Allende e Pinochet: A Fratura Maçônica no Chile


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A história recente do Chile é marcada por um dos episódios mais dramáticos e paradoxais da Maçonaria no século XX, protagonizado por dois irmãos de Loja que seguiram caminhos opostos: Salvador Allende e Augusto Pinochet. Ambos foram iniciados na mesma Loja Progreso nº 4 de Valparaíso, partilhando os ritos, símbolos e juramentos que unem os maçons em torno de ideais de fraternidade, liberdade e justiça. Contudo, suas trajetórias revelaram uma cisão profunda entre o compromisso ético e a ambição política.

 

Salvador Allende: o maçom fiel aos ideais

Salvador Allende, eleito presidente do Chile em 1970, foi o primeiro chefe de Estado marxista eleito democraticamente na América Latina. Sua visão de um “caminho chileno para o socialismo” buscava a construção de uma sociedade mais justa, através de reformas estruturais como a nacionalização de setores estratégicos da economia, a reforma agrária e a ampliação dos direitos sociais.

Como maçom, Allende encarnava plenamente os valores humanistas da Instituição. Seu governo foi um esforço para materializar no campo político os princípios de igualdade, fraternidade e justiça social que são pilares da tradição maçônica. Mesmo diante de pressões internacionais, de uma oposição interna crescente e do isolamento político, Allende permaneceu leal à democracia e à legalidade, rejeitando soluções autoritárias.

No dia 11 de setembro de 1973, quando se consumou o golpe militar, Allende recusou-se a abandonar o Palácio de La Moneda. Em um gesto que se tornou símbolo universal de resistência e fidelidade aos princípios, ele preferiu tirar a própria vida a render-se aos golpistas. Sua morte marcou não apenas o fim de um governo, mas também a afirmação trágica de um compromisso inquebrantável com a ética maçônica.

 

Augusto Pinochet: a traição aos juramentos

Em um paradoxo histórico, o líder do golpe que derrubou Allende, Augusto Pinochet, também era maçom, iniciado na mesma loja e afilhado maçônico do próprio presidente. Pinochet, que até poucos dias antes do golpe era considerado um homem de confiança de Allende, aderiu aos golpistas no último momento, traindo não apenas seu padrinho de Loja, mas também os valores que jurara defender.

O regime instaurado por Pinochet transformou o Chile em um Estado de exceção, marcado por uma repressão brutal. De acordo com relatórios oficiais, mais de 3.200 pessoas foram mortas ou desapareceram, cerca de 38.000 foram vítimas de tortura, e centenas de milhares buscaram o exílio para escapar da perseguição política.

A conduta de Pinochet exemplifica uma covardia moral incompatível com os compromissos maçônicos. Sua traição revela como o pertencimento formal à Maçonaria não é garantia de adesão substancial aos seus princípios. Como observou a Euronews, Allende via Pinochet como um homem leal, uma confiança que se provou tragicamente equivocada.

A Maçonaria diante da cisão ética

O episódio chileno é um exemplo contundente das contradições internas que podem se manifestar dentro da Maçonaria, quando a adesão ritualística não é acompanhada de uma vivência ética coerente. De um lado, Allende representa o maçom que, mesmo diante da morte, não abdica de seus ideais. De outro, Pinochet encarna a figura do traidor, que instrumentaliza sua posição para fins que negam os próprios fundamentos da Instituição.

Essa dualidade evidencia que, embora a Maçonaria una seus membros através de símbolos e juramentos, a verdadeira fraternidade se revela no agir concreto, especialmente nos momentos de crise. O caso chileno permanece, assim, como uma advertência histórica: a Maçonaria é tão forte quanto a integridade de seus membros, e tão frágil quanto a sua disposição de trair ou esquecer os valores que a sustentam.

 


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