O rei Zedequias foi o vigésimo e último soberano de Judá, deposto pelas forças do rei da Babilônia, Nabucodonosor II. Conhecido como Tsidkiahú, ascendeu ao trono com apenas vinte e um anos de idade, reinando sobre Jerusalém. Sua mãe era Hanar bat Irmiahú, natural de Livina. Durante seu governo, Zedequias trilhou caminhos de iniquidade perante os olhos do Eterno, seguindo os passos de seu antecessor, Iehoiakim.
Segundo o capítulo 25 do Sefer Melakhim Bet, no décimo dia do décimo mês do nono ano de seu reinado, Nabucodonosor marchou contra Jerusalém com todo o seu exército. Cercaram a cidade, levantaram acampamentos ao seu redor e a sitiaram com rigidez. A calamidade atingiu o clímax no décimo primeiro ano do reinado de Zedequias.
No nono dia do quarto mês, quando a fome assolava intensamente o povo e não havia mais pão em Judá, a muralha da cidade foi transpassada. Em desespero, todos os guerreiros fugiram à noite pelo portão entre os dois muros, próximo ao jardim do palácio. Contudo, o exército caldeu perseguiu e capturou o rei e seus soldados nas planícies de Jericó, terra marcada por antigos mistérios e transições espirituais.
Zedequias foi conduzido a Rivlá, onde se encontrava Nabucodonosor, para ser julgado. Ali, numa cena de profundo simbolismo trágico, seus filhos foram degolados diante de seus olhos, os quais, em seguida, foram arrancados. A visão, símbolo do discernimento e da luz espiritual, foi-lhe tirada, encerrando o ciclo de sua queda. Em seguida, foi acorrentado com cadeias de bronze — metal que representa julgamento e purificação — e levado como prisioneiro à Babilônia, centro do exílio e da dispersão.
Ainda conforme Melakhim Bet, no sétimo dia do quinto mês do décimo nono ano do reinado de Nabucodonosor II, Nevuzaradã, capitão da guarda babilônica, veio a Jerusalém. Ateou fogo à Casa do Eterno, ao palácio real e a todas as residências da cidade sagrada. As muralhas foram demolidas e o povo, que já se havia rendido, foi levado cativo para a Babilônia. Contudo, os mais humildes da terra foram poupados, permanecendo como lavradores e cuidadores das vinhas — símbolo da esperança que brota do remanescente.
Os caldeus profanaram o Templo do Altíssimo: despedaçaram as colunas de bronze Boaz e Jaquin, pilares simbólicos da dualidade sustentadora da criação, e também o grande mar de bronze. Tomaram os utensílios sagrados — panelas, pás, apagadores, menorás e demais instrumentos dedicados ao serviço do Eterno. Todo o ouro e as riquezas depositadas na Casa do Senhor foram levados, encerrando um ciclo de luz que agora se apagava sob o jugo do exílio e da escuridão.
Nabucodonosor reinou por 43 anos e morreu com cerca de 70 anos de idade. Após sua morte, seu filho Evil-Merodaque ascendeu ao trono, reinando por apenas dois anos, sendo sucedido por seu filho Beltshatsar.
Conforme o capítulo 5 do Livro de Daniel, Beltshatsar promoveu um grande banquete para mil dos seus nobres. Embriagado, ordenou que trouxessem as taças de ouro da Casa do Eterno para que ele, suas concubinas e convidados bebessem. Louvaram deuses de ouro, prata, cobre, ferro, madeira e pedra.
Foi então que dedos de uma mão humana surgiram e escreveram algo sobre o reboco da parede do palácio, diante dos candelabros. Ao presenciar a cena, o semblante de Beltshatsar empalideceu e, tomado por terror, convocou magos, sábios e astrólogos para decifrar a mensagem: “Qualquer um que leia o que foi escrito na parede e me esclareça sua interpretação receberá vestes de púrpura, uma corrente de ouro e reinará sobre um terço de meu reino.”
Nenhum deles conseguiu interpretar. Então a rainha-mãe declarou: “Há um homem em teu reino no qual habita o espírito dos santos deuses. Nos dias de teu avô, manifestaram-se nele luz, entendimento e sabedoria. Ele se chama Daniel.”
Daniel foi chamado, recusou as recompensas e disse: “Conserva contigo os teus presentes, e dá tuas honrarias a quem quiseres.” E leu a inscrição: “Menê, Menê, Tekel e Parsin.”
Daniel interpretou:
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Menê – Contado: Deus contou os dias do teu reinado e determinou seu fim.
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Tekel – Pesado: Foste pesado na balança e foste achado em falta.
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Parsin – Dividido: Teu reino foi dividido e entregue aos medos e persas.
Sob a luz do esoterismo hebraico, essa inscrição não é apenas uma sentença política: é uma revelação arquetípica dos ciclos iniciáticos da alma. Os quatro termos correspondem aos quatro mundos da Cabala, aos quatro elementos da criação e às quatro etapas do juízo interior.
