Por Luiz Castro,
baseado no texto de Ben Williams
A Ordem Ilustre da
Cruz Vermelha é um dos rituais mais simbólicos e profundamente filosóficos da
Tradição Maçônica. Dentro dela, destaca-se um episódio notável conhecido como A
Discussão Imemorial, que se passa na corte do rei Dario da Pérsia, onde três
guardas reais disputam, por meio de argumentos, qual seria a força mais
poderosa do mundo: o vinho, o rei ou as mulheres. Contudo, é o judeu Zerubbabel
quem modifica a natureza do debate ao propor que a verdade é, de todas, a mais
poderosa — e sua eloquência nessa defesa acaba por garantir não apenas a
vitória no desafio, mas o favor do monarca persa, que permite aos judeus
reconstruir o templo em Jerusalém.
Esse episódio, que
tem raízes no livro "Antiguidades Judaicas" do historiador Flávio
Josefo, é um elemento central do ritual da Cruz Vermelha e carrega um
simbolismo que vai muito além da moral convencional. Trata-se de um ensinamento
sobre a essência da Verdade como atributo divino e fundamento de todas as
virtudes.
Zerubbabel: figura
central e símbolo da fidelidade
Zerubbabel,
descendente da casa de Davi e líder dos judeus exilados, é retratado como um
homem de coragem, sabedoria e fidelidade inabalável. Sua travessia perigosa
pelos domínios persas, enfrentando emboscadas e riscos à própria vida, é apenas
uma das provas de sua determinação.
No ritual maçônico
da Cruz Vermelha, Zerubbabel se recusa a revelar os segredos da Maçonaria,
mesmo diante da ameaça de morte. Essa atitude impressiona Dario, que passa a
vê-lo como um homem verdadeiro, digno de confiança e, portanto, merecedor de
recompensa e apoio. Zerubbabel torna-se, assim, uma figura comparável em
importância simbólica a Salomão e Hiram Abiff.
Curiosamente,
enquanto a narrativa bíblica (em Esdras) fala apenas da permissão de Ciro para
a reconstrução do templo, é em Josefo que se encontra a descrição mais vívida e
dramática da cena do desafio retórico. E embora a parte mais famosa — o
"cruzar da ponte" — não conste diretamente nas obras de Josefo, ela
foi incorporada na tradição maçônica como uma prova iniciática de grande
significado.
A Verdade como força
suprema
Durante o banquete
real, Dario propõe aos seus guardas que debatam sobre qual é a força mais
poderosa: o vinho, o rei ou as mulheres. O vencedor teria honras imensas:
vestir púrpura, dormir sobre ouro, sentar-se ao lado do rei e ser chamado de
“primo” (honraria ainda usada na investidura dos Cavaleiros da Cruz Vermelha).
Zerubbabel, demonstrando sua sabedoria, propõe uma quarta alternativa: a
Verdade.
A argumentação de
Zerubbabel, que supera as anteriores, afirma que o vinho embriaga e distorce a
percepção; que os reis governam, mas são filhos de mulheres; que as mulheres
são fortes, pois geram reis e inspiram feitos heroicos; mas a Verdade, por sua
vez, é eterna, imutável, superior a tudo o que é material e perecível. Ele
declara:
“A verdade é uma
coisa imortal. Não é beleza que fenece com o tempo, nem riqueza que se perde
com a fome ou a guerra. Ela é a base da justiça e da lei. É a revelação do que
é. É a semelhança de Deus.”
Zerubbabel conclui
que a verdade é mais poderosa do que qualquer das forças anteriores porque ela
é a única que não se transforma nem desaparece. A verdade não se dobra ao
tempo, à vaidade ou ao poder — e é, por isso, a fundação de toda honra, justiça
e retidão.
A Verdade como
atributo divino
A discussão
apresentada no ritual da Cruz Vermelha vai além da superfície moralista. Ela
propõe um raciocínio lógico e metafísico: o falso só existe em relação ao
verdadeiro. Um engano é uma imitação de algo verdadeiro; a falsidade, como a
moeda falsa, só tem sentido se houver um modelo legítimo. Assim, a Verdade
precede e fundamenta todas as coisas.
Essa concepção tem
paralelos com o Logos da filosofia antiga e do cristianismo: a Palavra que
organiza o universo, a Razão divina que manifesta a realidade. Logos é a
expressão da Verdade — e, como tal, está associada diretamente a Deus. Em
termos maçônicos, isso se traduz na noção de que a Verdade é o alicerce do
templo interior que cada maçom deve construir.
Zerubbabel, no
ritual, declara com força:
“A Verdade é a
força, sabedoria, poder e majestade de todas as eras. Bendito seja o Deus da
Verdade!”
A Tradição Maçônica
e a fidelidade à Verdade
A fidelidade de
Zerubbabel à Verdade não é apenas filosófica, mas também iniciática. Ao
recusar-se a quebrar seus juramentos maçônicos diante do rei, ele mostra que
ser "bom e verdadeiro" — a primeira lição ensinada na Maçonaria — não
é apenas uma formalidade, mas um compromisso sagrado com os princípios da
Ordem.
Zerubbabel explica a
Dario:
“Meus compromissos
são sagrados e invioláveis.”
Ao fazer isso, ele
une a virtude individual à lealdade a algo maior: a própria essência da
Maçonaria como caminho de iluminação e de construção do caráter. A Verdade,
portanto, é tanto a meta quanto o caminho — é o que transforma o homem comum em
um verdadeiro Iniciado.
A Verdade
como Luz e Caminho
A Imemorial
Discussão, celebrada na Ordem da Cruz Vermelha, não é uma simples alegoria
dramática. É uma poderosa meditação simbólica sobre a supremacia da Verdade
como princípio cósmico, moral e iniciático.
Diante do vinho que
ilude, do rei que governa e das mulheres que inspiram, Zerubbabel ensina que a
Verdade é a única que permanece. E essa Verdade — que se assemelha a Deus, que
fundamenta a justiça, que brilha como luz — é o guia maior do maçom.
Como nos ensina a
própria Ordem da Cruz Vermelha, honrar a Verdade é ser digno do título de
"Cavaleiro", e mais ainda: é caminhar com nobreza rumo à Luz.
"A Verdade,
assim como Deus, é eterna, imutável e resplandece em sua própria luz. Aquele
que vive pela Verdade já trilha o caminho da Sabedoria."
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