CAPÍTULOS DA HISTÓRIA DA MAÇONARIA ESPECULATIVA: DAS INFLUÊNCIAS DO ILUMINISMO (VIII)

Por Irmão José Ronaldo Viega Alves

“A Era do Iluminismo foi um movimento intelectual e filosófico que ocorreu na Europa do final do século XVII ao início do século XVIII. O Iluminismo valorizava o conhecimento obtido por meio do racionalismo e do empirismo, além de preocupar-se com uma série de ideias sociais e políticos, como a lei natural, a liberdade e o progresso, a tolerância a fraternidade,

o governo constitucional e a separação formal entre igreja e estado.”

COMENTÁRIOS:

Para o Maçom não seria difícil estabelecer algum tipo de conotação entre a definição acima e os ideais maçônicos que constam no Preâmbulo da Maçonaria (20) .

Por isso, dando cumprimento à proposta desta série, a qual foi delineada lá no Cap. I, onde se falava sobre propiciar ao leitor um panorama geral contemplando vários tópicos ligados, direta ou indiretamente, à história da Maçonaria Especulativa, não poderíamos deixar de abordar nenhum daqueles que foram citados naquela ocasião. Assim, no Cap. VII havíamos dado início ao tema referente à Sociedade Real ou Royal Society. Na continuidade, ainda relacionado ao que já vimos e à época aquela de grandes transformações em curso, o nosso foco se volta para agora o Iluminismo e as suas influências, eis que, quando esse movimento filosófico começava a grassar com suas ideias pela Europa, a Maçonaria dava seus primeiros passos em direção à sua fase Especulativa ou Moderna.

Todos os assuntos que foram reunidos para compor a série guardam relação entre si, eles englobam diferentes cenários, situações e influências e buscam construir uma história da Maçonaria Especulativa. No entanto, já sabemos de antemão que persistirão algumas lacunas, que por mais leituras, estudos e interpretações que tenhamos à nossa disposição não podemos contar com aquelas respostas dadas como definitivas.

No último capítulo apresentado (VII), como foi ventilado logo acima, ficamos conhecendo em parte, a história da Royal Society, que desde a sua criação contou com a presença de vários Maçons, sendo que, dentre eles alguns atuaram como fundadores daquele egrégio edifício da ciência. Com relação à essa proximidade existente entre a Maçonaria e a Royal Society, é fato notório que essa relação se estendeu por bem mais de um século. Uma primeira pergunta já se assomaria aqui neste momento: será que desse relacionamento tão duradouro seria possível medir o volume de ideias que reverberaram entre os Maçons- cientistas e os cientistas não Maçons, ou especificar melhor que tipo de influências soaram intercambiáveis e foram adotadas ao longo do caminho que as duas Instituições trilharam naquele período?

Ao explorarmos a questão das possíveis influências da Royal Society para com a nova Maçonaria em seu nascedouro, a pergunta que acabou de ser feita ao final do parágrafo anterior nos remete para uma outra que poderia vir em sua esteira e que está relacionada à corrente filosófica do Iluminismo. A Royal Society, uma sociedade que nasceu voltada para o estudo científico e que contou com vários Maçons entre seus membros, até que ponto absorveu as ideias dos iluministas?

Antes, vamos relembrar o seguinte trecho de autoria do Irmão Robert Lomas, que constou logo no início do Cap. VII da nossa série: “As raízes maçônicas da Real Sociedade foram sugeridas por muitos escritores, alguns como Alex Mellor que sugeriu inclusive que os fundadores da Real Sociedade iniciaram a Maçonaria, mas acredito que eu tenha mostrado que esse não é o caso. A Real Sociedade é filha da Maçonaria.” (Lomas, 2007, Pág. 267)

Consideremos: o Iluminismo é um produto do século XVII, que se prolongou até o século XVIII. A Royal Society foi fundada em 1660, portanto, no século XVII. A Maçonaria começou a receber praticamente os “Aceitos” a partir do século XVII. Então: quem influenciou quem?

As origens do movimento que foi chamado de Iluminismo, as suas influências na Maçonaria, as mudanças que provocou para a humanidade, e alguns dos nomes que se sobressaíram durante esse período, é o que veremos de maneira sucinta a partir daqui.

Num artigo que escrevi anos atrás para o informativo maçônico JB NEWS, cujo  editor era o saudoso Irmão Jeronimo Borges, assim comecei:  Um dia durante a leitura de um dos números da revista FILOSOFIA, deparei-me em suas páginas com o artigo intitulado “Das trevas para a luz”, da autoria de Carlos Florêncio.

