador Robert Lomas, em seu livro “A Maçonaria e o Nascimento da Ciência Moderna”, designou como o “Colégio Invisível”.

O tema comum, pode-se dizer dessa faculdade era obter conhecimento por meio da pesquisa experimental, das causas e dos efeitos, e a partir daí encontrar aplicações práticas para as suas descobertas.   

No ano de 1660, o “Colégio Invisível” estava composto por doze homens, sendo que, durante a Guerra Civil, alguns deles haviam tomado partido de um lado, assim como, outros do lado contrário.

E chegando neste ponto é que Lomas se perguntou em seu livro:

“O que poderia ter juntado esses inimigos para estabelecer uma sociedade científica? (Lomas, 2007, pág. 31)

Do grupo aquele de filósofos naturais e cientistas, um deles era Christopher Wren, professor na faculdade e mais tarde Maçom. Também estava Robert Moray que, junto com Elias Ashmole eram os participantes mais ativos do “Colégio Invisível”, entre outros.  

Sir Robert Moray era um dos que tinha lutado em ambos os lados da guerra civil, era também espião francês e se tornou uma figura fundamental para que Carlos II fosse coroado rei da Escócia.

Como já vimos anteriormente, a Escócia teve um papel primordial na aceitação na sua guilda de pedreiros de membros cavalheiros, ou daqueles que não eram praticantes do ofício dos pedreiros e que por tradição já, detinham o conhecimento matemático e científico dessa arte.

Sir Robert Moray foi iniciado na Loja Edimburgo em 1641. Devido às suas boas relações com o rei Carlos II, ele foi escolhido como o homem mais adequado para solicitar a aprovação e o apoio do rei para o “Colégio Invisível”.

O resultado: o rei endossou os princípios que norteavam o colégio, recebeu o convite para ser patrono e concedeu a esse colégio um mandado real.

A Royal Society

Em 1660, conforme acompanhamos pelo cronograma é lançada oficialmente a Royal Society, com Moray presidindo-a, e ele se baseou profundamente nos ensinamentos da Maçonaria, proibindo quaisquer discussões que envolvessem política e religião, pois, ele era consciente de que era o tipo de assuntos que normalmente dividiam os homens, ao invés de uni-los.

O Maçom Christopher Wren, um dos seus membros fundadores, ocupou a presidência da entidade de 1680 a 1682. Na Sociedade, tal como numa Loja Maçônica, três oficiais são eleitos para governá-la, sendo que o método de votação também é o mesmo utilizado nas Lojas hoje em dia.

Ao longo dos anos muitos outros cientistas/Maçons se destacariam no âmbito da Royal Society. Citemos alguns exemplos:

John Aubrey (1626-1697) _ a maioria dos seus escritos inéditos vieram à luz já no século XX. Em 1656 ele começou um dos seus livros A História Natural de Wiltshire, terminando-o em 1691 e que somente foi publicado em 1847. Aubrey era antiquário, o seu livro mais famoso é o The Lives of Eminent Men (Vidas de Homens Eminentes) e realizava também trabalhos de campo, principalmente em Stonenge e Avebury. Para essa última localidade afirmou ter havido ali um centro de culto dos druidas.

Em uma das passagens do seu livro sobre Wiltshire, é interessante vermos o que ele escreveu em referência a um dos mitos que se contam as origens da Maçonaria:

“Sir William Dugdale me contou, há muitos anos, que, na época de Henrique III, o Papa concedeu uma bula ou patentes a uma companhia de maçons italianos para viajar por toda a Europa a fim de construir igrejas. Destes, deriva a fraternidade dos maçons adotados. Eles são conhecidos uns pelos outros por certos sinais e lemas: isso continua até hoje. Eles têm várias lojas em vários condados para sua recepção, e quando algum deles entra em declínio, a irmandade o substitui, etc. A forma de sua adoção é muito formal, com um juramento de sigilo.”       

COMENTÁRIOS:

É fundamental percebermos que existem documentos e papéis diversos, os quais já foram mencionados ao longo deste trabalho de pesquisa que contém registros importantes da história da Maçonaria. Esses documentos nem costumam ser muito divulgados, ao contrário das Old Charges, bastante citadas, algumas delas esmiuçadas. Registros como os que constam no livro da Companhia dos Maçons de Londres, ou no livro de John Aubrey, o qual acabamos de ver. Lembrei da Carta de Bolonha também. Enfim, como buscadores devemos estar sempre abertos para novas leituras e novas descobertas.

