Em tempos marcados pela urgência da visibilidade, pela aceleração do discurso e pela fetichização da transparência, a Maçonaria segue seu caminho em silêncio. Longe dos holofotes e do frenesi da contemporaneidade, essa antiga instituição permanece fiel a uma tradição que resiste não por inércia, mas por escolha. Este artigo convida à contemplação desse modo de existir discreto, profundo e cada vez mais raro, que é o de uma Maçonaria sem alarde.
A Sombra
do Suspeito
No Brasil, como em tantas outras partes do
mundo, a Maçonaria é objeto constante de desconfiança. Para alguns, trata-se de
uma fraternidade iluminada, herdeira de tradições iniciáticas milenares. Para
outros, é um poder oculto, infiltrado nas engrenagens do Estado. Essa última
imagem, mais espalhada e persistente, encontra terreno fértil em uma cultura
que prefere a narrativa do complô à investigação da complexidade.
Mas será que essa desconfiança resiste a uma análise honesta? É lícito duvidar — tanto da Maçonaria quanto das fontes e intenções daqueles que a acusam. Afinal, a realidade é muitas vezes mais simples do que a paranoia faz crer: homens reunidos em silêncio, em torno de símbolos que não ocultam, mas cuidam. A Maçonaria não se esconde para dominar, mas para preservar. Ela não é uma sombra ameaçadora, mas um espaço interior de busca e transformação.
O
Silêncio que Guarda e Transforma
Na contramão do espetáculo contemporâneo, a
Maçonaria pratica um silêncio que não é vazio, mas presença densa. Esse
silêncio não afasta — convida. Ele não é omissão, mas resistência ativa ao
ruído constante que esvazia o sentido. Na Loja, o silêncio é um rito, uma
disciplina. O Aprendiz é chamado a escutar mais do que falar, a absorver antes
de reagir. E, com o tempo, esse exercício se reflete na vida: torna-se postura
ética, forma de respeito, maturidade interior.
Silenciar, aqui, não é fugir. É compreender que as palavras têm peso e que o pensamento precisa de tempo e espaço para florescer. Em tempos de opiniões fáceis e polarizações agressivas, o silêncio maçônico é um ato político — não de partidarismo, mas de profundidade. É o mesmo silêncio que se encontra em bibliotecas, ateliês, mosteiros: espaços onde algo está sempre sendo gestado.
O
Poder do Símbolo
Mais que uma doutrina, a Maçonaria é uma
pedagogia simbólica. Seus instrumentos — esquadro, compasso, avental — não são
fetiches, mas metáforas vivas. O símbolo, diferente do conceito, não informa:
transforma. Ele não se explica, se vive. Exige tempo, paciência, abertura.
Resiste à lógica da simplificação e da posse. Por isso, não é evangelizado, mas
encontrado.
Ao contrário de um código fechado, o símbolo é uma experiência. E nessa experiência reside a força da Maçonaria. Em um mundo que valoriza o que é rápido e evidente, o símbolo maçônico é lento, denso e sutil. Ele forma não o "homem que sabe", mas aquele que busca. A sabedoria, aqui, não se ostenta: se cultiva em silêncio.
Estrutura Descentralizada, Autonomia
Responsável
Contrariando a fantasia de uma pirâmide secreta
e centralizada, a Maçonaria brasileira — como a de muitos países — é
profundamente descentralizada. Composta por diversas Obediências, cada qual com
sua constituição e autonomia, ela reflete o princípio maçônico da liberdade com
responsabilidade.
Cada Loja é um microcosmo onde a pluralidade é
acolhida como riqueza, não como ameaça. Os ritos filosóficos, como o Rito
Escocês Antigo e Aceito ou o Rito de York, não garantem poder, mas oferecem
camadas mais profundas de simbolismo e autoconhecimento. Os "graus
superiores" não são cargos de comando, mas etapas interiores. A
autoridade, por sua vez, é sempre democrática, rotativa e consensual.
Mais do que uma máquina de poder, a Maçonaria é um organismo vivo — uma escola do ser.
Fraternidade e Ação Cidadã
Ao contrário do que imaginam os que veem a
Maçonaria como algo apartado da vida real, ela está profundamente enraizada no
tecido civil. O trabalho na Loja não é um fim, mas uma preparação. O verdadeiro
maçom não se isola no Templo: carrega o Templo dentro de si. Age com coerência,
discrição e ética.
Muitos irmãos atuam na sociedade — na medicina,
nas artes, na educação, na justiça, na filantropia — não para implementar
planos secretos, mas para viver valores aprendidos no silêncio da Loja. A
Maçonaria não busca manchetes, mas coerência. E sua contribuição mais poderosa
talvez esteja nessa presença invisível que se expressa nos atos, nas escolhas,
no exemplo.
Essa é uma participação cívica profunda, quase imperceptível. Não se traduz em slogans, mas em vigilância sobre si mesmo, recusa ao ódio, abertura à complexidade.
Discrição como Herança
A Maçonaria representa, acima de tudo, um modo
diferente de estar no mundo. Em tempos que consomem tudo — inclusive o sagrado
— ela guarda. Em tempos que gritam, ela escuta. Em tempos que exibem, ela vela.
Não por timidez ou elitismo, mas por fidelidade a uma ética da profundidade.
Ser maçom não é pertencer a uma elite, mas
assumir um compromisso: construir um templo invisível com gestos, escolhas,
silêncios. É reconhecer que liberdade é querer o que é justo, que a verdade não
se impõe, mas se revela com o tempo, que o silêncio pode ser a mais alta forma
de presença.
Essa herança não é um conhecimento para ser exibido, mas uma forma de estar que resiste. Não por orgulho, mas por amor. Um amor severo, exigente, silencioso — que forma pessoas capazes de agir na história sem serem engolidas por ela.
Uma Presença que Permanece
A Maçonaria sem clamor é um convite à lucidez
em meio ao barulho. É um lembrete de que o essencial é, quase sempre,
invisível. Ela não promete êxito, mas sentido. Não oferece atalhos, mas
caminhos. Não impõe dogmas, mas cultiva perguntas.
E talvez seja por isso que ainda incomoda —
porque resiste a tudo o que é raso, instantâneo, vulgar. E permanece, em
silêncio, como um farol para aqueles que ainda têm coragem de buscar.
Esse artigo é baseado na publicação original de Stefano S Massoneria Senza Clamore na Revista Athanor
Adaptação e otimização: Luiz Sérgio Castro
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