Pergunta coloquial e de dificílima resposta à luz de nossos usos e
costumes, permitindo a formatação de um compêndio, tamanha a amplitude dos
posicionamentos emanados de um grande número de irmãos.
A tolerância é um dos pilares da convivência humana. É ela que permite
que diferentes pensamentos, culturas, religiões e estilos de vida coexistam num
mesmo espaço sem que o caos se instale. Mas, como toda virtude, ela tem
limites. E é justamente nesses limites que se revela o dilema de cada
sociedade, de cada indivíduo.
Somos ensinados, desde cedo, a respeitar as diferenças. Na escola,
aprendemos que o coleguinha tem outro jeito de falar, outro tom de pele, outra
fé, e que isso não diminui o valor de ninguém. Crescemos acreditando que
aceitar o outro é sinal de maturidade e de humanidade. E, de fato, é. O
problema começa quando a tolerância deixa de ser virtude e se transforma em
passividade diante do inaceitável ou, pior ainda, de permissividade.
Até onde tolerar a injustiça? Até onde suportar a mentira disfarçada de
opinião? Até onde aguentar o preconceito vestido de “sinceridade”? É nesse
ponto que a tolerância, mormente a Maçônica, se vê diante de sua fronteira mais
delicada: quando respeitar o outro significa violentar a si mesmo.
Há quem confunda tolerância com concordância. Não, não são a mesma
coisa. Eu posso tolerar a ideia do outro sem jamais concordar com ela. Posso
permitir que se expresse, mas não preciso me calar diante do que considero
nocivo. Tolerância não é resignação. É equilíbrio.
O perigo está quando, em uma Loja Maçônica, em nome da paz, é decidido
silenciar diante do intolerante. Quando o ódio se esconde atrás do direito de
expressão e a violência se disfarça de liberdade. A tolerância não pode ser uma
via de mão única. Se for, vira submissão.
É preciso lembrar que toda democracia se sustenta nesse jogo frágil de
limites. Permite-se o diferente, mas não se deve abrir espaço para o que
destrói a diferença. Quem prega a exclusão, a violência e o desrespeito não
pode ser protegido pelo manto da tolerância. Ser tolerante com o intolerante é
dar-lhe a arma que voltará contra nós.
Na vida cotidiana maçônica, a medida da tolerância é ainda mais sutil.
Quantas vezes suportamos calados pequenas agressões de um irmão ou de
“grupinhos”, acreditando que é melhor não criar conflitos? Quantas vezes
deixamos que um irmão ultrapasse nossa linha de respeito, só para manter o
“clima leve”? E, ao final, percebemos que o peso de engolir tudo corrói por
dentro.
Tolerar não significa aceitar tudo. É preciso saber dizer não. É preciso
aprender que a firmeza também pode ser um gesto de respeito: respeito a si
mesmo, respeito ao próprio limite. A fronteira entre a paciência e a omissão é
tênue, e cada um precisa descobri-la em seu coração.
Talvez a verdadeira sabedoria emanada da Coluna Jônica esteja em
cultivar uma tolerância ativa, e não passiva. Aquela que escuta, mas que também
responde. Que compreende, mas que também delimita. Que permite o diferente, mas
não o destrutivo.
No fundo, a pergunta não é apenas “até onde vai a tolerância na
Maçonaria?”, mas também: “até onde eu suporto ser menos do que sou, em nome da
Paz, da Harmonia e da Concórdia?”. A resposta não está nos livros, nem nas
leis, mas na consciência de cada um.
A tolerância é nobre. Mas, como toda virtude, quando ultrapassa o
limite, degenera. E, nesse instante, aquilo que era ponte se torna abismo. Cabe
a nós vigiar o ponto exato onde a tolerância deixa de construir e começa a
destruir.
Porque, no fim das contas, ser tolerante é aceitar o outro sem perder a
si mesmo. E, se a tolerância exige a nossa própria anulação, então já não é
tolerância — é rendição.
E ninguém deveria ser rendido em nome daquilo que nasceu para libertar.
Aí surge um grande dilema: até quando ou qual o meu limite de tolerância para
com meu irmão?
Essa é uma pergunta profunda. Quando falamos em tolerar o irmão — seja
de sangue, de Ordem Maçônica ou até mesmo no sentido espiritual de “próximo” —
entramos num território delicado.
