Por Irmão José
Ronaldo Viega Alves
Oriente de Sant’Ana do Livramento, RS
> “Sob a
influência britânica — já que foi na Inglaterra que a Maçonaria adquiriu a sua
feição moderna — a esmagadora maioria dos ritos maçônicos é teísta, sendo,
inclusive, exigida do candidato à Iniciação a declaração de crença em Deus e em
sua vontade revelada. Embora alguns autores queiram defender a ideia de que
alguns ritos são deístas e não teístas, a verdade é que a prática desmente a
teoria.”
> (Girardi, 2008,
p. 591)
INTRODUÇÃO
Falar a respeito da
existência e da utilização de preces e invocações durante uma sessão maçônica,
de juramentos sobre o Livro da Lei Sagrada — que para a maioria dos Maçons é a
Bíblia —, entre outras coisas, requer um certo cuidado para não confundir o leitor
ou remetê-lo ao velho e desgastado debate sobre a Maçonaria ser ou não uma
religião.
Antes de prosseguir
e a título de esclarecimento, é bom ter em mente: a Maçonaria não é uma
religião, mas exige dos seus membros a crença em um Ser Superior.
Para os Maçons, esse
Ser Superior ou princípio criador recebe o nome de Grande Arquiteto do Universo
(G∴A∴D∴U∴). Esse nome não corresponde a um “Deus maçônico” — pois isso não existe
— mas simboliza para cada Maçom o próprio Deus da religião que ele professa.
Esse símbolo fortalece a união dos Maçons, pois inclui as diversas manifestações
de fé, já que toda pessoa tem liberdade de consciência para escolher sua religião.
No mundo profano,
nem todos compreendem assim, e abundam argumentações visando desmontar uma
ideia que aglutina os homens, qualquer que seja sua fé religiosa.
A INFLUÊNCIA
CRISTÃ
O que não se pode
negar é a influência de uma religião dominante em determinado período da
história da Maçonaria: o Cristianismo, sobretudo durante a Maçonaria Operativa.
Durante séculos, os
construtores estiveram envolvidos principalmente com obras religiosas da
Igreja, como as catedrais.
Assim, consolidou-se
a ideia de que a Maçonaria era essencialmente cristã. Essa influência é
detectável nos manuscritos e textos mais antigos da Maçonaria medieval, que
contêm:
Preces e invocações;
Referências a santos
e lendas católicas;
Passagens bíblicas e
salmos.
TEÍSMO E
DEÍSMO
Quando o assunto
envolve religião e Maçonaria, surgem dois conceitos fundamentais: Teísmo e
Deísmo.
Teísmo: admite a crença em um Deus pessoal,
que se interessa pela humanidade e intervém no mundo.
Deísmo: admite a existência de um Criador, mas
rejeita a revelação e qualquer intervenção divina, defendendo que o
conhecimento de Deus pode ser alcançado pela razão.
No passado, a
Maçonaria passou por um processo de descristianização dos rituais, mas muitas
práticas de caráter teísta acabaram retornando com o tempo.
AS ORIGENS
Segundo o Pe.
Alberton, estudioso da história da Maçonaria, a versão mais aceita sobre as
origens da Ordem é a de que ela descende das antigas corporações de mestres
pedreiros encarregados das construções das igrejas e catedrais, sob forte
influência da Igreja Católica na Idade Média.
(Alberton, 1981, p.
67)
Dessa época,
restaram registros conhecidos como “Old Charges” ou Antigas Constituições,
também chamadas de Constituições Góticas.
Esses documentos,
anteriores às Constituições de Anderson, eram fortemente teístas, trinitários e
até marianos. Dividiam-se em três partes:
1. Oração inaugural;
2. Parte histórica
(em geral lendária);
3. Parte
deontológica, encerrada com uma oração final.
(Alberton, 1981, pp. 68-69)
ORAÇÕES, PRECES E
INVOCAÇÕES
O Vade-Mécum
Maçônico, de João Ivo Girardi, esclarece:
> “A prece
maçônica é dirigida ao Grande Arquiteto do Universo, sendo mais um ato de
veneração que de súplica. O maçom aceita a existência de Deus, que está em toda
parte, inclusive na Loja maçônica. A invocação pode ser de louvor ou de
agradecimento pela vida e pela proteção recebidas.”
> (Girardi, 2008,
p. 463)
As Old Charges
apresentam diversas orações e invocações de caráter cristão, como:
Constituição de York (926): invoca a
onipotência do Deus Eterno;
Estatuto de Ratisbona (1459): inicia “Em nome
do Pai, do Filho, do Espírito Santo...”
Manuscrito de Harley (1670): “O Pai Onipotente
do Céu, com a Sabedoria do Filho e a bondade do Espírito Santo...”
Essa tradição
comprova que, até o século XVII, a Maçonaria era fortemente cristã.
A
DESCRISTIANIZAÇÃO
Com a fundação da Grande
Loja de Londres (1717) e a Constituição de Anderson (1723), a Maçonaria passou
a adotar um caráter mais universal e deísta.
A Constituição
recomendava que os Maçons professassem apenas uma religião comum a todos os
homens, centrada na moralidade e na honra, deixando de lado dogmas específicos.
Isso levou a cisões
dentro da Maçonaria britânica: enquanto os Modernos adotavam essa linha deísta,
os Antigos mantinham práticas cristãs e teístas.
A união só aconteceu
em 1813, com a fundação da Grande Loja Unida da Inglaterra, que conciliou
elementos das duas correntes.
OS RITOS
Segundo Francisco de
Assis Carvalho, citando Saly da Costa Mamede:
Teístas: Rito Escocês Antigo e Aceito, York,
Adonhiramita, Brasileiro, entre outros — todos utilizam o Livro Sagrado como
Verdade Revelada.
Deísta/Agnóstico/Adogmático: Rito Moderno ou
Francês, que não adota o Livro Sagrado e não invoca o G∴A∴D∴U∴.
É incorreto, porém, afirmar que o Rito Moderno é ateu.
CONCLUSÃO
Este estudo não
esgota o tema, mas demonstra que:
A Maçonaria teve forte influência cristã
durante sua fase operativa;
Passou por um processo de descristianização
com a Grande Loja de Londres;
Muitos ritos preservaram elementos teístas,
enquanto outros assumiram um caráter mais deísta;
O símbolo do G∴A∴D∴U∴ tornou-se um ponto de união
entre diferentes crenças.
O tema ainda
comporta muitos desdobramentos e merece novos aprofundamentos, especialmente no
estudo comparativo dos diferentes ritos maçônicos praticados no mundo.
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