Capítulos Da História da Maçonaria Especulativa: dos Anos Antecedentes à Fundação da Grande Loja de Londres (X)


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Por Ir.'.  José Ronaldo Viega Alves

Uma revisão dos principais fatores e algumas complementações necessárias

Com referência àqueles fatores considerados mais importantes, os quais contribuíram para as transformações na Maçonaria Operativa e supostamente responsáveis diretos pelas mudanças que ocasionaram o surgimento da Maçonaria Especulativa, cabem ainda algumas complementações:

A aceitação de indivíduos que não eram pedreiros, mas profissionais liberais, nobres, adeptos da filosofia natural, entre outros, que acabaram influenciando e transformando definitivamente a natureza da Maçonaria, até então formada de homens dedicados à arte da construção de edifícios, templos, catedrais e fortificações.

No entanto, o francês Alec Mellor, que foi um grande estudioso da Maçonaria, reportando-se ao assunto dos “aceitos”, deixa uma pergunta no ar:

“Que a Maçonaria tenha terminado por ser formada oficialmente por membros ‘aceitos’ não nos explica por que motivos ela se tornou ‘especulativa’. Quantas associações, desde a época das Guildas, praticaram do mesmo modo a concessão da dignidade honorária sem, por isso, terem o mesmo destino?” (Mellor, 1989, pág. 14)

A criação da Royal Society, uma sociedade voltada para a ciência, fortemente influenciada pelo Iluminismo, e que contava entre os seus membros com vários Maçons. Além de reunir indivíduos para o estudo da ciência, essa sociedade era capaz de manter ainda um interesse também pela Alquimia, pelo Hermetismo, pelo Rosacrucianismo (24), o que, de certa forma, acabou gerando reflexos ou influenciando no cadinho primordial das ideias que levaram à criação e à formação da Maçonaria Especulativa.

Talvez os maiores expoentes dessa relação da ciência com o hermetismo tenham sido Francis Bacon e Isaac Newton, mas até agora ninguém conseguiu comprovar se algum deles era Maçom. Levando em conta, então, esta última condição, um dos nomes que mais se destacaram nesse cenário foi o de John Theophilus Desaguliers, tanto que o Ir.’. Alain Bauer descreveu-o assim:

“Curador das experimentações da Royal Society a partir de sua eleição. Desaguliers aparece como do deus ex-machina da criação da Franco-Maçonaria Especulativa. Se a Franco-Maçonaria fosse uma religião, Newton seria o Cristo mediador e Desaguliers, o seu Profeta. Personagem cuja vida testemunha todos os rasgos religiosos, assim como todos os debates intelectuais da Europa do fim do século XVII, Desaguliers expressa, principalmente por suas origens, valores reencontrados naturalmente nas fontes da Maçonaria Especulativa inglesa, em Londres na década de 1720.” (Bauer, 2008, pág. 71)

Mas não podemos esquecer de Elias Ashmole, descrito assim pelo Ir.’. Alain Bauer:

“Elias Ashmole, nascido em 1617 em Lichfield, é um personagem emblemático desses Antiquários e o elo que os liga à Franco-Maçonaria nascente. Autor de trabalhos de erudição histórica, que fazem época, físico e astrólogo, ele é também autor de textos alquímicos e um colecionador apaixonado.” (Bauer, 2008, pág. 45)

A reconstrução de Londres após o grande incêndio, que, na visão de alguns estudiosos, deu à Maçonaria uma espécie de sobrevida, já que durante esse período a atuação dos Maçons foi fundamental para as lojas também.

E não faltaram teorias curiosas e suposições numa ligação com a reconstrução de Londres, que, como já sabemos, foi conduzida por um Maçom e membro da Royal Society, Sir Christopher Wren. A título de exemplo, transcrevemos a que foi colocada pelo Ir.’. Bauer em seu livro:

“Em sua obra The New Jerusalem, Rebuilding London: The Great Fire, Christopher Wren and the Royal Society (A Nova Jerusalém, Reconstruindo Londres: O Grande Incêndio, Christopher Wren e a Royal Society), Adrian Gilbert coloca em cena, de maneira controversa, a reconstrução de Londres após a devastação de 1666 por um grupo de membros da Royal Society, supostos franco-maçons, segundo uma teoria baseada no Templo de Salomão. Durante a década de 1970, John Mitchell tentara a mesma abordagem a respeito da construção da Abadia de Glastonbury em Somerset.” (Bauer, 2008, pág. 54)

E ainda relacionada ao episódio da reconstrução, podemos citar alguns trechos do artigo intitulado “1717 – Um Mito?”, de autoria de Anders Omberg, que foi publicado nessa mesma revista (vide O Malhete, edição nº 164, dezembro de 2022):

“Em 1666, Londres queimou até o chão e, como resultado, houve um influxo de trabalhadores irlandeses e escoceses que fizeram florescer a vida da loja em Londres.”

