Por Antônio Marcos Teodoro Silva
“Pensar que as coisas desta vida hão-de durar sempre, é escusado. Até parece que anda tudo à roda: à Primavera segue-se o Verão, ao Verão o Outono, ao Outono o Inverno, ao Inverno a Primavera, e assim o tempo gira nesta roda contínua. Somente a vida humana corre para o seu fim mais ligeira do que o tempo, sem esperar renovar-se, a não ser na outra, que não tem fins que a limitem.”Trecho do Capítulo LIII de Dom Quixote de La ManchaEdição Especial 400 anos, Lisboa, Portugal.
A cidade de Évora e a Capela dos Ossos
Na cidade mais antiga de Portugal e uma das mais remotas da Europa, Évora, localizada a pouco mais de 100 km de Lisboa e fundada ainda no período do domínio romano, encontramos importantes monumentos erguidos por mestres construtores, como o Templo de Diana e a Igreja de São Francisco.
É justamente nesta igreja que, em um anexo, foi erguida a Capela dos Ossos, construída no século XVII por frades franciscanos que chegaram a Évora em 1224, vindos da Galiza, quando ainda vivia Francisco de Assis.
O que mais chama a atenção de todos os visitantes é justamente a sua peculiaridade: as paredes e pilares são revestidos por milhares de ossos e crânios humanos, retirados de mais de 40 cemitérios da região, então abandonados e que ocupavam grande espaço na cidade.
O sentido espiritual da Capela
Os frades, em um trabalho hercúleo, organizaram este espaço com um único objetivo: levar à reflexão sobre a transitoriedade da vida humana.
A Capela tornou-se ponto turístico, visitada tanto por curiosos quanto por pessoas em busca de espiritualidade. Ainda hoje, cumpre fielmente a função que os franciscanos imaginaram: recordar a todos que nada é permanente na Terra.
Na entrada, um aviso impactante recebe os visitantes:
“Nós ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos.”
A Câmara de Reflexão
Saindo de Évora e da Capela dos Ossos, encontramos outro espaço igualmente simbólico, mas reservado apenas àqueles que ingressam na Maçonaria: a Câmara de Reflexão.
Localizada dentro de uma Loja Maçônica, ela é um espaço físico ao qual cada iniciado tem acesso apenas uma vez em sua vida maçônica. Sua origem remonta ao Egito Antigo e guarda semelhanças de propósito com a Capela dos Ossos: levar à meditação sobre a brevidade da vida.
A Câmara é preparada sob luz tênue, decorada com símbolos e frases que incitam à reflexão. Entre os objetos presentes estão:
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Pão e água
Enxofre e sal
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Ampulheta
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Testamento
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Galo
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Foice
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Esqueleto e crânio humano
Todos possuem significado maçônico profundo e serão posteriormente estudados pelo iniciado em sua caminhada pelos graus da Ordem.
Nenhuma pessoa é admitida na Maçonaria sem antes passar por um tempo de silêncio e meditação na Câmara de Reflexão.
Segundo Sérgio Couto:
“É um recinto com paredes e teto pintados de negro, com uma mesa e um banco toscos. Na mesa encontram-se uma ampulheta, um tinteiro com caneta, um crânio humano, um vaso com sal, velas e papéis. O silêncio incita à meditação, os símbolos mortuários recordam a morte inevitável. Assim, o Maçom tem a certeza de que retornou ao ‘ventre materno’ da Terra e deve ‘renascer’ para novas compreensões.”
O paralelo entre os dois espaços
Seja na Capela dos Ossos ou na Câmara de Reflexão, a mensagem é a mesma: a morte é inevitável, a vida é breve e deve ser vivida com humildade.
Ambos os espaços convidam o visitante ou iniciado a refletir sobre o sentido da existência, a finitude e a necessidade de transformação interior.
Saramago e a reflexão sobre a morte
Encerrando essa jornada, lembramos as palavras de José Saramago, Nobel de Literatura de 1998, em sua obra As Intermitências da Morte.
Nela, o autor imagina um país onde as pessoas deixam de morrer. Inicialmente, há alegria geral, mas logo surgem problemas graves. Em certo ponto, um padre afirma:
“Sem morte não há ressurreição, e sem ressurreição não há igreja.”
E Saramago conclui:
“As religiões, todas elas, por mais voltas que lhe dermos, não têm outra justificativa para existir que não seja a morte, precisam dela como do pão para a boca.”
A mensagem final da obra é clara: “a morte é necessária para todos.”
Reflexão final
Meus queridos Irmãos, todos já passamos pela Câmara de Reflexão; poucos talvez tenham conhecido a Capela dos Ossos; menos ainda terão lido a obra de Saramago.
Mas fica a pergunta essencial:
Se não voltarmos a morrer, não temos futuro. Nós, maçons, que já experimentamos a “primeira morte”, estamos preparados para a segunda?
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