Da Redação
Nos templos discretos
da Maçonaria, onde o silêncio, o símbolo e a introspecção tecem a tessitura da
jornada iniciática, um tema silencioso, porém persistente, ameaça romper a
harmonia da Loja: o orgulho. À primeira vista, esse sentimento, tão comum na natureza
humana, poderia parecer incompatível com a missão espiritual e fraternal da
Ordem. No entanto, ao observar com maior acuidade os bastidores da convivência
maçônica, percebe-se que o orgulho — disfarçado, contido ou escancarado — é um
desafio real, profundo e complexo.
O Orgulho e a Dualidade Maçônica
A Maçonaria é
construída sobre a dualidade: luz e trevas, sol e lua, branco e negro, ação e
contemplação. Nesse universo simbólico, o orgulho se apresenta como antítese da
humildade, essência do verdadeiro iniciado. O ingresso na Ordem exige que o
Aprendiz cúrve-se para passar pela porta baixa, tocando metaforicamente a terra
(húmus), sinal de humildade. É esse contato com o chão que deveria lembrar
constantemente o maçom de sua condição de eterno aprendiz.
Por isso, falar sobre o
orgulho dentro da Loja não é apenas pertinente: é necessário. O orgulho, se
ignorado, infiltra-se como um veneno sutil, transformando o espaço de luz em
arena de vaidades. O trabalho simbólico do maçom — lapidar a pedra bruta — exige
reconhecer suas imperfeições, inclusive as mais bem disfarçadas.
O Orgulho: Amor Solitário e Ilusão Perigosa
O filósofo Henri
Bergson diferenciava orgulho de vaidade: enquanto esta busca aplauso externo, o
orgulho nasce de um amor solitário por si mesmo, uma necessidade de afirmação
perante os outros. No contexto maçônico, esse orgulho assume forma ainda mais paradoxal:
o maçom que busca reconhecimento por sua suposta superioridade espiritual,
ritualística ou intelectual trai os fundamentos da própria iniciação, que o
convidava a morrer para o ego, renascer na simplicidade e servir à Luz.
Essa busca pela
superioridade — muitas vezes inconsciente — revela um medo profundo: o de
perder o lugar de "escolhido", o de se ver igual aos demais. O
orgulho, assim, não é força, mas fuga. E como a escuridão, que é apenas
ausência de luz, o orgulho é a ausência da verdadeira humildade.
As Faces do Orgulho Dentro da Loja
O orgulho manifesta-se
de formas diversas. Alguns irmãos utilizam seus títulos como escudos, suas
funções como tronos, suas palavras como armas. O que deveria ser fraternidade
transforma-se em competição. O orgulho espiritual, o mais traiçoeiro de todos,
disfarça-se de modéstia. O maçom "modesto demais" pode estar
escondendo a mais sutil forma de vaidade — aquela que se orgulha de não parecer
orgulhosa.
La Rochefoucauld dizia
que a modéstia pode ser a forma mais refinada de orgulho. Antoine de Rivarol
advertia que o orgulho, se ferido, não morre — incha. A Loja, então, corre o
risco de transformar-se em teatro do ego, onde gestos rituais perdem a alma, e
onde a palavra serve mais à exibição do que à edificação.
A Transmutação Alquímica do Orgulho
A boa notícia é que a
Maçonaria não condena — transforma. O orgulho, como matéria-prima bruta, pode
ser transmutado. Ele é o "antimônio alquímico", uma substância densa,
mas útil no processo de purificação da alma. O método é conhecido: solve et
coagula — dissolver para reconstruir. Dissolver o orgulho, apegos e ilusões;
coagular em humildade, serviço e sabedoria silenciosa.
Ao invés de combater o
orgulho do outro, o maçom é convidado a espelhar-se nele. A irritação provocada
pela arrogância alheia pode revelar feridas interiores não curadas. O que nos
incomoda no outro, frequentemente, habita em nós. Transformar esse incômodo em
oportunidade é uma atitude iniciática. Como dizia Thich Nhat Hanh, a comparação
é a origem de três complexos: superioridade, inferioridade e igualdade. Todos
distorcem a verdade do ser.
Uma Loja Curada: O Fio de Prumo da Humildade
O símbolo do fio de
prumo ensina que o verdadeiro equilíbrio está no alinhamento com o próprio
centro. O maçom que se alinha com seu eixo interior, que aceita seus limites
sem se comparar, que serve sem esperar aplausos, transforma a Loja em um
santuário. Seu avental não é ornamento, mas vestimenta de trabalho; sua palavra
não é ruído, mas ferramenta de construção.
É nesse espírito que a
Loja floresce. O orgulho, domado e transmutado, torna-se força de impulso
criativo, não mais de separação. O maçom, então, já não precisa brilhar mais do
que os outros — ele brilha com os outros. A luz não compete, apenas ilumina.
Considerações Finais
À medida que os
trabalhos são retomados nas Lojas após o recesso de verão, este é um momento
propício para essa reflexão. O orgulho — esse “câncer” simbólico — pode ser
curado pela consciência, pelo silêncio interior, pela humildade verdadeira.
Como ensinava a tradição esotérica: "A pedra mais preciosa nasce da
terra mais escura." Assim também, a mais nobre virtude pode brotar do
orgulho reconhecido, enfrentado e lapidado.
Que cada maçom, diante do espelho do Templo e da consciência, possa escolher ser aquele “outro” — nem vaidoso, nem orgulhoso, mas um eterno aprendiz da Luz.
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