Buffalo Bill e a Maçonaria: A Vida Iniciática de William F. Cody

 


Buffalo Bill e a Maçonaria: A Vida Iniciática de William F. Cody

Em meio ao avanço impetuoso do Velho Oeste americano, surgiram personalidades que, não apenas ajudaram a moldar o imaginário de uma nação em construção, como também se tornaram referências universais de coragem, resiliência e princípios. Entre esses nomes, poucos brilham com a intensidade de William Frederick Cody, mais conhecido como Buffalo Bill. Mas para além de suas façanhas como caçador de búfalos, mensageiro do Pony Express e criador do icônico Wild West Show, há um aspecto menos conhecido — e profundamente significativo — de sua trajetória: sua jornada maçônica.

William F. Cody nasceu em 26 de fevereiro de 1846, em Le Claire, no então Território de Iowa, durante um período marcado pela expansão territorial americana e pelas crescentes tensões em torno da escravidão. Filho de Isaac Cody, um ardente abolicionista, e Mary Leacock Cody, mulher de forte personalidade, o jovem William cresceu em um ambiente permeado por debates sociais e políticos que dividiam o país.

Em 1853, a família mudou-se para Fort Leavenworth, no Território do Kansas — um dos epicentros da luta entre pró e antiescravistas. Durante um discurso em 1854, Isaac Cody foi atacado e gravemente esfaqueado por sua posição abolicionista. As feridas e o constante assédio que sofreu acabaram por abreviar sua vida. William tinha apenas 11 anos quando perdeu o pai, ficando a família em extrema dificuldade financeira.

Diante da necessidade, Cody iniciou sua vida laboral muito cedo. Aos 11 anos, tornou-se "ajudante extra" de uma companhia de frete, encarregado de entregar mensagens durante longas viagens em caravanas. Pouco depois, aos 14 anos, ingressou no lendário Pony Express, serviço de correio a cavalo, tornando-se famoso por percorrer 515 quilômetros quase sem descanso — uma façanha que revelava desde cedo as virtudes de coragem, determinação e honra que o acompanhariam por toda a vida.

A trajetória de Buffalo Bill na Maçonaria começou quando tinha 24 anos, em 1870. Nessa época, já era um nome conhecido localmente por seu trabalho como escoteiro do Exército dos EUA e por seu contrato com a Kansas Pacific Railway, que lhe rendeu o apelido definitivo: Buffalo Bill — após abater mais de 4.280 búfalos em 18 meses para alimentar os trabalhadores da ferrovia.

Seu ingresso na Maçonaria ocorreu na recém-fundada Platte Valley Lodge nº 32, em North Platte, Nebraska. Fundada pelo Capitão W.B. Brown — amigo e veterano da Guerra Civil — a loja encontrou em Cody um candidato ideal, alinhado aos valores maçônicos de fraternidade, integridade e serviço.

No dia 5 de março de 1870, no exato dia de seu aniversário de 24 anos, William Cody foi iniciado como Aprendiz Maçom. Sua progressão foi relativamente rápida: recebeu o grau de Companheiro em abril do mesmo ano e, após superar um exame maçônico que inicialmente reprovou, foi elevado ao grau de Mestre Maçom em 10 de janeiro de 1871. Este compromisso com a Fraternidade não foi superficial, mas uma adesão sincera aos ideais que norteariam sua vida.

Para Buffalo Bill, os três graus simbólicos não representaram o fim, mas o início de uma profunda jornada iniciática. Seu interesse pelos altos graus levou-o, em 1889, à Comenda Palestina nº 13, em North Platte, onde foi investido como Cavaleiro Templário — grau de forte inspiração cristã, que enfatiza a defesa da fé, a retidão de caráter e o espírito de sacrifício, características que Cody já demonstrava em sua própria vida.

Em 1892, foi admitido na ordem dos Shriners, no Templo de Tânger, em Omaha, Nebraska — uma organização paramaçônica conhecida por seu trabalho filantrópico e fraternal. Pouco depois, em 4 de abril de 1894, alcançou o 32º grau do Rito Escocês Antigo e Aceito, recebendo todos os graus entre o 4º e o 32º em um único dia na Jurisdição Norte do Vale de Nova York — honra reservada a poucos, demonstrando o apreço que a Maçonaria lhe devotava.

A atuação de Cody nos palcos e arenas do seu famoso Wild West Show, fundado em 1883, também espelhou muitos dos princípios maçônicos. O espetáculo, que viajou por oito turnês europeias entre 1887 e 1906, não era meramente entretenimento: apresentava uma visão romantizada, mas respeitosa, da convivência entre cowboys, nativos americanos e pioneiros.

