Antes de iniciar este trabalho deixei meus pensamentos fluírem livremente, acompanhando as sensações que passavam por mim.
Parei para refletir sobre minha jornada
maçônica, sobre a evolução do meu compromisso que passou de simples consciência
de ser maçom em busca da “palavra perdida”.
A transição das trevas para a luz, ocorrida
durante a minha iniciação, marcou o amanhecer de uma nova existência: uma vida
dedicada ao aperfeiçoamento pessoal, à superação e à aspiração à perfeição.
A ascensão ao posto de Companheiro foi rica
em simbolismo, uma passagem que representou uma extensão da iniciação, um
caminho tudo menos simples, pontilhado de incertezas, dúvidas e momentos de
alegria.
Novas chaves me permitiram avançar em minha
pesquisa e fazer progressos que também beneficiaram outras pessoas.
Tendo alcançado a terceira fase do meu
desenvolvimento, ou seja, a obtenção do grau de Mestre, percebi que as minhas
ações deveriam contribuir para o funcionamento da Loja e não se limitar ao mero
enriquecimento pessoal.
A iniciação, ao contrário do que muitos
acreditam, não se realiza através de cerimónias formais e rígidas, mas
desenrola-se ao longo dos anos, através de um caminho de constante dedicação e
trabalho interior.
Dia após dia, ano após ano, avançando de grau
em grau, o Maçom empreende um caminho de autodescoberta, enriquecido por
contínuas introspecções, diálogos e reflexões com os Irmãos, todos unidos na
busca da mesma Verdade.
Enfrentar a realidade é essencial. O homem,
em geral, sabe pouco sobre si mesmo e esta ignorância o expõe à
vulnerabilidade. Muitas vezes, as dificuldades que encontramos decorrem
precisamente desta falta de autoconsciência.
Como destaca Pascal, o autoconhecimento é
fundamental: “Conhece-te a ti mesmo; mesmo que não conduza à verdade, pelo menos
serve para orientar a vida”. Não há sabedoria maior.
O autoconhecimento representa um caminho
intricado e multifacetado, uma jornada introspectiva onde o indivíduo se torna
sujeito conhecedor e objeto a ser conhecido ao mesmo tempo. Esta dupla natureza
torna difícil manter a objectividade absoluta, mas é precisamente este desafio
que eleva a auto-busca a um nível tão crucial quanto exigente.
O autoconhecimento não vem espontaneamente,
mas sim a partir de experiências vividas. Para empreender este caminho é
necessário dotar-se de um pensamento recto, de uma mente crítica e de uma
abertura a diferentes perspectivas. Só assim é possível desmantelar as ilusões
e abraçar a própria essência autêntica, sem se deixar enjaular por ideais
inatingíveis.
Aceitar-se como você é, na sua imperfeição e
singularidade, representa o primeiro passo para uma transformação autêntica.
Somente abandonando a tensão em direção a um eu ideal, baseado em dogmas
inflexíveis, poderá ser empreendida uma mudança real, abraçando a complexidade
da natureza humana.
O autoconhecimento é uma jornada interna que
nos permite explorar e compreender diferentes aspectos da nossa existência:
- compreender os traços distintivos do nosso
carácter, as nossas reações emocionais e padrões de comportamento;
- reconhecer as nossas capacidades físicas,
intelectuais e morais, incluindo valores, crenças que norteiam as nossas ações;
- E estar ciente de nossas competências,
conhecimentos, atitudes e habilidades que definem o que podemos fazer;
avaliar os aspectos materiais da vida, como
relações sociais, situação financeira e bens materiais;
- identificar o que nos entusiasma, motiva e
atrai;
- refletir sobre as nossas experiências e
sucessos passados, que moldaram quem somos hoje;
- aceitar e valorizar aquela parte privada e
íntima de nós mesmos que guardamos zelosamente.
O autoconhecimento é fundamental para viver
uma vida autêntica e plena, pois nos permite navegar pelo mundo com maior
consciência e intencionalidade.
Quando questionamos o ‘eu’, entramos numa
exploração da essência humana:
- Quem sou eu como ser humano? E em que
contexto estou?
