O Idiota


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Por Mateus Norenberg (*)

Você já se sentiu um idiota por ser justo ou verdadeiro?

Precisamos falar sobre um gênio da literatura, Fiódor Dostoiévski.

Nascido em 11 de novembro de 1821, em Moscou, na Rússia, filho de Mikhail Dostoiévski e Maria Fiódorova. Ficou órfão de mãe aos 16 anos e viajou para estudar na escola de engenharia militar. Em 1839, seu pai, médico, foi assassinado pelos camponeses da fazenda onde vivia. Esse fato abalou profundamente a vida de Dostoiévski, que passou a desenvolver suas primeiras crises de epilepsia.

Em 1841, Dostoiévski começa sua senda na literatura, escrevendo e traduzindo livros. Suas obras tratavam ou remetiam a momentos de sua vida, ou de cotidianos ao seu redor. Um dos fatos mais marcantes ocorreu em 1847, quando, aos 26 anos, envolveu-se em uma conspiração contra Mikhail Petrashevski, que mantinha um clube de literatura com livros proibidos pelo Estado na época. Isso lhe rendeu uma condenação à morte.

Um fato curioso — ou glorioso: no dia de sua execução, já no local habitual, vendado e diante do pelotão, surgiu, no último instante, uma ordem comutando a pena. Sua execução foi transformada em deportação. Ele foi enviado à Sibéria, onde foi submetido a trabalho forçado na companhia de criminosos comuns. Cumpriu o restante da pena no batalhão siberiano como soldado raso. Sua anistia chegou em 1859, quando tinha 38 anos.


Mas o objetivo desta reflexão é, em particular, seu livro O Idiota, escrito em 1868. A obra trata do príncipe Míchkin, um homem bom e puro, que via apenas bondade nas coisas, lançado a uma sociedade corrupta e preconceituosa. Uma pessoa doente, que sofria de epilepsia — assim como o autor — e que sai de um local de tratamento na Suíça para retornar a São Petersburgo.

Sua personalidade causava desconforto, e muitos o tratavam como um idiota, pela sua incapacidade de compreender as maldades do mundo. Imaginemos um mundo onde a bondade é vista como imperfeição, e ser compassivo, empático e caridoso é quase um delito. Esse mundo não é ficção: é o nosso. O príncipe era bom demais para ser compreendido, e Míchkin mostra o reflexo de como a sociedade se move, tentando esmagar aqueles que caminham em direção oposta.

Míchkin era julgado porque sentia demais, porque se importava com as coisas e com os outros. Agia com sinceridade, sendo rotulado de idiota. Tratava todos com amor, até as pessoas que a sociedade abandonara ou jogara no lixo. Isso incomodava. Ele era verdadeiro em todo o tempo, mesmo que isso o deixasse vulnerável ou lhe causasse consequências. Nunca agia com manipulação, interesses ou visão de vantagens. Isso o tornava uma espécie de “anomalia social”: não era capaz de manipular, se impor ou agir por interesse. Não que não soubesse o que isso significava, mas Míchkin não via sentido nisso.

Ele agia diferente daqueles que se escondem atrás de máscaras, ocultando suas reais intenções e emoções. Nele não havia máscaras, acusações ou mentiras. Tornava-se incômodo porque, quanto mais puro tratava os outros, mais era desprezado.

Será que ser verdadeiro e buscar a verdade nos outros ainda tem espaço em um mundo onde tudo é interesse e troca?

Mostrar-se verdadeiro e bondoso não significa fraqueza. Significa que temos complacência com o próximo, que estamos vivos e lutando por uma sociedade melhor e mais justa. Não sejamos fracos, pois os fracos se escondem atrás de antefaces para parecer aceitáveis a todos, mas nunca mostram sua essência verdadeira.


Mas o que a maçonaria tem a ver com O Idiota?

Essa pergunta já foi respondida na própria leitura. Somos maçons, homens de bons costumes. E, ao contrário do que muitos pensam, bons costumes não se resumem ao amor, à bondade, à caridade ou à empatia. Os bons costumes referem-se ao conjunto de hábitos e comportamentos sociais considerados adequados, refletindo a moral e contribuindo para o bem comum. É nesse conjunto de hábitos que entram todos os adjetivos que representam as virtudes básicas. Pois é o mínimo que se espera de qualquer maçom: elevar seu estado de liberdade e bons costumes, e nunca seu ego e sua vaidade.

Por sermos assim, seremos considerados idiotas?

Nossa sociedade corrompida e corrupta nos força a sermos maliciosos nos pensamentos, intolerantes para com o próximo, intolerantes com a religião, e vaidosos ao ponto de inflar, inflar e inflar o ego. Precisamos, cada vez mais, vigiar nossas atitudes, para que de nenhuma forma sejamos cúmplices de um sistema putrefato, que destrói os poucos que ainda contribuem para uma sociedade melhor, e não para que ela seja aniquilada.

Enfim, a história de Míchkin, escrita em 1868, é o retrato dos desafios diários da vida de todos nós — principalmente de nós, maçons — que trabalhamos em nosso templo interior para a mais perfeita edificação. Isso evidencia, de forma concreta, o cuidado que devemos ter conosco e com o próximo.

Temos de ser sábios para que as pessoas não confundam nossos atos mais puros e nobres com mera idiotice.

Encerro com esta frase do livro, que, apesar de curta, transmite uma provocação de pensamento sobre a vida do príncipe Míchkin:

O idiota era o mais são entre os doentes.”

— Dostoiévski, Fiódor – O Idiota


(*) Mateus Norenberg, Mestre Maçom

Loja Hipólito José da Costa, 410

Loja Hiram Abiff, 535

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