Diferente de muitos de seus contemporâneos, Buffalo Bill oferecia tratamento digno aos povos indígenas. Ele convidava tribos a acamparem com suas famílias junto ao espetáculo, permitindo que apresentassem seus próprios costumes. Em 1898, criticou abertamente a política governamental afirmando:

"Todas as revoltas indígenas que conheci resultaram de promessas e tratados quebrados pelo governo."

Sua atuação em defesa dos direitos femininos também merece destaque. Cody foi um precoce defensor do sufrágio feminino e da igualdade salarial. Declarou publicamente que mulheres deveriam receber o mesmo pagamento que homens, caso desempenhassem o mesmo trabalho com igual competência. Esse espírito de igualdade encontrou eco na contratação e promoção de mulheres como Annie Oakley, estrela de seu show, que recebia salários justos e reconhecimento.

Em tudo, via-se refletida a máxima maçônica do "amor fraternal, auxílio e verdade".

Com o sucesso do Wild West Show, Buffalo Bill tornou-se uma celebridade mundial. Sua apresentação diante da Rainha Vitória durante o Jubileu de Ouro em 1887 e perante o Papa, o Príncipe de Gales e nobres europeus ampliaram ainda mais sua fama.

Durante a temporada de 1905 em Paris, o espetáculo atraiu mais de três milhões de espectadores aos pés da Torre Eiffel. A admiração por Buffalo Bill ultrapassou barreiras culturais, e seu status maçônico, mesmo pouco divulgado ao grande público, reforçava sua reputação de homem honrado.

Curiosamente, em 1937, já sob o regime de Mussolini — que havia banido a Maçonaria na Itália — surgiu o boato de que Buffalo Bill teria nascido na Romanha. Buscava-se assim italianizá-lo para justificar sua popularidade no país. A ignorância do ditador quanto ao passado maçônico de Cody impediu uma maior controvérsia política.

Buffalo Bill faleceu em 10 de janeiro de 1917, em Denver, Colorado, vítima de uremia, enquanto visitava sua irmã. Tinha 71 anos. Sua morte comoveu o país, e seu funeral tornou-se um evento de proporções nacionais.

Inicialmente, seu corpo foi velado em um caixão de bronze no Capitólio do Estado do Colorado, onde milhares de cidadãos prestaram homenagens. No entanto, foi seu funeral maçônico, em 3 de junho de 1917, que ficou registrado na história: o maior funeral maçônico dos Estados Unidos até então, com a presença de cerca de 15.000 irmãos e simpatizantes.

A cerimônia, conduzida pela Loja Golden City nº 1, contou com oito Cavaleiros Templários, devidamente trajados, como portadores do caixão. Em profunda simbologia maçônica, as palavras finais ressoaram os ideais de transcendência espiritual e fraternidade eterna:

“Seu espírito se eleva a Deus, que o concedeu; sua memória é guardada com carinho em nossos corações; seu corpo é confiado à terra.”

Embora tivesse manifestado o desejo de ser sepultado em Cedar Mountain, Wyoming — cidade que fundou em 1895 — foi enterrado no topo de Lookout Mountain, em Golden, Colorado, onde seu túmulo permanece até hoje.

O legado maçônico de Buffalo Bill

O legado de Buffalo Bill não reside apenas nas histórias de bravura do Velho Oeste ou nas exibições grandiosas de seu Wild West Show. Ele é também celebrado como um Maçom exemplar, que viveu e praticou com sinceridade os princípios da Ordem.

Instituições como o Buffalo Bill Center of the West, em Cody, e o Buffalo Bill Museum and Grave, em Golden, preservam sua memória não apenas como pioneiro e showman, mas também como um homem comprometido com valores atemporais de justiça, igualdade e respeito humano — fundamentos essenciais da Maçonaria.

Sua trajetória prova que, mesmo nos ambientes mais adversos e em tempos de profundas transformações sociais, é possível viver segundo os preceitos de fraternidade e serviço ao próximo. Como outros irmãos notáveis, Buffalo Bill personificou a busca contínua pela "Luz", objetivo maior da Arte Real.

Seus passos, ainda hoje, inspiram maçons e não-maçons a enxergar, no exemplo de sua vida, o verdadeiro sentido da construção de um templo interior baseado em retidão moral e fraternidade universal.

 


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