Na continuação, vejamos outro Maçom famoso e que era membro da Royal Society:

John Theophilus Desaguliers (1683-1744) _ foi um filósofo natural, clérigo, engenheiros e Maçom britânico, nascido em La Rochelle, na França. Foi eleito para a Royal Society no ano de 1714, na função de assistente experimental de Isaac Newton. Com formação em Oxford, posteriormente, popularizou as teorias newtonianas e suas aplicações práticas em palestras públicas. Sendo Maçom, Desaguliers foi fundamental para o sucesso da Primeira Grande Loja de Londres lá no início da década de 1720, vindo a ser o seu terceiro Grão-Mestre, tendo exercido enorme influência na forma que ela tomaria a partir do século XVIII.

Royal Society: além dos Maçons, havia rosa-cruzes também

Isaac Newton (1642-1727) _ foi um matemático, físico, astrônomo, teólogo e autor britânico, o que no tempo em que viveu era descrito como um filósofo natural. Um dos cientistas mais influentes de todos os tempos e, uma figura-chave no âmbito da Revolução Científica. O seu livro mais famoso é o Philosofiae Naturalis Pricncipia Mathematica (Princípios Matemáticos de Filosofia Natural), de 1687, no qual foram lançadas as bases da mecânica clássica.

Num artigo escrito há alguns anos, focando exatamente na questão de que a Royal Society possuía alguns membros que eram rosa-cruzes, se falou que Isaac Newton era um deles. Outro famoso rosa-cruz era Elias Ashmole, para ficar em nomes bastante conhecidos. Sabidamente não há provas de que o primeiro deles, o grande físico Isaac Newton fosse Maçom, ainda que, entre os mais próximos dele havia Maçons, a exemplo de John Theophilus Desaguliers. No entanto, Desaguliers nunca se referiu a qualquer coisa de Newton nesse sentido, permanecendo o mistério. Pelo que se sabe, Newton foi sim bastante influenciado pela Rosa-Cruz, como atesta o grande interesse que desenvolveu pelas pesquisas sobre a alquimia e a filosofia.

A título de ilustração, destaco um trecho da wikipedia onde é possível detectar quão intenso foi o interesse de Newton pela alquimia. Vejamos na sequência:

“Das cerca de dez milhões de palavras escritas nos trabalhos de Newton, cerca de um milhão trata de alquimia. Muitos dos escritos de Newton sobre alquimia são cópias de outros manuscritos, com suas próprias anotações. Os textos alquímicos misturam o conhecimento artesanal com a especulação filosófica, muitas vezes escondida por trás de camadas de jogo de palavras, alegorias e imagens para proteger os segredos da alquimia. Ao morrer, a biblioteca de Newton apresentava 169 livros sobre o tópico da alquimia, e acreditava-se que teria consideravelmente mais livros durante os anos de formação em Cambridge, embora possivelmente os tenha vendido antes de mudar-se para Londres em 1696.”

Por outro lado, a respeito de Elias Ashmole, sabemos que foi iniciado na Maçonaria, mas, que também era Rosa-cruz.

Elias Ashmole (1617-1692) _ foi um antiquário, político, oficial de armas, astrólogo, maçom, estudante de alquimia inglês. Ashmole apoiou o lado monarquista durante a Guerra Civil Inglesa, e com a Restauração de Carlos II foi premiado com vários cargos bem remunerados.

Em 2 de janeiro de 1661 Ashmole foi eleito membro da Royal Society.

Robert Freke Gould, pesquisador que estudou a vida de Elias Ashmole – para ele um “zeloso Rosa-Cruz” – afirmou num dos seus livros que ele não tinha sido o primeiro Maçom aceito na Inglaterra, e as lojas de Warrington e de Londres que ele mencionou eram Lojas especulativas.

Royal Society: o simbolismo maçônico

Alguns detalhes interessantes vêm para tornar evidentes as influências, tanto de parte daqueles Maçons que faziam parte da Royal Society, assim como, dos Rosa-cruzes, ou daqueles que nutriam suas simpatias por ambas as doutrinas, como é o caso de Elias Ashmole.

