Até aqui já tivemos a oportunidade de conhecer vários componentes importantes, os quais atuaram e influíram durante o período de estruturação da Maçonaria Especulativa ou Moderna.
A chegada do Iluminismo com sua doutrina, que dava ênfase à razão e à ciência, e, anteriormente, o declínio de um poder onipresente da Igreja durante séculos (que com o tempo acabou propiciando um ambiente político mais favorável aos Maçons que não eram cristãos), entre outros acontecimentos, produziram as sementes que germinariam e cresceriam no campo das ideias, causando as tantas transformações sociais que passariam a vigorar nos novos tempos que adviriam. Para a Maçonaria, essa época não foi diferente, e aquilo que tinha sido até então uma lenta e silenciosa transição, passou a andar com passos mais acelerados.
O Iluminismo, como já vimos, era um movimento intelectual e filosófico que, na Europa dos séculos XVII e XVIII, buscou valorizar sobretudo o conhecimento assimilado por meio do racionalismo e do empirismo. Dentre os ideais iluministas podemos citar: o direito natural, o progresso, a liberdade, a tolerância, a fraternidade, o governo constitucional e a separação formal entre Igreja e Estado, o que nos permite inferir o quanto disso tudo acabou sendo influência fundamental para o ideário maçônico.
De acordo com o historiador britânico Norman Davies, a Maçonaria foi uma força poderosa a favor do liberalismo na Europa, desde 1700 até o século XX. E durante o Iluminismo ela se expandiu por todos os países da Europa, quando os Maçons se encarregaram de promover e difundir os ideais iluministas.
Sir Christopher Wren
No Capítulo VIII, que nos antecedeu, vimos o quanto dessas ideias foram incorporadas no seio da Royal Society. Para complementar o tema que vinha sendo desenvolvido a respeito dessa sociedade, que chegou a ser definida como uma espécie de “antecâmara da Maçonaria”, veremos na sequência um pouco do que foi a atuação de um de seus membros mais ilustres, o Maçom Sir Christopher Wren, o qual tinha sido citado muito rapidamente no Capítulo VII.
A escolha de Christopher Wren tem sua razão de ser: tomando como base o que ele vivenciou à sua época, bem poderíamos escolhê-lo como o Maçom que poderia representar aquele momento de transição: ele viveu entre a Maçonaria Operativa e a Maçonaria Especulativa. O fato é que, não obstante ele ter trabalhado juntamente com os operativos, como veremos em seguida, sua ligação com a Maçonaria parece ter progredido mais no contexto da Maçonaria Especulativa.
Ao consultarmos a cronologia publicada no Capítulo VI desta série, logo iremos perceber que, no que corresponde ao ano de 1666, o acontecimento que ali foi registrado é por demais significativo: o Grande Incêndio de Londres (22).
Também, a partir do exposto em nossos últimos capítulos, prestemos atenção em duas datas: a criação oficial da Royal Society em 1660 e o incêndio de Londres em 1666. Será possível afirmar que a Maçonaria Operativa do século XVII teve sua grande, efetiva e derradeira participação no cenário londrino durante esse período que sucedeu ao acontecimento funesto e em função da recuperação arquitetônica daqueles prédios que haviam sucumbido durante o incêndio?
É nesse contexto que se destaca a figura do Maçom Christopher Wren. Antes de prosseguirmos, tenhamos em mente que, em primeiro lugar, depois do ocorrido, toda a área de Londres que fora atingida pelo incêndio urgia ser reconstruída.
E foi escolhido e encarregado para conduzir o grande projeto de reconstrução da capital londrina Christopher Wren, um dos membros mais ativos da Royal Society, e que também fora um de seus fundadores.
Em segundo lugar: ao buscarmos informações relativas à biografia de Christopher Wren, é muito provável que nos deparemos com autores que reciclam antigas discussões relacionadas ao fato dele ter sido ou não Maçom. Para não perdermos tempo com essas diatribes, leiamos o trecho seguinte do artigo intitulado “Sir Christopher Wren, Arquiteto e Maçom,” da autoria de René Desagulier e Harold DORN & Robert MARK, numa tradução do Ir.´. José Filardo, que diz assim:
“Em primeiro lugar, em “A História Natural de Wiltshire” [Xiii], de John Aubrey; ele diz (tradução de René Desaguliers) ‘Hoje, segunda-feira, 18a. do ano de 1691, no dia após o domingo das Rogações [xiv], realizou-se na Igreja de Saint-Paul uma grande assembleia da Irmandade de maçons aceitos, na qual Sir Christopher Wren deve ser adotado Irmão (tradução voluntariamente literal de: is to be adopted a Brother), bem como Sir Henry Goodric de la Tour (de Londres) e alguns outros. Houve reis que pertenceram a essa confraria’. Além da probidade de Aubrey, Rene Desaguliers nota que no manuscrito, Aubrey riscou a palavra Maçom Franco e reescreveu em cima Aceito, permanecendo fiel à companhia dos maçons de Londres que haviam transformado o nome por volta de 1655-1656.