Podemos dizer que a tolerância com o irmão vai até o ponto em que não
nos leva à autodestruição. É nobre suportar falhas, compreender limitações,
perdoar erros. Afinal, todos nós erramos e, em algum momento, também precisamos
da paciência alheia.
Mas tolerar não significa aceitar abusos indefinidamente. Se a
convivência passa a ferir a dignidade, o respeito ou a paz interior, é sinal de
que o limite foi ultrapassado. Nesse momento, é possível — e necessário — amar
à distância, preservando o coração sem se submeter ao que causa dor.
Ou seja:
Toleramos para dar espaço ao
crescimento do outro e ao nosso.
Não toleramos quando isso
alimenta injustiça, violência ou destruição.
O próprio Jesus ensinou o perdão sem medidas, mas também mostrou firmeza
quando enfrentou a hipocrisia e a opressão. Perdoar é eterno, mas conviver em
silêncio com o erro e o mal não é exigência espiritual — é aprisionamento.
Portanto, podemos tolerar o irmão enquanto houver possibilidade de
diálogo, mudança, respeito e esperança. Mas, quando a tolerância vira
cumplicidade com o erro ou ferida contra nós mesmos, o caminho é o afastamento
sereno, sem ódio — apenas com amor e firmeza.
Aí entramos em outra seara: até quando devemos perdoar ao nosso irmão?
Na Maçonaria, o perdão e a tolerância são conceitos fundamentais que se
entrelaçam, moldando a conduta e os relacionamentos dos maçons. Ambos não são
apenas ideias abstratas, mas princípios ativos que os membros são encorajados a
praticar no seu dia a dia.
O perdão, na perspectiva maçônica, é visto como um ato de libertação
pessoal e de reconciliação. Não se trata de esquecer a ofensa, mas de liberar a
si mesmo da amargura e do desejo de vingança. A Maçonaria ensina que a raiva e
o ressentimento são pesos que impedem o crescimento espiritual e a evolução
pessoal. Ao perdoar, o maçom não apenas beneficia a outra pessoa, mas, de forma
mais crucial, a si mesmo.
O processo de perdão na Maçonaria é frequentemente comparado à ação de
“desbastar a pedra bruta”, um dos principais símbolos da Ordem. Assim como a
pedra bruta representa o indivíduo em seu estado imperfeito, o ato de perdoar
ajuda a remover as arestas da intolerância e do rancor, permitindo que a pessoa
se torne um ser humano mais refinado e virtuoso. É um passo essencial no
caminho para se tornar uma “pedra polida”, pronta para ser usada na construção
do “Templo da Virtude”.
A tolerância maçônica vai além de simplesmente “aguentar” as diferenças.
Ela é um convite ativo à compreensão mútua e ao respeito pelas convicções
alheias. Os maçons são instruídos a não discutir temas que possam gerar
desunião dentro da Loja, como política partidária e disputas religiosas. O
objetivo é criar um ambiente de harmonia onde o foco esteja no aprimoramento
moral e ético de cada membro.
Essa tolerância é o alicerce para que o perdão possa florescer. Quando
se entende e respeita o ponto de vista do outro, torna-se mais fácil
compreender que todos estão em um processo de evolução, e que erros podem ser
cometidos. A tolerância cria o espaço para que a compaixão e o perdão possam se
manifestar, fortalecendo a fraternidade entre os irmãos.
Perdão e tolerância são interdependentes na Maçonaria:
A tolerância é a condição prévia
para o perdão.
O perdão é a sua manifestação
mais profunda.
A tolerância permite que o perdão seja possível: ao tolerar as
diferenças e imperfeições dos outros, o maçom desenvolve a paciência e a
empatia necessárias para perdoar quando uma ofensa ocorre.
O perdão fortalece a tolerância: ao perdoar, o maçom pratica a essência
da tolerância, que é a aceitação de que todos são falíveis. Isso reforça o
compromisso de respeitar e conviver com as diferenças, criando um ciclo
virtuoso de harmonia.
Em resumo, a Maçonaria ensina que, para alcançar o verdadeiro aperfeiçoamento moral, é preciso cultivar tanto a tolerância — o respeito às diferenças — quanto o perdão — a libertação do rancor. Juntos, esses princípios capacitam os maçons a construir não apenas a si mesmos, mas também uma sociedade mais justa e fraterna.
Ir .'. Dário Angelo Baggieri
M.'. I.'. — CIM 157465
Cadeira nº 1 da AMLES — Patrono Alferes Tiradentes
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