O Exílio dos Republicanos Espanhóis: Uma Tragédia Humana e Maçônica


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Da Redação

“Quando a liberdade é banida de uma nação, ela busca abrigo na consciência dos homens livres.”

— Máxima maçônica do século XVIII

A Guerra que Feriu a Fraternidade

A Guerra Civil Espanhola (1936–1939) foi uma das maiores tragédias humanas do século XX. Mais de meio milhão de espanhóis foram forçados ao exílio após a vitória das forças franquistas, e entre eles estavam milhares de maçons, intelectuais e republicanos convictos dos ideais de liberdade e justiça.

Desde os primeiros dias do conflito, o mundo maçônico reagiu com emoção e solidariedade. O Grande Oriente Espanhol (GOE), então presidido por Miguel Morayta Sagrario, lançou em 29 de julho de 1936 um apelo urgente às Obediências amigas, pedindo apoio moral e material aos republicanos na “luta pela paz, pela justiça e pela liberdade dos povos”.

O Chamado Fraterno Ecoa pela Europa

O apelo do GOE cruzou fronteiras e foi atendido rapidamente. O Grande Oriente da Bélgica (GOB) foi o primeiro a responder, seguido pela Grande Loja de França (GLDF), o Grande Oriente da França (GOdF) e a Associação Maçônica Internacional (AMI), então sediada em Genebra.

Sob a presidência de Louis Doignon, a AMI condenou publicamente a repressão franquista, classificando-a como uma “cruzada contra a razão e contra a liberdade de consciência”.

Resoluções foram enviadas à Liga das Nações e aos governos democráticos, pedindo proteção aos maçons perseguidos e amparo aos exilados.

“Os maçons espanhóis não lutam apenas por uma forma de governo, mas pela alma da humanidade.”

— Boletim da AMI, 1937

A Repressão e o Tribunal da Intolerância

Com a vitória de Francisco Franco, a perseguição foi implacável. O Tribunal Especial para a Repressão da Maçonaria e do Comunismo, criado em 1940, prendeu e condenou centenas de irmãos. Ser maçom passou a equivaler a traição.

Franco chegou a afirmar:

“Maçonaria, comunismo e judaísmo são as três faces do mesmo demônio.”

Templos foram profanados, arquivos destruídos, e símbolos maçônicos banidos. Ainda assim, a Luz resistiu — na memória, na consciência e no exílio.

Maçons no Exílio: A Luz Além dos Pireneus

Muitos irmãos atravessaram os Pireneus em condições precárias, refugiando-se na França, Bélgica, México, Argentina, Cuba e Brasil.

Na Cidade do México, a fundação da Loja Libertad nº 7, em 1942, simbolizou o renascimento da Maçonaria espanhola no exílio.

Outros nomes ilustres também contribuíram para manter viva a chama:

•Eduardo Barriobero y Herrán, jurista e deputado;

•Manuel Azaña Díaz, presidente da República;

•Fernando de los Ríos, ministro e defensor da liberdade de consciência.

Na França, maçons como Arthur Groussier, Paul Rivet e Albert Bayet organizaram comissões de auxílio, oferecendo abrigo e dignidade aos exilados.

No Brasil, registros do Grande Oriente do Brasil (GOB) indicam a presença de refugiados espanhóis nas Lojas do Rio de Janeiro e São Paulo durante os anos 1940 — acolhidos como verdadeiros irmãos.

A Maçonaria Como Refúgio Moral

Para muitos exilados, a Maçonaria foi mais que abrigo: foi um templo invisível, onde a esperança era reconstruída.

Cada reunião, cada palavra de conforto e cada gesto solidário representavam resistência diante da intolerância.

Mesmo dispersos, os maçons espanhóis mantiveram viva a tradição, preparando o terreno para o renascimento da Ordem em solo espanhol após a morte de Franco, em 1975.

Em 1982, o Grande Oriente Espanhol foi oficialmente reconstituído — encerrando um ciclo de dor e reafirmando o poder da fraternidade.

Legado e Reflexão

O exílio dos republicanos espanhóis foi mais que uma tragédia política: foi uma lição moral.

A solidariedade das Lojas estrangeiras mostrou que a Fraternidade não conhece fronteiras.

Aqueles que perderam tudo — pátria, lar e liberdade — encontraram nos Templos Maçônicos um novo solo espiritual.

“Mesmo quando o homem é obrigado a abandonar sua pátria, a verdadeira Luz viaja com ele.”

Hoje, recordar esse episódio é reafirmar o dever maçônico de defender a liberdade, a justiça e a dignidade humana diante de qualquer tirania.

 Referências Históricas

•             Archivo Histórico del Grande Oriente Español – Apelo de 29 de julho de 1936

•             Bulletin de l’Association Maçonnique Internationale, Genebra, nº 12, 1937

•             Louis Doignon – La Maçonnerie et la guerre d’Espagne, Lausanne, 1938

•             Pierre-Yves Beaurepaire – La République Universelle des Francs-Maçons, Paris, 2003

•             Arthur Groussier – Discours sur la solidarité maçonnique internationale, GOdF, 1938

•             Steven C. Bullock – Revolutionary Brotherhood, UNC Press, 1996

 


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