O segundo elemento quase indiscutível é o
anúncio da morte de Wren por meio da imprensa em o Postboy e o British Journal
que apresentam, ambos, ‘esse digno maçom’ (franco maçom), isto é, esse maçom
especulativo.”
E ainda para corroborar: conforme Alec Mellor, a condição de Maçom de Wren já foi provada. Sua pretensa grão-mestria na Franco-Maçonaria operativa, essa sim, nasceu pura e simplesmente da imaginação de James Anderson.
Outro detalhe importante: Christopher Wren foi citado no Capítulo 7 da série como presidente da Royal Society no período de 1680 a 1682.
Voltando agora à atuação de Christopher Wren durante o tempo em que esteve na Royal Society e concomitantemente à frente do projeto de reconstrução de Londres: o “plano mestre de Wren” (23), visando a reconstrução da capital londrina, consistia em redesenhar a cidade praticamente. No entanto, ele enfrentou resistências por parte dos antigos proprietários dos lugares atingidos, os quais tinham urgência em recuperar o que fora perdido, e por isso, o plano não chegou a ser implementado na sua totalidade.
De qualquer forma, a atuação de Wren foi impecável, realizando muitos projetos e supervisionando as construções. E Londres acabou passando, sim, por uma grande transformação do ponto de vista arquitetônico.
A maior parte dessa reconstrução, no tocante às casas e edifícios privados, teve suas obras concluídas até o ano de 1671.
A reconstrução da Catedral de São Paulo, uma das mais famosas obras arquitetônicas realizadas por Wren e que, por sua vez, é considerada o grande símbolo da reconstrução, somente foi finalizada em 1710.
E já que estamos falando da participação de Christopher Wren, vamos aproveitar o seguinte trecho, que é parte de artigo de autoria do Ir.´. João Anatalino, intitulado “O Tesouro dos Maçons (II)”, que poderá servir de auxílio quando buscamos estabelecer as conexões e os desdobramentos dos acontecimentos no âmbito da história da Maçonaria Especulativa:
“A Inglaterra surge como o berço da maçonaria especulativa regular durante a reconstrução da cidade após um incêndio de grandes proporções em sua capital Londres em setembro de 1666 que contou com muitos pedreiros para reconstruir a cidade nos moldes medievais. Para se manter, foram aceitas outras classes de artífices e essas pessoas formaram paulatinamente agremiações que mantinham os costumes dos pedreiros nas suas reuniões, o que diz respeito ao reconhecimento dos seus membros por intermédio dos sinais característicos da agremiação.
Essas associações sobreviveram ao tempo. Os segredos das construções não eram mais guardados a sete chaves, eram estudados publicamente. Todavia o método de associação era interessante, o método de reconhecimento da maçonaria operativa era muito útil para o modelo que surgiu posteriormente. Em vez de erguer edifícios físicos, catedrais ou estradas, o objetivo era outro: erguer o edifício social ideal. Na área da arquitetura, nessa altura, os maçons operativos já tinham perdido a maior parte do seu prestígio, uma vez que a forma arquitetônica tradicional deles, a gótica, havia caído em desuso, eclipsada pelo modelo neoclássico. Porém, em 2 de setembro de 1666, um grande incêndio irrompeu na cidade de Londres, destruindo mais da metade da cidade − cerca de quarenta mil casas e oitenta e seis igrejas. Nesta ocasião, os maçons operativos foram chamados para participar do esforço de reconstrução da cidade, sob a direção do renomado mestre arquiteto Christopher Wren, que foi logo iniciado Maçom. Foi no canteiro de construção da igreja de S. Paulo, presidido por ele, que em 1691, foi fundada a Loja São Paulo (em alusão à igreja), conhecida como Loja da taberna “O Ganso e a Grelha”, uma das quatro que, em 1717, iria, juntamente com as outras três Lojas londrinas, se unirem para a fundação da Grande Loja de Londres. Nasceria dessa fusão a Maçonaria moderna, na sua forma institucional.”
COMENTÁRIOS
O que foi demonstrado até aqui a respeito da Royal Society e dos seus membros bem ilustra a participação de muitos deles no âmbito maçônico também. Christopher Wren ter sido escolhido para fecharmos esse assunto tem a ver com sua projeção indiscutível de arquiteto, de cientista e de Maçom, sendo que, como já havíamos mencionado, ele veio para representar a mudança que estava em curso, ou essa que era uma nova fase da Maçonaria.
Perguntemos então: quando Christopher Wren foi presidente da Royal Society, no período de 1680 a 1682, será que a Maçonaria já deveria ser considerada como sendo Especulativa?
