A Água, as Purificações e o Mar de Bronze


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Por Irmão José Ronaldo Viega Alves

“A água é representada em alquimia por um triângulo invertido. Para os hermetistas, compõe o princípio úmido da plasticidade, da materialidade, da passividade e da mutação.

A água é um princípio feminino, representa o Astral, é o oposto do elemento Fogo, que é dinâmico e masculino.

Na Maçonaria, é usada para a primeira purificação da matéria; nas religiões, o batismo é feito pela Água, simbolizando a purificação, o perdão dos pecados e a colocação do Espírito na pessoa.”

(“Vade-Mécum Maçônico”, 2008, p. 20)

Introdução

A água é um elemento essencial à vida — humana, animal e vegetal.

Desde os tempos mais remotos, o homem e as civilizações procuraram se estabelecer em locais onde houvesse água, considerando sua importância vital para a sobrevivência, o cultivo e o desenvolvimento das comunidades.

No decorrer da história, a posse de terras com abundância de água motivou inúmeras disputas territoriais e conflitos.

Podemos dizer que há um uso profano e um uso sagrado da água. Desde os tempos bíblicos, esse líquido precioso esteve ligado à sobrevivência e à espiritualidade, adquirindo simbolismos e rituais diversos.

Na Maçonaria, especialmente durante a Iniciação, a purificação pela água é uma prática adotada com origens em cerimônias religiosas, como o batismo.

Enquanto o Fogo queima as impurezas — num sentido simbólico —, a Água as lava.

A seguir, conheceremos as origens e os significados do rito da purificação pela água, tanto nas religiões quanto na Maçonaria.

A Ablução ou Purificação Pela Água Nas Grandes Religiões

As abluções são lavagens rituais de partes do corpo, objetos ou posses, com objetivos de purificaçãodedicação religiosa e preparação para a oração ou sacrifício.

Essas práticas eram comuns à maioria das religiões da Antiguidade.

No Judaísmo

A ablução assume várias formas:

Tevilá – imersão completa do corpo em um micvê;

Netilat Yadayim – lavagem das mãos com um copo ritual.

Na entrada do Tabernáculo havia uma bacia de bronze, onde os sacerdotes se purificavam antes de adentrar o santuário — mais tarde substituído pelo Templo de Jerusalém.

No Cristianismo

batismo é uma cerimônia derivada dos rituais de purificação judaicos. O apóstolo Paulo menciona o batismo diversas vezes, referindo-se a ele como o rito pelo qual o pecado é lavado da alma.

No Islamismo

wudu é a ablução parcial do corpo, realizada antes das orações e da leitura do Alcorão.

ghusl é a ablução completa e o tayammum é a ablução a seco, utilizada quando não há água disponível.

Na Maçonaria

A palavra ablução vem do latim ablutione, que significa “lavar” ou “limpar”.

Na Maçonaria, refere-se à cerimônia pela qual o Recipiendário passa durante a Iniciação, simbolizando que a limpeza do corpo físico é um pré-requisito para a pureza da alma.

O Irmão Raimundo Francisco Xavier, em seu artigo “O Mar de Bronze”, afirmou:

“Chama-se ablução, em Maçonaria, o ato de lavar alguma parte do corpo, o que é praticado em vários Ritos e principalmente na adoção de lowtons.

A ideia de purificação pela água — que é o significado do batismo — foi comum a todos os povos: persas, egípcios, hebreus, etruscos, gregos e romanos, que obedeceram a esta lei prescrita pelos seus cultos religiosos.

A própria religião católica determinava toda espécie de ablução, a começar pelo batismo.”

A Purificação Pela Água no Primeiro Ritual do R.E.A.A. no Brasil (1834)

Para compreender melhor as abluções nos primórdios da Maçonaria brasileira, recorremos ao Irmão Joaquim da Silva Pires, em “O Roteiro da Iniciação de Acordo com o Rito Escocês Antigo e Aceito”.

Ele relata que o primeiro Ritual do R.E.A.A. foi impresso em 1834 pela Typographia Imperial e Constitucional de Seignot-Plancher & Cia., no Rio de Janeiro.

Somente em 1857 o Grande Oriente do Brasil publicou seu ritual próprio.