Já numa outra passagem desse artigo, o autor escreveu assim:

“O que sabemos com certeza é que, por volta de 1600, duas formas distintas de Maçonaria puderam ser identificadas na Inglaterra e na Escócia, respectivamente. Na Inglaterra, esta Maçonaria estava ligada às chamadas ‘Old Charges’, e na Escócia estava ligada aos Estatutos de William Schaw.”

Obs.: A respeito das “Old Charges”, favor consultar a Parte II desta série (O Malhete, nº 187). Sobre os “Estatutos de William Schaw”, a Parte V da série (O Malhete, nº 191).

Agora, completando as transcrições extraídas do artigo de Anders Omberg:

“Eram manuscritos, leis e regras que serviam para regular o que podemos chamar de grêmios de artesãos. Os detalhes rituais que cercam essas lojas maçônicas são amplamente desconhecidos da posteridade, mas está documentado que essa maçonaria se desenvolveu ao longo do século XVII e recrutou mais homens dos estratos sociais superiores da sociedade.”

COMENTÁRIOS:

Considerando o que acabamos de ler logo acima, especialmente sobre a assertiva de que, por volta do ano 1600, havia duas formas distintas de Maçonaria se projetando, é aceitável supor que podemos ter chegado bem próximo à época que julgamos adequada no sentido de apresentar um início plausível para a Maçonaria Especulativa: a década de 1680 (citada ao final da Parte IX). No entanto, nada nos impede de recuar até um pouco mais e situar a aurora da Maçonaria Especulativa a partir da metade do século XVII.

Mas, antes que se passassem as duas primeiras décadas do século seguinte, o XVIII, no ano de 1717, aí sim, oficialmente, disporíamos de um marco inicial para a Maçonaria Especulativa, ou seja, por ocasião da fundação da Grande Loja de Londres.

A situação da Maçonaria na Inglaterra no fim do século XVII e começo do século XVIII

Vejamos o seguinte extrato retirado do artigo “Propósitos da Primeira Grande Loja de Londres”, da autoria de Ailton Branco:

“...na história da maçonaria mundial, a confraria na Inglaterra mostrava duas realidades distintas: os maçons católicos, que faziam suas reuniões em locais cedidos pela Igreja, e os maçons não católicos, que se reuniam em locais públicos, como tavernas e hospedarias. As Lojas que reuniam Maçons cristãos obedeciam à ritualística simples, organizada para as recepções aos candidatos e para as trocas de grau. Eram lideradas pela pujante Loja de York. As lojas constituídas por maçons judeus, muçulmanos e budistas, e que se reuniam em tavernas, eram informais. As reuniões, em ágapes, destinavam-se às trocas de ideias variadas e às relações sociais. A concorrência entre os dois segmentos da Maçonaria britânica era acirrada, até com episódios de violência contra o patrimônio.”

Para que tenhamos uma ideia mais abrangente sobre o período, vejamos na sequência a opinião expressa pelo historiador e pesquisador Luiz Mario Ferreira Costa, em seu artigo “A Maçonaria Operativa e Especulativa – Uma Discussão em Torno das Origens da Ordem”, a qual está fundamentada na teoria do historiador britânico David Stevenson (25):

“No início do século XVIII, a Inglaterra assumiu a liderança no desenvolvimento da Maçonaria, mesmo assim, a influência escocesa permaneceu muito forte. Para o autor, a fase escocesa ou renascentista da Maçonaria – tanto na Escócia como na Inglaterra – só foi superada quando valores iluministas foram incorporados ao movimento. Na medida em que a ‘Idade da Razão’ alvorecia, a Maçonaria – nascida na Renascença – era adaptada para se acomodar ao novo clima intelectual.”

E voltando outra vez ao artigo de Ailton Branco, num outro trecho:

“Os intelectuais e cientistas da Royal Society, dentre eles vários maçons, eram contra a influência da Igreja, porque essa pregava a ideia do criacionismo para explicar o surgimento do mundo. A Igreja apoiava sua posição nas teses dos filósofos antigos, nas Sagradas Escrituras e na autoridade da fé e da santidade dos padres. Os integrantes da Royal Society adotaram o lema ‘Nullius in Verba’ (26), para mostrar que acreditavam na verdade dos fatos, obtida através da experiência científica e não ditada pela palavra de alguma autoridade. Combatiam, também, a Escolástica (27), que era uma linha dentro da filosofia medieval com elementos notadamente cristãos.”

Ora, depois das influências do Iluminismo, começava a se formar uma Maçonaria que dava ênfase para a razão e o conhecimento, e que deixava perceber objetivos bem maiores do que apenas a construção, eis que seus membros agora se reuniam para promover debates e, ao mesmo tempo, o crescimento pessoal e moral.

Esse estado de espírito, essa fraternidade e tolerância, essa nova forma de pensar a Maçonaria, que havia encontrado seu nascedouro praticamente no seio da Royal Society, se estenderia e passaria a ser adotada por aqueles primeiros clubes maçônicos de Londres.

A Maçonaria foi inventada pelos escoceses do século XVI ou pelos londrinos em 1717?

