Até Onde Vai a Tolerância na Ordem Maçônica?


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Por Dário Angelo Baggieri

Pergunta coloquial e de dificílima resposta à luz de nossos usos e costumes, permitindo a formatação de um compêndio, tamanha a amplitude dos posicionamentos emanados de um grande número de irmãos.

A tolerância é um dos pilares da convivência humana. É ela que permite que diferentes pensamentos, culturas, religiões e estilos de vida coexistam num mesmo espaço sem que o caos se instale. Mas, como toda virtude, ela tem limites. E é justamente nesses limites que se revela o dilema de cada sociedade, de cada indivíduo.

Somos ensinados, desde cedo, a respeitar as diferenças. Na escola, aprendemos que o coleguinha tem outro jeito de falar, outro tom de pele, outra fé, e que isso não diminui o valor de ninguém. Crescemos acreditando que aceitar o outro é sinal de maturidade e de humanidade. E, de fato, é. O problema começa quando a tolerância deixa de ser virtude e se transforma em passividade diante do inaceitável ou, pior ainda, de permissividade.


Até onde tolerar a injustiça? Até onde suportar a mentira disfarçada de opinião? Até onde aguentar o preconceito vestido de “sinceridade”? É nesse ponto que a tolerância, mormente a Maçônica, se vê diante de sua fronteira mais delicada: quando respeitar o outro significa violentar a si mesmo.

Há quem confunda tolerância com concordância. Não, não são a mesma coisa. Eu posso tolerar a ideia do outro sem jamais concordar com ela. Posso permitir que se expresse, mas não preciso me calar diante do que considero nocivo. Tolerância não é resignação. É equilíbrio.

O perigo está quando, em uma Loja Maçônica, em nome da paz, é decidido silenciar diante do intolerante. Quando o ódio se esconde atrás do direito de expressão e a violência se disfarça de liberdade. A tolerância não pode ser uma via de mão única. Se for, vira submissão.

É preciso lembrar que toda democracia se sustenta nesse jogo frágil de limites. Permite-se o diferente, mas não se deve abrir espaço para o que destrói a diferença. Quem prega a exclusão, a violência e o desrespeito não pode ser protegido pelo manto da tolerância. Ser tolerante com o intolerante é dar-lhe a arma que voltará contra nós.

Na vida cotidiana maçônica, a medida da tolerância é ainda mais sutil. Quantas vezes suportamos calados pequenas agressões de um irmão ou de “grupinhos”, acreditando que é melhor não criar conflitos? Quantas vezes deixamos que um irmão ultrapasse nossa linha de respeito, só para manter o “clima leve”? E, ao final, percebemos que o peso de engolir tudo corrói por dentro.


Tolerar não significa aceitar tudo. É preciso saber dizer não. É preciso aprender que a firmeza também pode ser um gesto de respeito: respeito a si mesmo, respeito ao próprio limite. A fronteira entre a paciência e a omissão é tênue, e cada um precisa descobri-la em seu coração.

Talvez a verdadeira sabedoria emanada da Coluna Jônica esteja em cultivar uma tolerância ativa, e não passiva. Aquela que escuta, mas que também responde. Que compreende, mas que também delimita. Que permite o diferente, mas não o destrutivo.

No fundo, a pergunta não é apenas “até onde vai a tolerância na Maçonaria?”, mas também: “até onde eu suporto ser menos do que sou, em nome da Paz, da Harmonia e da Concórdia?”. A resposta não está nos livros, nem nas leis, mas na consciência de cada um.

A tolerância é nobre. Mas, como toda virtude, quando ultrapassa o limite, degenera. E, nesse instante, aquilo que era ponte se torna abismo. Cabe a nós vigiar o ponto exato onde a tolerância deixa de construir e começa a destruir.

Porque, no fim das contas, ser tolerante é aceitar o outro sem perder a si mesmo. E, se a tolerância exige a nossa própria anulação, então já não é tolerância — é rendição.

E ninguém deveria ser rendido em nome daquilo que nasceu para libertar. Aí surge um grande dilema: até quando ou qual o meu limite de tolerância para com meu irmão?

Essa é uma pergunta profunda. Quando falamos em tolerar o irmão — seja de sangue, de Ordem Maçônica ou até mesmo no sentido espiritual de “próximo” — entramos num território delicado.