“No Ritual de 1834, não havia Mar de Bronze; e no Ritual de 1857, igualmente, não havia a Cerimônia da Purificação pela Água.

O profano era purificado com a água colocada em um vaso, pelo Mestre de Cerimônias, e enxugava as mãos com uma toalha.

(...) Quanto à simbologia da Água: ‘Que a água com que fostes purificado desvaneça de vosso espírito todas as falsas doutrinas com que o mundo profano possa tê-lo extraviado’.”

(Silva Pires, 2011, p. 106-107)

O Mar de Bronze

Talvez o leitor se pergunte: onde entra o Mar de Bronze?

Segundo o mesmo autor:

“No primeiro Ritual do Rito Escocês Antigo e Aceito do Grande Oriente do Brasil, impresso em 1857, não existia purificação pela água.

Mais tarde, foi adotada uma cerimônia com o uso de um jarro ou bacia, em que as mãos do candidato eram introduzidas pelo Irmão Primeiro Experto.

(...) Em 1928, o Irmão Mário Marinho de Carvalho Behring, apoiando-se em rituais anteriores, introduziu o Mar de Bronze, que depois foi adotado pelo Grande Oriente do Brasil — lamentavelmente, pois se trata de uma peça estranha à tradição maçônica.”

Behring baseou-se no simbolismo bíblico, mas a introdução do Mar de Bronze na ritualística maçônica é considerada por alguns estudiosos um paradoxo histórico e simbólico.

A Purificação Pela Água em um Ritual Atual

Antes de prosseguir, é importante destacar que este estudo não se refere a um rito ou potência específica, mas ao simbolismo maçônico universal.

Na ritualística moderna do Rito Escocês Antigo e Aceito (R.E.A.A.), a água aparece na Segunda Viagem ou Prova da Água, uma das quatro provas elementares — Terra, Ar, Água e Fogo — que compõem a jornada iniciática.

Durante a Segunda Viagem, o Candidato é conduzido até o Mar de Bronze.

Com a ajuda do Primeiro Experto, ele mergulha as mãos na água e as enxuga, simbolizando a purificação espiritual.

Após a cerimônia, o Venerável Mestre explica:

“Passastes, Senhor, pela terceira prova — a da Água.

A água em que mergulhastes as mãos é imagem do vasto oceano que banha os continentes e ilhas.

Nas antigas iniciações, a purificação simbólica da alma se fazia pelo batismo do corpo, parte indispensável do cerimonial.

O oceano é o símbolo do povo, a cujo serviço se dedicam os verdadeiros Maçons.

(...) Assim como o marinheiro se lança aos riscos do naufrágio, o patriota que serve ao povo deve arriscar-se a ser odiado e esmagado pela fúria cega.”

(Ritual, p. 147-148)

Conclusão

Dos quatro elementos naturais — Terra, Ar, Água e Fogo —, este estudo destacou o elemento Água, símbolo ancestral de purificação e regeneração.

Na Maçonaria, através da Segunda Viagem, o candidato é purificado pela água em uma cerimônia análoga ao batismo.

Vimos também o debate histórico sobre o uso do Mar de Bronze, considerando que o original bíblico destinava-se aos sacerdotes e não a cerimônias iniciáticas.

Contudo, do ponto de vista simbólico, seu uso pode ser aceitável enquanto representação da purificação interior.

Independentemente de se usar um mar, um jarro ou uma bacia, o que realmente importa é o simbolismo da cerimônia, pela qual o recipiendário sai purificado pela Água.

Fontes Bibliográficas

GIRARDI, João Ivo. Do Meio-Dia à Meia-Noite – Vade-Mécum Maçônico. Nova Letra Gráfica e Editora Ltda., 2ª Ed., 2008.

PIRES, Joaquim da Silva. O Roteiro da Iniciação de Acordo com o Rito Escocês Antigo e Aceito. Editora Maçônica “A Trolha” Ltda., 1ª Ed., 2011.

Ritual e Instruções do Grau de Aprendiz-Maçom do Rito Escocês Antigo e Aceito – GORGS, 2010.

UNTERMAN, Alan. Dicionário Judaico de Lendas e Tradições. Jorge Zahar Editor, 1992.

 


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