Esse tipo de influências que é possível de detectarmos são mencionadas no livro “O Mago da Franco-Maçonaria”, da autoria de Tobias Churton, livro esse que compõe uma biografia bastante completa da vida de Elias Ashmole.

Num primeiro momento vamos tratar do frontispício do livro History of the Royal Society (História da Royal Society)(19), de Thomas Spratt, o primeiro livro a contar a história da Real Sociedade. Um dos aspectos a ser ressaltado é que fica por demais evidente ali a relevância de Francis Bacon (vide nota nº 4, Cap. I) para os fundadores da Royal Society. Numa relação que podemos considerar mais direta com símbolos maçônicos, ao visualizar o frontispício do livro, logo já poderemos detectar alguns: a lâmina mostra um aposento em que a sua parte frontal jaz apoiada num arco e em dois pilares. O piso é quadriculado, branco e preto, um símbolo esotérico bastante reconhecido na Maçonaria. Nas paredes há muitas ferramentas que estão penduradas: compassos, esquadros, prumos, etc.

À esquerda do rei Carlos II, aparece sentado William Brouncker, o então presidente da sociedade e à sua direita, Francis Bacon. Todo o pessoal que aparece na parte de trás estão a cumprir tarefas específicas e todas elas em combinação formam o que poderíamos significativamente chamar de “o vasto estúdio da ciência”. Alguns extraem material dos livros, outros fazem experimentos e outros cotejam os resultados. Ainda, há os que realizam viagens, os que se dedicam somente à investigação e os que desenham novos experimentos. Os Mestres da Casa de Salomão convertem todas as tarefas cooperativas em teorias que devem ser coerentes e organizadas.

O interesse demonstrado aqui por Bacon tem sua razão de ser: é pelo fato de que o autor de “A Nova Atlântida” estabeleceu nessa sua obra, novas ideias sobre a investigação e a ciência, e no caso, havia uma instituição exemplar que funcionava como um modelo de casa de estudos para o benefício da humanidade, a Casa de Salomão.

Como podemos deduzir há muitas influências, algumas diretas, outras indiretas. 

A Maçonaria Especulativa estimulou os seus membros a explorar “os mistérios ocultos da natureza e da ciência”, e depois, “os caminhos da virtude e da ciência”, conforme o Ir.’. Gary Muir. A Royal Society traduziu esse conceito em observação e experimento prático, sendo que, foram muitos os benefícios advindos daí para o mundo moderno.

CONTINUA...

NOTAS:

détails en suspens(18)(fr. detalhes em suspense)

History of the Royal Society (História da Royal Society)(19): A primeira história completa da Real Sociedade foi publicada em 1667 e foi escrita por Thomas Spratt sob direção de Brouncker, Moray, Wilkins e Evelyn. Como indicou a historiadora Margery Purver, pode ser, portanto, considerada uma versão definitiva do que os fundadores da Real Sociedade queriam registrar a respeito de sua origem. Ela comenta assim a história de Spratt:

‘A história é a única publicação que recebeu tal supervisão da Real Socidade em sua documentação; e essa supervisão foi conduzida por aqueles que foram escolhidos por seu conhecimento pessoal dos fatos. Ela mostra que Spratt não estava falando por ele mesmo nem por qualquer outra pessoa, mas pela real Sociedade como instituição, que considerava esse livro de seu especial interesse, o primeiro relato público de sua origem, política e atividade.”  (Lomas, 2007, pág. 68)

E ainda:

“A primeira história oficial da Real Sociedade foi escrita por Thomas Spratt sob Wilkins e Moray. Ela afirma que a ideia foi lançada em uma série de encontros promovidos por Wilkins durante seu tempo em Oxford. Dois dos primeiros companheiros, Robert Boyle e John Wallis, entretanto, dizem outra coisa. Ambos escreveram a respeito de outros grupos formados e ambos usaram símbolos e ideias que são características da Maçonaria para descrever esses outros encontros. Se acreditarmos em Wallis e Boyle, havia grupos se encontrando sob condições maçônicas e usando simbolismo maçônico em suas discussões. (Lomas, 2007, pág. 71)

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