Podemos dizer que a tolerância com o irmão vai até o ponto em que não nos leva à autodestruição. É nobre suportar falhas, compreender limitações, perdoar erros. Afinal, todos nós erramos e, em algum momento, também precisamos da paciência alheia.

Mas tolerar não significa aceitar abusos indefinidamente. Se a convivência passa a ferir a dignidade, o respeito ou a paz interior, é sinal de que o limite foi ultrapassado. Nesse momento, é possível — e necessário — amar à distância, preservando o coração sem se submeter ao que causa dor.

Ou seja:

 Toleramos para dar espaço ao crescimento do outro e ao nosso.

 Não toleramos quando isso alimenta injustiça, violência ou destruição.

O próprio Jesus ensinou o perdão sem medidas, mas também mostrou firmeza quando enfrentou a hipocrisia e a opressão. Perdoar é eterno, mas conviver em silêncio com o erro e o mal não é exigência espiritual — é aprisionamento.

Portanto, podemos tolerar o irmão enquanto houver possibilidade de diálogo, mudança, respeito e esperança. Mas, quando a tolerância vira cumplicidade com o erro ou ferida contra nós mesmos, o caminho é o afastamento sereno, sem ódio — apenas com amor e firmeza.

Aí entramos em outra seara: até quando devemos perdoar ao nosso irmão?

Na Maçonaria, o perdão e a tolerância são conceitos fundamentais que se entrelaçam, moldando a conduta e os relacionamentos dos maçons. Ambos não são apenas ideias abstratas, mas princípios ativos que os membros são encorajados a praticar no seu dia a dia.

O perdão, na perspectiva maçônica, é visto como um ato de libertação pessoal e de reconciliação. Não se trata de esquecer a ofensa, mas de liberar a si mesmo da amargura e do desejo de vingança. A Maçonaria ensina que a raiva e o ressentimento são pesos que impedem o crescimento espiritual e a evolução pessoal. Ao perdoar, o maçom não apenas beneficia a outra pessoa, mas, de forma mais crucial, a si mesmo.

O processo de perdão na Maçonaria é frequentemente comparado à ação de “desbastar a pedra bruta”, um dos principais símbolos da Ordem. Assim como a pedra bruta representa o indivíduo em seu estado imperfeito, o ato de perdoar ajuda a remover as arestas da intolerância e do rancor, permitindo que a pessoa se torne um ser humano mais refinado e virtuoso. É um passo essencial no caminho para se tornar uma “pedra polida”, pronta para ser usada na construção do “Templo da Virtude”.

A tolerância maçônica vai além de simplesmente “aguentar” as diferenças. Ela é um convite ativo à compreensão mútua e ao respeito pelas convicções alheias. Os maçons são instruídos a não discutir temas que possam gerar desunião dentro da Loja, como política partidária e disputas religiosas. O objetivo é criar um ambiente de harmonia onde o foco esteja no aprimoramento moral e ético de cada membro.

Essa tolerância é o alicerce para que o perdão possa florescer. Quando se entende e respeita o ponto de vista do outro, torna-se mais fácil compreender que todos estão em um processo de evolução, e que erros podem ser cometidos. A tolerância cria o espaço para que a compaixão e o perdão possam se manifestar, fortalecendo a fraternidade entre os irmãos.

Perdão e tolerância são interdependentes na Maçonaria:

 A tolerância é a condição prévia para o perdão.

 O perdão é a sua manifestação mais profunda.

A tolerância permite que o perdão seja possível: ao tolerar as diferenças e imperfeições dos outros, o maçom desenvolve a paciência e a empatia necessárias para perdoar quando uma ofensa ocorre.

O perdão fortalece a tolerância: ao perdoar, o maçom pratica a essência da tolerância, que é a aceitação de que todos são falíveis. Isso reforça o compromisso de respeitar e conviver com as diferenças, criando um ciclo virtuoso de harmonia.

Em resumo, a Maçonaria ensina que, para alcançar o verdadeiro aperfeiçoamento moral, é preciso cultivar tanto a tolerância — o respeito às diferenças — quanto o perdão — a libertação do rancor. Juntos, esses princípios capacitam os maçons a construir não apenas a si mesmos, mas também uma sociedade mais justa e fraterna.

Ir .'. Dário Angelo Baggieri

M.'. I.'. — CIM 157465

Cadeira nº 1 da AMLES — Patrono Alferes Tiradentes

 

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