Ao deparar-me com a resenha que aparecia logo após o título, depois de efetuar sua leitura a fiquei tomado da impressão de que estava lendo um trecho de um artigo maçônico ou peça de arquitetura. Nessa resenha eu pude ler o seguinte trecho:

“O Iluminismo surgiu com a promessa de oferecer aos homens as luzes da emancipação. Nosso principal desafio, agora, é superar os desvios cometidos após o advento dessa doutrina filosófica, saber lidar com a própria liberdade e construir uma sociedade mais justa e fraterna.”

Evidentemente, este último trecho e o outro trecho que apareceu mais acima, logo após o título do presente capítulo, ainda que oriundos de diferentes fontes, causam a mesma impressão: a de que, substituindo algumas das palavras, poderíamos estar nos referindo à doutrina maçônica.

Todos nós já ouvimos falar do que representou esse movimento, assim como,acerca do período da história em que ele se disseminou. Lembro que, nas aulas de História, ainda na escola, eram muito superficiais os estudos sobre o movimento. Muitos anos depois, já um Maçom, quando passei a buscar algo que fosse além dos Rituais maçônicos e esse algo fosse relativo à história da Maçonaria, em várias ocasiões topei com as referências ao Iluminismo e às suas influências na Maçonaria.

É inegável a influência dos ideais iluministas na Maçonaria Especulativa sob vários aspectos, eis que, num determinado momento da história, uma nova forma de pensamento emergiu para dissipar o obscurantismo que durante séculos havia se instalado na Europa.

Isso faz lembrar de outros acontecimentos em tempos mais remotos, e o exemplo vem lá da história dos gregos da Antiguidade: quando as respostas provindas supostamente dos deuses e das consultas aos oráculos já não satisfaziam mais e essa demanda por respostas só crescia, o contexto para o nascimento da Filosofia tinha sido criado.

A partir do século XVII, o movimento filosófico que ficou conhecido como Iluminismo começou a espalhar suas ideias pela Europa, que até então esteve mergulhada no misticismo e nas crenças religiosas, sendo que, com base nessas fontes eram fornecidas a maioria das respostas para as inquietações humanas.

Durante a Idade Média, o desenvolvimento intelectual e a busca do conhecimento estavam reservados praticamente ao clero. Dificilmente se poderia criar condições que possibilitassem a libertação das redes do radicalismo religioso que costumavam podar todas as outras formas de pensamento que não a sua, cerceando a liberdade de pensamento do ser humano.

A Maçonaria, como já dissemos, já vinha passando por um período de transição, e os “aceitos” cada vez se faziam mais numerosos. Com os ventos do Iluminismo já soprando fortes, muitas das ideias que vinham sendo disseminadas começavam a ser assimiladas, e alguns desses “Aceitos” já incorporando-as. Filósofos, homens de ciência, livres- pensadores, religiosos dissidentes, nobres liberais, membros da burguesia, enfim, representantes da sociedade como um todo, encontraram nas Lojas maçônicas o lugar ideal para se uniram no combate às ideias obscurantistas que reinaram por séculos a fio.

Um século de mudanças, pelo menos, onde grassaram ideias provindas dos iluministas e sendo colocadas em prática, de 1650 a 1750, recebeu o epíteto de “Século das Luzes”. Buscavam-se transformações em nome da liberdade em todos os sentidos, onde podem ser englobadas, a liberdade de expressão, de imprensa e de comércio. Com a secularização da sociedade nasceu um movimento disposto a dar fim às Instituições que detinham o domínio total de tudo e de todos: a Igreja Católica e o Estado Absolutista. Com esse pano de fundo, transcorridos alguns anos, oficialmente nascia também a Maçonaria Especulativa.

O mundo aquele onde imperava o absolutismo dos reis, ou, onde tudo girava em torno da ideia de que o rei e o poder que representava eram sagrados, permitia também um pensamento daí decorrente: o de que a sua vontade era o espelho da vontade divina.

Um mundo que também governado pelo clero, o qual detinha um poder paralelo, onde a Igreja se fazia mostrar com longos e muitos tentáculos, interferindo em toda e qualquer liberdade que não fosse aquela que ela permitisse, precisava passar por uma grande transformação, até porque nada pode durar para sempre, pois, tudo é transitório e tudo é finito.

O Iluminismo visava combater essa estagnação, esse tradicionalismo, e promover uma nova ordem política e social. Sendo assim, a democracia e o liberalismo se  viram valorizados pelos filósofos e economistas da época, que se intitularam propagadores da luz e do conhecimento.

Os pais do Iluminismo, podemos dizer assim, entre outros tantos, foram os filósofos John Locke, René Descartes, Voltaire (que chegou a ser iniciado na Maçonaria), Rousseau e Diderot.