Menê, repetido duas vezes, refere-se aos mundos de Atziluth (Emanação) e Briáh (Criação), onde a sentença é pronunciada e estruturada. Tekel representa Yetzirah (Formação), o plano do discernimento e da razão. Parsin expressa Assiah (Ação), onde o julgamento se concretiza.
Essas quatro palavras refletem também um ciclo alquímico: Menê como a calcinação; Menê (2) como a dissolução; Tekel como a separação; Parsin como a coagulação.
Naquela noite, cumpriu-se a profecia: a Babilônia foi invadida, Beltshatsar foi morto, e Dariávesh, o medo, assumiu o trono com 62 anos.
Mais tarde, no primeiro ano do reinado de Córesh (Ciro), para que se cumprisse a palavra do Eterno dada por Jeremias de que o cativeiro duraria 70 ciclos, o Espírito do Santíssimo despertou o coração do rei. Ele proclamou:
“O Eterno, Deus dos céus, concedeu-me domínio sobre todos os reinos da terra e me encarregou de Lhe edificar uma casa em Jerusalém, que está em Judá. Levantem-se, pois, os chefes das casas de Judá e Benjamim, os sacerdotes, os levitas e todos cujo coração for movido por Deus, e subam a Jerusalém para ali reconstruírem a Casa do Eterno.”
Ciro restituiu todos os utensílios sagrados retirados por Nabucodonosor: trinta bacias de ouro, mil bacias de prata, vinte e nove facas rituais, trinta taças de ouro, quatrocentas e dez taças menores de prata e mil outros recipientes. Segundo Ezrá (Esdras) 1:11, totalizaram 5.400 peças.
O povo do Senhor retornou da Babilônia, cada família para sua cidade ancestral. À frente dessa marcha sagrada estavam nomes como Zorobabel, Ieshúa, Nehemiá, Seraiá, Mordehai, Rehum e outros — arquétipos de retorno e reconstrução.
No sétimo mês, reunidos como um só homem em Jerusalém, Ieshúa ben Iotsadac e Zorobabel ben Shealtiel erigiram o altar ao Eterno. No segundo mês do segundo ano, iniciaram a reconstrução do Templo com a participação dos levitas — gesto coletivo de reparação e renascimento.
A reconstrução do Templo ultrapassa o fato histórico. Segundo Carl Jung, os símbolos mais poderosos emergem do inconsciente coletivo como arquétipos. O Templo de Salomão torna-se, assim, símbolo da alma em processo de aperfeiçoamento.
Como disse Paulo: “Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” (I Coríntios 3:16–17). O Templo é o santuário interno onde habita a centelha divina.
Hiram Abiff é, nesse contexto, o arquétipo do Homem Perfeito — o Adam Kadmon — e, filosoficamente, pode ser comparado ao Übermensch de Nietzsche. Hiram representa virtude e perfeição, enquanto Salomão representa o Logos criador.
Contudo, esse Homem Perfeito é assassinado pelas forças instintivas da própria psique. A destruição do Templo é consequência da desconexão espiritual entre o homem e o Eterno. Toda violação da Lei interna provoca colapso da alma.
Após a ruína, vem o chamado ao retorno. Ciro simboliza o renascimento da consciência. O homem deve sair do cativeiro interior, libertar-se de suas prisões mentais e reconstruir seu templo vivo.
A Ponte de Gabara, embora ausente da Tanakh, é um símbolo iniciático da transição entre estados de consciência. Como ensina Jung, o símbolo manifesta o indizível. A ponte liga mundos, reconcilia opostos e marca travessias.
Ela representa o ternário sagrado, a união entre matéria e espírito. É símbolo da grande obra alquímica da alma: o homem rude atravessa o abismo e emerge purificado.
A ponte simboliza o momento crucial da travessia interior. Após o exílio e o sofrimento, o homem decide cruzá-la, rompendo com o ego e emergindo para uma realidade mais sutil e sagrada.
Cruzá-la é reconhecer a queda, purificar-se no exílio e caminhar rumo à reintegração. Apenas quem aceita morrer em seus aspectos inferiores pode reerguer o altar da Shekinah dentro de si.
A jornada do povo de Judá é um chamado atemporal. Cada personagem e símbolo reflete um drama arquetípico dentro de nós. A destruição do Templo exterior revela a queda interior; sua reconstrução marca o renascimento daquele que ousa tornar-se Templo vivo do Eterno.
Cruzando a Ponte de Gabara, o iniciado entra em sua Jerusalém interior, não como um viajante, mas como um reconstrutor. O altar é reerguido, a Shekinah retorna, e a consciência se ilumina. Eis o verdadeiro sentido da iniciação: não erguer templos de pedra, mas fazer do próprio coração o Tabernáculo do Espírito.
Membro da Academia Campinense de Letras
Cadeira 23: Castro Alves
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