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Por Paul Gardner – Tradução e
adaptação: Luiz Sérgio Castro
No cenário vibrante da Inglaterra vitoriana,
entre palhaços, cavalos e acrobatas, um homem negro desafiou as barreiras
sociais e raciais de seu tempo para erguer um império de fraternidade, alegria
e compaixão. Seu nome de batismo era William Darby, mas o mundo o conheceu como
Pablo Fanque, o primeiro proprietário negro de um circo na Grã-Bretanha e um
símbolo de solidariedade humana que ultrapassava as fronteiras do picadeiro.
Embora não fosse maçom, Fanque viveu e agiu
segundo os mesmos ideais que movem a Maçonaria — lealdade, ajuda mútua e amor
fraternal. Sua trajetória pessoal e seu envolvimento com as sociedades
amigáveis, especialmente a Ordem dos Antigos Pastores (Shepherds Friendly
Society), revelam um homem profundamente comprometido com o bem-estar de sua
comunidade e com os princípios da benevolência.
Da pobreza ao brilho do
picadeiro
Nascido em 1810 no asilo de
St. Augustine, em Norwich, filho de um servo de origem africana ou indiana,
William Darby cresceu em meio à pobreza. Aos dez anos, tornou-se aprendiz do
proprietário de circo William Batty, e ali começou a aprender a arte do espetáculo.
Com o tempo, adotou o nome artístico de Pablo Fanque, que refletia a influência
cosmopolita dos circos itinerantes da época.
A partir de 1841, já como
proprietário de seu próprio circo, Pablo construiu uma reputação sem
precedentes. Era um acrobata exímio, mas também um empresário visionário, cuja
troupe percorria cidades e vilas, levando cultura e diversão a diferentes
camadas sociais. O “Circo Real de Pablo Fanque” tornou-se sinônimo de
profissionalismo e filantropia.
Um coração fraternal
Muito antes das políticas
públicas de assistência social, Pablo Fanque atuava como um verdadeiro
benfeitor. Seus circos frequentemente realizavam eventos beneficentes em prol
de artistas doentes, viúvas, órfãos e trabalhadores em dificuldade.
Em 1857, organizou um
espetáculo para ajudar a família do palhaço Tom Barry, falecido recentemente. O
evento foi anunciado como “um benefício maçônico”, demonstrando a ligação
simbólica entre as práticas de Pablo e os valores fraternais das lojas maçônicas.
Essas ações não eram isoladas.
Eram parte de uma rede de sociedades amigáveis que, à semelhança das ordens
maçônicas, reuniam homens de diversas profissões para praticar a solidariedade.
Nessas associações — conhecidas como “friendly societies” — os membros
contribuíam regularmente com pequenas quantias para garantir auxílio mútuo em
caso de doença, acidente ou morte.
Os Pastores Antigos: uma
fraternidade inspirada na Maçonaria
A Ordem dos Antigos Pastores
(Shepherds Friendly Society) foi fundada em 1826, na Inglaterra, e tinha como
lema “aliviar os doentes, enterrar os mortos e ajudar uns aos outros em todas
as aflições inevitáveis da vida”.
Inspirada na simbologia cristã
e maçônica, a sociedade possuía rituais, lojas locais e trajes cerimoniais,
muito semelhantes aos dos maçons. Seu ideal de “paz e boa vontade para com toda
a raça humana” refletia o mesmo espírito universalista que norteava a Maçonaria
especulativa do século XVIII.
Fanque não apenas era membro
ativo da Ordem, mas exemplificava seus princípios através de sua própria vida.
Ele organizava benefícios, financiava funerais e prestava auxílio aos
necessitados, muitas vezes sem esperar reconhecimento público.
Sociedades fraternas: o elo
invisível da era vitoriana
Durante o século XIX, o Reino
Unido viu florescer uma profusão de sociedades fraternas e de ajuda mútua, como
os Oddfellows, os Buffaloes, os Foresters e os Jardineiros Livres. Estas
associações funcionavam como “caixas de solidariedade”, precursoras dos
modernos sistemas de previdência e seguros.
Os membros pagavam cotas
regulares e, em troca, recebiam apoio financeiro em caso de doença, desemprego
ou morte. Além disso, essas ordens promoviam convivência social, valores éticos
e disciplina moral, incentivando a educação e a filantropia — valores também
cultivados nas lojas maçônicas.
A Ordem dos Jardineiros
Livres, por exemplo, nasceu na Escócia em meados do século XVII e compartilhou
com a Maçonaria uma estrutura ritualística, o uso de símbolos e o propósito de
aprimorar o homem por meio do trabalho e da virtude.
Pablo Fanque e os Beatles: o
eco imortal
Mais de um século após sua
morte, o nome de Pablo Fanque ecoou novamente, desta vez nas vozes dos Beatles,
no álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967). A canção “Being for the
Benefit of Mr. Kite!” foi inspirada em um pôster real de um espetáculo de
Fanque.
A letra celebra um desses
“benefícios” — apresentações especiais cujo lucro era destinado a artistas ou
famílias em necessidade — e eterniza a generosidade de Pablo em versos que unem
o circo à solidariedade.
“Para
o benefício do Sr. Kite / haverá um show hoje à noite no trampolim...”
Essas palavras, que
atravessaram gerações, são mais do que uma homenagem ao circo: são um tributo à
benevolência e fraternidade de um homem que viveu para servir.
O legado de um verdadeiro
irmão da humanidade
Pablo Fanque faleceu em 1871,
mas sua memória sobrevive como exemplo de humanismo prático. Seu funeral,
acompanhado por multidões e por seu cavalo favorito, refletiu a admiração
popular conquistada ao longo de décadas de generosidade e talento.
Mais do que um artista, Fanque
foi um construtor de pontes humanas, um “irmão” no sentido espiritual do termo
— alguém que, sem ostentar avental ou compasso, viveu segundo o ideal de que o
amor ao próximo é a mais alta forma de sabedoria.
Em seu circo, como nas lojas
maçônicas, o espetáculo terminava, mas o ensinamento permanecia:
“A
verdadeira grandeza não está no aplauso, mas no bem que se faz em silêncio.”
O Texto Original foi publicado
na revista The Square


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