Gênero, Raça e Sexualidade na Maçonaria Americana: Entre o Ideal da Fraternidade e a Realidade da Exclusão

 

Da Redação

A Maçonaria, que frequentemente proclama ideais elevados de fraternidade universal, liberdade e igualdade, enfrenta um desafio ético e estrutural no contexto contemporâneo: como conciliar esses princípios com práticas históricas de exclusão racial, de gênero e de orientação sexual? Nos Estados Unidos, essas tensões são particularmente visíveis, dada a centralidade que questões de raça, sexualidade e gênero assumiram no debate público nacional.

O Paradoxo Fraternal

Grupos fraternos como a Maçonaria são frequentemente celebrados como espaços de construção de cidadania, solidariedade e ação comunitária. Contudo, quando examinados sob a lente das relações raciais e de gênero, revelam contradições profundas. Se a fraternidade é proclamada como universal, por que tantos ainda são deixados do lado de fora?

A Maçonaria americana, por meio de seus rituais e discursos, reforça ideias de tradição, masculinidade e antiguidade. Essa tríade tem sido historicamente mobilizada para manter mulheres, afro-americanos e homens abertamente homossexuais afastados das lojas tradicionais.

Racismo Estrutural: A Persistente Segregação Racial

A existência da Maçonaria Prince Hall — composta majoritariamente por afro-americanos — é evidência de que a integração racial não foi plenamente alcançada no fraternalismo maçônico americano. Fundada no século XVIII por Prince Hall, um afro-americano de Boston, essa vertente permanece separada da maioria das Grandes Lojas "brancas", com debates historiográficos contínuos que tentam, em muitos casos, deslegitimar sua origem.

Apesar das transformações sociais e do avanço dos direitos civis nos EUA, a segregação maçônica continua sendo uma realidade incômoda. A relutância em reconhecer a igualdade plena das Lojas Prince Hall é, em grande parte, fruto de preconceitos raciais ainda não superados, camuflados sob argumentos de “tradição” e “regularidade”.

Gênero e a Iniciativa Masculina

O espaço maçônico americano tem sido, desde o início, profundamente masculinizado. O renascimento do ritualismo masculino, inspirado por autores como Robert Bly e sua obra Iron John, reforçou essa tendência. Para muitos, a Maçonaria é um dos últimos bastiões da iniciação exclusivamente masculina — um santuário onde a identidade do “homem moderno” é reafirmada frente a uma sociedade percebida como feminizada ou desestabilizadora dos papéis tradicionais de gênero.

Essa visão não apenas exclui as mulheres do rito, como também marginaliza qualquer discurso que questione o modelo tradicional de masculinidade. Mulheres foram historicamente rejeitadas da Maçonaria nos Estados Unidos, ao contrário do que se observa em países da Europa e da América Latina, onde lojas femininas e co-maçônicas existem e são ativas.

Sexualidade Silenciada: Um Espaço de Exclusão

Talvez a mais invisibilizada das exclusões seja a que diz respeito à orientação sexual. A Maçonaria americana opera, neste campo, sob o princípio não declarado do “Don’t Ask, Don’t Tell” — não se pergunta, não se fala. Ainda que o perfil do maçom médio seja o de um homem branco e heterossexual, não há espaço para discussões abertas sobre diversidade sexual, nem acolhimento explícito de membros LGBTQIA+.

Essa omissão revela não apenas conservadorismo, mas uma negação das transformações sociais que ocorrem ao redor das lojas. Em tempos de avanços nos direitos civis e de visibilidade crescente da diversidade de gênero e sexualidade, o silêncio da Maçonaria soa ensurdecedor.

A Sala da Loja: Teatro da Masculinidade

Segundo o pesquisador William D. Moore, os templos maçônicos funcionam como “teatros da masculinidade”. Cada móvel, símbolo e ritual reafirma a ordem social patriarcal e os valores masculinos de um tempo passado. A loja torna-se, assim, um refúgio contra o mundo em transformação — um espaço onde se tenta preservar a virilidade e a hierarquia tradicional em meio ao caos da modernidade.

Mulheres na Maçonaria: Uma História Ignorada

Apesar da crença amplamente difundida de que a Maçonaria sempre foi exclusivamente masculina, há evidências históricas de que mulheres participaram ativamente, desde registros do século XV até relatos documentados de iniciações femininas acidentais ou clandestinas. Na França iluminista, as chamadas loges d’adoption permitiram a presença de mulheres nas atividades maçônicas aristocráticas. Em outras partes do mundo, como no Canadá e na Inglaterra, há registros de mulheres iniciadas e homenageadas como maçons.

Contudo, nos Estados Unidos, essas iniciativas foram marginalizadas ou ridicularizadas, e o espaço feminino ficou restrito a ordens auxiliares, como a Ordem da Estrela do Oriente, que embora compartilhe vínculos simbólicos com a Maçonaria, não opera os mesmos rituais e não goza da mesma autoridade iniciática.

Fraternidade ou Exclusão?

O argumento de que a Maçonaria é uma organização democrática e benéfica à sociedade torna-se frágil quando confrontado com suas práticas excludentes. Embora muitos maçons individuais pratiquem a caridade e os valores humanistas, a estrutura institucional tem falhado em acompanhar as mudanças sociais que marcam o século XXI.

É importante reconhecer que, como qualquer outra organização, a Maçonaria reflete — e, por vezes, amplifica — as tensões e contradições da sociedade onde está inserida. Ignorar essas contradições significa perpetuar uma cultura que privilegia a manutenção de poder, tradição e controle, em detrimento da abertura, da igualdade e do respeito à diversidade.

Considerações Finais: Maçonaria e Democracia

Organizações fraternais como a Maçonaria desempenham um papel importante na construção de capital social e no fortalecimento de redes cívicas. No entanto, sua contribuição para a democracia precisa ser repensada à luz de suas práticas internas. A verdadeira fraternidade não pode ser construída com base na exclusão silenciosa de mulheres, negros e pessoas LGBTQIA+. Uma organização que deseja ser relevante nos tempos atuais deve reconhecer sua história, enfrentar seus preconceitos e se abrir para o diálogo e a reforma.

A Maçonaria americana tem diante de si um desafio existencial: permanecer como uma relíquia ritualista do passado ou reinventar-se como um verdadeiro espaço de fraternidade plural e inclusiva.


Este artigo baseia-se em estudo publicado na revista acadêmica REHMLAC, vol. 4, n. 2 de autoria de Guillermo de Los Reyes Heredia e Paul Rich.

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