O Iluminismo influenciou a Revolução Francesa, de onde o lema ‘Liberdade, Igualdade e Fraternidade’, depois acabou servindo de bandeira a outros movimentos sociais pelo mundo afora.

Mas, vejamos um pouco mais a respeito do pensamento iluminista e das influências e mudanças que acabaram chegando à Maçonaria, principalmente na Maçonaria Especulativa, com base no verbete que foi extraído do “Vade-Mécum Maçônico” do Irmão João Ivo Girardi:

“ILUMINISMO: (Lat. iluminare, de lúmen: luz) 1. O Iluminismo tem origem no Renascimento, o primeiro grande momento de construção de uma cultura burguesa, na qual a razão e a ciência são as bases para o entendimento do mundo. O desenvolvimento do capitalismo nos sécs. XVII e XVIII foi acompanhado pela crescente ascensão social da burguesia e sua tomada de consciência como classe social. Paralelamente, o racionalismo imperava na Europa, transmitindo a confiança de que a razão era o principal instrumento do homem para enfrentar os desafios da vida e equacionar os problemas que o rodeavam. O despertar da revolução industrial e o sucesso da ciência em campos como a física, a química e a matemática inspiravam filósofos de todas as partes. Surge, então, um novo mito, a ideia de progresso.

Havia a crença de que a razão, a ciência e a tecnologia tinham condições de impulsionar o trem da história numa marcha contínua em direção à verdade e à melhoria da vida humana. Aos poucos vai se desenvolvendo um pensamento que culminaria no movimento cultural do séc. XVIII denominado Iluminismo ou Filosofia das Luzes. Podemos dizer que na primeira metade do séc. XVIII o centro filosófico da Europa esteve na Inglaterra, em meados do século se desloca para a França, em fins do século para a Alemanha. Os filósofos deste período começaram a se rebelar contra o velho autoritarismo, propunham, baseado em Descartes, a reconstrução de tudo debaixo para cima, isto não se tardou a se voltar também contra o poder da Igreja, do rei e da aristocracia. Deste pensamento nasceu a Revolução francesa em 1789. À semelhança dos humanistas da antiguidade, como Sócrates e os estoicos, a maioria dos filósofos do Iluminismo tinham uma crença inabalável na razão humana. Isto era algo tão evidente que muitos chamam o período de iluminismo, principalmente o francês, de Racionalismo. Assim os filósofos iluministas consideravam sua tarefa de criar um alicerce moral, a ética e a religião que estivesse em sintonia com a razão imutável do homem. Dizia-se que era chegado o momento de iluminar as amplas camadas da população, ou seja, esclarecê-las. Esta seria a condição ‘sine qua non’ de uma sociedade melhor; e só quando a razão e o conhecimento se tivessem fundido entre todos é que a humanidade faria progressos. Era apenas uma questão de tempo para que desaparecesse a irracionalidade e a ignorância e surgisse uma humanidade, esclarecida. Para os iluministas, Deus está na natureza e no homem, que pode descobri-lo por meio da razão, dispensando a Igreja. Afirma que as leis naturais regulam as relações sociais e considera os homens naturalmente bons e iguais entre si – quem os corrompe é a sociedade.

Cabe, portanto, transformá-lo e garantir a todos, liberdade de expressão e culto, igualdade  perante a lei e defesa contra o arbítrio. Este pensamento dominou a Europa Ocidental até a poucas décadas. Hoje não estamos assim tão convencidos de que o progresso do conhecimento leva necessariamente a melhores condições de vida. Mas essa crítica da civilização já tinha sido feita pelos próprios filósofos do Iluminismo. No que se refere à religião, a maioria dos filósofos iluministas achava irracional imaginar um mundo sem Deus. Para eles, o mundo era racional demais para ser encarado de outra forma. A questão de saber se o homem possuía uma alma imortal também era mais uma questão da razão do que da fé. (...) Muitos professavam o chamado deísmo. Entende-se por deísmo uma concepção segundo a qual Deus criou o mundo em tempos de há muito passados, mas nunca se revelou a ele desde então. Desse modo, Deus é visto como um ser superior, que só se revela ao homem através da natureza e de suas leis.” (Girardi, pág. 284, 2008)

COMENTÁRIOS:

Se pararmos para analisar outros movimentos surgidos naquele mesmo período, iremos perceber que todos eles, no fundo, foram contagiados com as ideias utópicas que vem embutidas no arcabouço da doutrina iluminista. Não vamos nos aprofundar nessa questão, mas, podemos dizer que muitas das utopias criadas pelos filósofos daquela época foram influenciadas por ideias oriundas do Iluminismo, citando como exemplo, a criação de modelos de sociedades fundamentadas no binômio razão e ciência, a exemplo do que o filósofo e rosa-cruz Francis Bacon criou na sua obra Nova Atlântida (21) . O assunto por si só contém a possibilidade de vários desdobramentos, o que nos levaria certamente a discutir aqui a relação Maçonaria/utopia, ou tentando responder àquele tipo de pergunta capaz de nos tirar o sono: A Maçonaria tem raízes nas utopias, é utópica por natureza ou se transformou em utópica?