Esta pergunta que não quer calar, e que acaba vindo à tona cada vez que enveredamos pelos caminhos da formação da Maçonaria Especulativa, foi citada pelo Ir.’. João Ivo Girardi em seu artigo intitulado “A CHAVE ESCOCESA – Uma Investigação sobre as Origens da Maçonaria – 2ª Parte”, e tem uma resposta dada pelo Ir.’. John Hamill (28):

“Os escoceses acreditam que ela começou lá, os ingleses que começou na Inglaterra.”

É uma discussão que ainda não acabou. Em um artigo do Ir.’. Robert Hughs Montgomery, da Nova Zelândia, ele chegou à seguinte conclusão:

“Até que evidências documentais possam mostrar o contrário, a Maçonaria Especulativa deve agora ser considerada uma consequência da publicação dos Estatutos de Schaw na Escócia em 1598 e 1599, não importando o quão desconfortável isso seja para os irmãos de Londres.”

Uma outra opinião, agora a do Maçom e estudioso francês Roger Dachez, vai de encontro à opinião anterior, porém mais completa. Vejamos:

“A Escócia não inventou a Maçonaria Especulativa. Ela criou, sob a liderança de William Schaw, as estruturas de uma Maçonaria Operativa bem organizada, que servirá indiscutivelmente de modelo para a Maçonaria Especulativa que se organizará no início do século XVIII. Fez, especialmente, com que pedreiros não operativos, que nunca tinham pertencido ao ofício, assegurassem que este frágil frasco pudesse ser usado além da ‘fronteira do norte’ (Northern Border) e que, colocando o pé em solo inglês, pudesse espalhar-se. Desse modo, pode-se compreender por que a Maçonaria inglesa do século XVII é, ao mesmo tempo, especulativa.”

Outros fatores

O Ir.’. Girardi finaliza o seu artigo da seguinte maneira:

“Muitos elementos diferentes assim foram reunidos para criar a Maçonaria: os construtores escoceses, os Antigos Deveres ingleses, o surgimento dos clubes londrinos, a criação de organizações de ajuda mútua. Uma elite obcecada tanto pelas relações interpessoais quanto pelo progresso científico. Todos esses fatores foram reunidos e se fundiram para criar uma das partes mais fascinantes da história humana. Uma história rica, sobre a qual as pesquisas estão apenas começando, uma história que continua sendo escrita.” (Fonte: Documentário The Scottish Key – An Investigation into the Origins of Freemasonry, NatGeo, 2009)

Nas palavras do Ir.’. Alain Bauer, entre os anos de 1700 e 1717 essa Maçonaria se deparou com o problema relativo à sua existência, em meio a um processo lento, porém de maturação e de elaboração. (Bauer, 2008, pág. 15)

E ainda no entendimento de Alain Bauer: todos os dados documentários relativos à Maçonaria Especulativa foram se acumulando em um ritmo crescente no último trimestre do século XVII, para atingir o seu auge no ato simbólico que constituiu a criação, em 1717, da Grande Loja de Londres, assunto do nosso próximo capítulo.

CONTINUA...

NOTAS:

Rosacrucianismo (24): movimento espiritual e cultural surgido na Europa moderna do início do século XVII após a publicação de vários textos que anunciavam ao mundo uma nova ordem esotérica. Muitos Maçons que se destacaram naquela época eram rosa-cruzes também.

David Stevenson (25): (1954 - ...) historiador escocês, autor do livro “As Origens da Maçonaria: O Século Da Escócia (1590-1710). Nesse livro, ele investiga sobre alguns dos mistérios que ainda persistem com relação às origens da Maçonaria, buscando localizar na Escócia evidências das suas origens escocesas ao final do século XVI e no século XVII para depois mostrar o resultado das suas pesquisas com relação às influências que acabaram chegando à Inglaterra modificando bastante o panorama anterior, e ainda se espalhando depois pelo continente durante o século XVIII.  

Nullius in verba (26): ("Nas palavras de ninguém", em latim) é o lema da Royal Society. O site da Sociedade explica que o lema é uma expressão da determinação dos Membros da Sociedade em resistir à dominação de autoridade e em verificar qualquer afirmação através de fatos determinados por experimentação. A expressão veio da epístola de Horácio e seu colaborador Caiopn Cílnio Mecenas, onde ele afirma não ser devoto de nenhuma seita específica, mas sim um homem eclético por natureza. (fonte: wikipedia)

Escolástica (27): ensinamento e doutrina da Escola: designa-se assim a Filosofia e a teologia ensinadas na Idade Média, na Europa, a partir do século IX (e até o século XVII, aproximadamente). Trata-se essencialmente de conciliar fé e luz natural (razão). A partir de São Tomás (séc. XVIII), a influência de Aristóteles será preponderante. (Fonte: Dicionário de Filosofia”)

John Hamill (28): foi durante muito tempo bibliotecário e curador da Grande Loja Unida da Inglaterra. Past Master da Loja de Pesquisas Quatour Coronati, nº 2076.

 (*) José Ronaldo Viega Alves
Or.'. Santana do Livramento - RS



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