Maçonaria Especulativa na Irlanda antes de 1717?
A resposta não teria como ser dada em caráter definitivo, eis que, se a Maçonaria já caminhava nesse sentido, o certo é que essa denominação só passou a ser utilizada a partir do século XVIII.
Voltemos no tempo, somente para esclarecer a questão que pairou no título acima e que, ao transcrevermos um trecho do artigo intitulado “O Trinity Tripos, Jonathan Swift e a Maçonaria Especulativa na Irlanda antes de 1717”, esperamos dar com a resposta: (O artigo foi publicado no site “Bibliot3ca.com” e foi traduzido pelo Ir.´. J. Filardo)
“Um manuscrito conhecido como “O Trinity Tripos”, datado de 11 de julho de 1688, foi trazido à luz em um livro publicado pelo Rev. John Barrett, (Vice-Reitor, de 1806 a 1821, Trinity College, Dublin) em 1808. Este MS. (Manuscrito) mostra claramente que a Maçonaria especulativa estava sendo gerada na década de 1680, cerca de 37 anos antes da primeira reunião registrada da Grande Loja da Irlanda em 1725. (...) A importância do Manuscrito Trinity Tripos de 1688 não pode ser subestimada, pois este documento, sem dúvida, estabelece que a Maçonaria especulativa era bem conhecida na Irlanda em 1688, cerca de trinta e sete anos antes da primeira reunião registrada da M.W, Grande Loja da Irlanda em 1725.”
Fazendo a ligação entre alguns pontos: vimos que Christopher Wren foi presidente da Royal Society no período de 1680-1682, e vimos também no trecho que acabamos de ler que o manuscrito Trinity Tripos deixou claro que a Maçonaria Especulativa estava sendo gerada na década de 1680.
Consultando mais uma vez o cronograma elaborado no Capítulo VI, veremos que ali estão selecionados alguns dos acontecimentos importantes registrados nessa década, os quais direta ou indiretamente incidiriam na formação e consolidação daquela que passaria a ser a Maçonaria Especulativa.
Se tivéssemos prosseguido na transcrição do Manuscrito Trinity Tripos, mais adiante, foi utilizada a seguinte expressão: “maçonizado da nova forma”.
Uma última nota, a de nº13, ao final do artigo, teve como objetivo esclarecer aquela expressão, sendo que, ela teria sido usada pelo escritor Jonathan Swift; na verdade, descobriu-se que a autoria era de um colega de Swift quando este frequentou o Trinity College.
Na nota em referência, temos o significado para a expressão: (o que poderá ser conferido ainda junto ao artigo citado e que foi publicado no site “Bibliot3ca.com”, traduzido pelo Ir.´. J. Filardo)
“[13]‘Maçonizado da nova forma’ parece indicar que seria no modelo de maçonaria especulativa introduzida no século XVII na Escócia e Irlanda, e não em 1717 pelos ingleses da Grande Loja de Londres.”
Temos agora um período, o qual pode ser
entendido como o mais adequado para representar o início da Maçonaria
Especulativa: a década de 1680. Um começo na Escócia com desdobramentos e
continuação na Inglaterra?
CONTINUA...
NOTAS
Grande Incêndio de Londres (22): desastre de grandes proporções que devastou o centro de Londres entre os dias 2 e 6 de setembro de 1666. O incêndio causou a destruição material que foi estimada aproximadamente em 13.500 casas, 87 igrejas paroquiais, 44 sedes de corporações, a Royal Exchange, a Alfândega, a Catedral de São Paulo, o Palácio de Bridewell e outras prisões da cidade, o General Letter Office, além dos três portões ocidentais da cidade, Ludgate, Newgate e Aldersgate. Os dados sobre as mortes são contraditórios, e nunca se saberá ao certo o número de vítimas. (fonte: wikipedia).
“plano mestre de Wren” (23): o plano original
de Wren para a reconstrução de Londres nunca chegou a ser implementado, mas
acabou produzindo um impacto cultural significativo. Wren desejava uma Londres
rivalizando em beleza, do ponto de vista arquitetônico, com a cidade de Paris,
tanto que seu plano continha uma grande quantidade de grades, bulevares,
edifícios barrocos, grandes igrejas e monumentos. Infelizmente, seu plano nunca
foi executado, tal como ele planejou originalmente. St. Paul's e algumas
igrejas foram as únicas construídas. A decisão que foi tomada na época, de não
implementar o plano, foi criticada por autores posteriores, como Daniel Defoe,
e foi frequentemente citada por defensores da saúde pública. Também foi objeto
de destaque em livros didáticos para a nascente disciplina de planejamento
urbano, além de ser também referenciado em relatórios sobre a reconstrução de
Londres após a Segunda Guerra Mundial. (fonte: wikipedia)
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