Entre o Orgulho e a Igualdade: Como a Maçonaria Enfrenta a Síndrome do Penúltimo


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Da Redação

Em uma sociedade marcada por abismos econômicos e desigualdade estrutural, uma curiosa e inquietante dinâmica psicológica ajuda a explicar por que tantos resistem a políticas que, em tese, os beneficiariam. Trata-se da chamada “síndrome do penúltimo”, conceito formulado pelos economistas Ilyana Kuziemko (Princeton) e Michael I. Norton (Harvard), que descreve o medo de ocupar o último degrau da hierarquia social. Esse temor leva muitos indivíduos — especialmente os mais vulneráveis — a se oporem a medidas de redistribuição de renda ou de inclusão social, apenas para preservar uma frágil sensação de superioridade.

Mas esse fenômeno não se restringe ao campo econômico. Ele toca nas fibras mais profundas da natureza humana — o medo de “cair”, de perder status, de ser ultrapassado. E, curiosamente, encontra um eco simbólico e moral na Maçonaria, instituição que nasceu justamente para dissolver essas fronteiras e afirmar a igualdade essencial entre os homens.

 O que é a Síndrome do Penúltimo

A síndrome do penúltimo, também chamada de aversão ao último lugar, refere-se à tendência de rejeitar medidas que poderiam reduzir a desigualdade social por medo de se aproximar do “fundo” da pirâmide. Em outras palavras, é preferível continuar sendo o penúltimo do que correr o risco de empatar com o último.

Nos experimentos conduzidos por Kuziemko e Norton (2011, Quarterly Journal of Economics), participantes recebiam rendas fictícias entre US$ 1 e US$ 5 e decidiam se apoiariam ou não uma redistribuição que diminuísse a desigualdade. O resultado foi revelador: 56% rejeitaram medidas redistributivas quando estas os colocavam em penúltimo lugar, ainda que seus ganhos absolutos aumentassem.

Não é, portanto, a pobreza absoluta que assusta — é a proximidade simbólica com o último posto. Esse mecanismo emocional foi confirmado em pesquisas posteriores (American Economic Review, 2015), mostrando que quanto mais próxima do fundo da pirâmide está uma pessoa, mais forte é o medo de cair um degrau abaixo.

As Raízes Psicológicas e Sociológicas

A síndrome se ancora em bases psicológicas e culturais sólidas. De um lado, está o princípio da aversão à perda (Kahneman e Tversky, 1979): perder posição relativa dói mais do que ganhar posição absoluta. De outro, atua o peso da hegemonia ideológica (Marx, Behrent), que faz com que as classes trabalhadoras internalizem valores das elites e vejam com desconfiança qualquer política de redistribuição.

O sociólogo Thorstein Veblen (1899) já havia notado esse comportamento em A Teoria da Classe Ociosa: as classes médias imitam os hábitos e o consumo das elites para se distinguirem dos mais pobres — uma tentativa simbólica de não “escorregar” para baixo.

Pesquisas recentes ampliam o diagnóstico. Segundo o Pew Research Center (2022) e a OCDE (2023), o mesmo padrão aparece na Europa e na América Latina: famílias de baixa renda frequentemente rejeitam aumentos de impostos sobre os ricos ou políticas sociais inclusivas, por medo de uma reconfiguração que as aproxime dos mais pobres. É um círculo vicioso onde o medo individual perpetua desigualdades coletivas.

Por que os Pobres Votam Contra Seus Próprios Interesses

Essa pergunta, que norteia décadas de estudos, encontra resposta parcial na síndrome do penúltimo. Em entrevista ao New York Times (2011), Kuziemko e Norton resumem o raciocínio dos entrevistados:

 “Se ajudarmos os mais pobres, então eu serei o último.”

É a identidade social, não o interesse econômico, que guia muitas decisões políticas. Isso explica por que, nos EUA, parte da classe trabalhadora branca apoia cortes de impostos para milionários, ou por que, na Europa, eleitores modestos votam em partidos anti-imigração — temendo a “concorrência na base”.

A síndrome, portanto, é um espelho das inseguranças humanas em sociedades competitivas e desiguais. Ela mostra como o medo de perder status social pode ser mais poderoso do que o desejo de justiça.

A Síndrome do Penúltimo e a Maçonaria: O Medo de Ser Transcendido

A Maçonaria, nascida no seio do Iluminismo, propõe exatamente o oposto da síndrome do penúltimo. Seus rituais e símbolos ensinam que todos os homens são iguais diante do Grande Arquiteto do Universo, e que a verdadeira elevação vem do aperfeiçoamento interior, não da comparação com o outro.

Contudo, a tensão entre o mundo profano — regido pela competição — e o mundo simbólico — guiado pela fraternidade — ainda ecoa dentro das Lojas. O historiador Roger Dachez (2016) lembra que, no século XVIII, as Lojas maçônicas acolhiam artesãos e pequenos burgueses que buscavam refúgio das hierarquias sociais. O rito de iniciação, com sua “morte simbólica”, representava a libertação do medo e o renascimento em igualdade.

Na iniciação, o Aprendiz é despido de seus títulos e posses, enfrentando o silêncio e a escuridão antes de renascer à luz. Esse processo é um antídoto ritualístico à síndrome do penúltimo: ao se ver reduzido ao essencial, o Iniciado aprende que o valor humano não depende da posição social, mas da lapidação da “pedra bruta” — o próprio ser.

Estudos sociológicos contemporâneos (Bryon-Portet, Hermès, 2018) ainda apontam que certos maçons resistem à plena igualdade simbólica, temendo “perder posição” dentro da hierarquia ritual. É a síndrome em nova roupagem. Contudo, os princípios maçônicos — Liberdade, Igualdade e Fraternidade — buscam neutralizar essas tensões. Como lembra Gérard Lopez (2023), o dever do maçom é ajudar o último sem medo de deixar de ser o penúltimo.

Implicações Sociais e Maçônicas: Para Além do Medo

A síndrome do penúltimo é, em última instância, um lembrete das limitações psicológicas da fraternidade humana. Ela revela o quanto o medo da inferioridade ainda molda nossas escolhas e impede avanços sociais mais justos.

A Maçonaria, ao contrário, propõe a superação desses medos por meio da consciência simbólica e do trabalho coletivo. No Templo, todos ocupam o centro — ninguém está acima ou abaixo. A construção do Templo interior substitui a competição pela cooperação.

Em tempos de desigualdade crescente — quando o 1% mais rico detém 45% da riqueza global (Oxfam, 2025) —, a lição maçônica torna-se mais necessária do que nunca: a verdadeira elevação é coletiva.

Como escreveu Lamartine em 1848:

“Vós sois os criadores da harmonia.”

Contra o medo de ser o último, a Maçonaria nos lembra que a fraternidade transforma o penúltimo e o último em companheiros de jornada — pedreiros do mesmo Templo, onde todos trabalham pela mesma Luz.


Esse texto é baseado no artigo Syndrome pénultième : une peur irrationnelle qui divise les classes et ses échos dans la franc-maçonnerie de autoria de Erwan Le Bihan



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