A Maçonaria busca construir o tipo de sociedade perfeita, isso se pode deduzir logo que fizermos a Leitura do Preâmbulo da Maçonaria. A Maçonaria foi influenciada e cultiva o sonho utópico da sociedade ideal. Mas, se juntarmos a Maçonaria, a Royal Society e os ideais dos filósofos iluministas veremos que o momento aquele clamava por mudanças, e podiam alimentar os sonhos mais utópicos. O clima era propício para tais desideratos.

Sim, o Iluminismo passaria a inspirar a doutrina filosófica da Maçonaria, contribuindo para que os Maçons imbuídos dos ideais iluministas buscassem melhorar o mundo e os seres humanos ao seu redor.

E aqui parafraseando o Irmão José Castellani, num artigo que escreveu sobre a Maçonaria Especulativa onde ele diz que: “A Maçonaria foi colocada na vanguarda não só do renascimento cultural e científico, mas também das lutas pelas grandes reformas sociais, através de suas participações nos grandes movimentos libertários da humanidade, de sua presença nos conflitos de ideias e de sua decisiva intervenção na solução dos grandes problemas internacionais. Não sendo órgão de nenhum partido político, ou agrupamento social, ela firmou o seu propósito de estudar e impulsionar todos os problemas referentes à vida humana, com a finalidade de assegurar a paz, a justiça e a fraternidade entre todos os homens e povos, sem distinção de raça, cor, religião e nacionalidade.” (Castellani, 1995, pág. 115)

Para encerrar, vamos reforçar o que foi dito até aqui, extraindo um trecho de um discurso intitulado “Maçonaria e Royal Society” de autoria do Irmão Gary Muir da Nova Zelândia, onde é respondida a seguinte pergunta: “O que é a Royal Society e como ela está conectada à Maçonaria?”

À certa altura, o Irmão Muir faz referência ao momento em que a Maçonaria praticamente se separou da Royal Society e fala dos rumos que cada uma das Instituições tomou, e é esse trecho vale a pena conhecermos. Está escrito assim:

“Em 1847, quase duzentos anos após o início da Sociedade, foi decidido que no futuro os ‘Fellows da Royal Society’ seriam eleitos apenas com base em seu trabalho científico. Isso viu a separação final dos caminhos com a Maçonaria. A Royal Society passou a se tornar a principal organização de cientistas profissionais que é hoje, enquanto a Maçonaria voltou ao segredo da loja e à perfeição do ritual. Talvez a tarefa da Maçonaria tenha sido feita como uma criança do Iluminismo. Os valores outrora secretos de tolerância religiosa, democracia e o direito de formar parlamentos tornaram-se universais. Em uma época em que a superstição e a magia governavam a razão e a Igreja reivindicava o monopólio do conhecimento ‘verdadeiro’, a Royal Society e os maçons apelaram ao uso da lógica e da experimentação para estabelecer os fatos da natureza. Essa nova abordagem profissional significava que a Sociedade não era apensas uma sociedade erudita, mas também uma sociedade de cientistas de fato.” (Muir, 2009)

CONTINUA...

NOTAS:

Preâmbulo da Maçonaria (20) : discurso que consta no Manual do Aprendiz Maçom, o qual apresenta a Maçonaria e define os seus objetivos. Nova Atlântida (21) : é um romance utópico da autoria de Francis Bacon (1561-1626) que foi publicado incialmente em julho de 1626, alguns meses após a morte do seu autor. Nessa obra, o autor expressa suas aspirações e ideais para a humanidade, expondo sua visão do futuro, que inclui a evolução do conhecimento humano. O romance descreve a criação de uma terra utópica onde " generosidade e iluminação, dignidade e esplendor, piedade e espírito público" são as qualidades comumente defendidas pelos habitantes da ilha mítica de Bensalem. Um dos centros dessa utopia é a Casa de Salomão, uma moderna universidade de pesquisa em ciências aplicadas e puras. A Casa de Salomão é considerada o padrão sobre o qual se baseiam as academias científicas do século XVII, e aqui podemos citar como exemplo a Royal Society inglesa. (fonte: wikipedia)

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