- Qual é o meu papel como homem inscrito numa
história, como membro de uma cultura específica num determinado momento
histórico? Que características definem meu personagem?
- Como minha personalidade se manifesta
através de meus comportamentos em relação a mim mesmo, meus entes queridos e
meus amigos?
- O que me torna único, distinguindo-me dos
outros?
- Além das determinações e dos
condicionamentos, posso me considerar um ser livre? Estou plenamente consciente
das forças que me moldam?
Estas questões guiam-nos para uma reflexão
profunda sobre o “eu”, levando-nos a considerar não apenas a nossa identidade
individual, mas também o nosso lugar no tecido mais amplo da sociedade e da
história.
Quando o indivíduo assimila o conhecimento e
se torna plenamente consciente dele, esse conhecimento é transfigurado em
sabedoria interior. Neste momento de meditação surge espontaneamente a questão:
é realmente possível, ou mesmo desejável, conhecer-se plenamente?
A reflexão, a introspecção, a autocontemplação
no espelho ou qualquer outro método podem realmente facilitar a descoberta do
eu mais autêntico? Talvez seja hora de ousar a experiência, de entrar
corajosamente no labirinto do nosso ser interior?
E, novamente, podemos encontrar apoio nesta
jornada exploratória do eu, e seria apropriado procurar por isso? A resposta
talvez resida na crença de que cada passo em direção ao autoconhecimento é um
passo em direção à liberdade da alma.
Podemos nos conhecer bem e como? Para isso
teremos que desviar o olhar do mundo exterior e, numa conversa em que estaremos
a sós conosco próprios, examinar a questão do autoconhecimento.
O homem tem o dever de ser sincero consigo mesmo
e com os outros. Isto é mais difícil do que parece à primeira vista. O homem às
vezes gosta de assumir personalidades diferentes. Podemos notar isso em nossos
respectivos ambientes. Os papéis que pode desempenhar, as suas atitudes, as
suas facetas podem ser múltiplas e dependentes das pessoas que conhece. O homem
que cria esta vida irreal, artificial, enganosa, seja qual for o motivo,
distancia-se da sinceridade e, mais cedo ou mais tarde, sofre as consequências.
Médiuns e charlatões de todos os tipos que
pretendem revelar a verdade através de bolas de cristal, borra de café, cartas
ou outros meios esotéricos, perseguem um único objetivo: explorar a credulidade
dos outros. Tais métodos, contudo, não parecem oferecer qualquer compreensão
real do labirinto da consciência individual.
A fonte mais autêntica de autoconhecimento
está em nossas experiências pessoais. Mas a experiência por si só não é
suficiente; é também fundamental refletir, cultivar o gosto pela introspecção,
alimentar a curiosidade pelo mistério que cada um de nós carrega dentro de si.
A auto-observação torna-se, portanto, fundamental. Em vez de procurar respostas
fora, precisamos olhar para dentro por dentro, pois é no coração do homem que
habita a Verdade.
A reflexão é uma viagem rumo à essência mais
íntima do ser, uma viagem que se realiza no silêncio da meditação. Na tradição
iniciática, o autoconhecimento ganha vida na “sala do pensamento”, um lugar
metafórico onde as aparências se dissolvem para dar lugar à verdade interior. É
aqui que o buscador é chamado a revelar o seu “verdadeiro” eu, pois somente
através de uma visão interior clara podem ser encontrados os meios para a
transformação pessoal.
No caminho maçônico, o Irmão, com o apoio de
seus pares, dedica-se a suavizar a rugosidade de sua própria “pedra bruta”,
processo que simboliza o aprimoramento contínuo do indivíduo. Este trabalho
exige vontade e empenho, e é muitas vezes no isolamento, num estado de solidão
quase “monástica”, que se encontra o espaço ideal para a auto-reflexão e o crescimento
espiritual.
O espelho, símbolo lunar, reflete não apenas
imagens invertidas, mas também a vida interior do observador. Tal como a lua,
mostra-nos uma realidade indireta, convidando-nos a transcender a ilusão e a
superficialidade. A imagem refletida pode parecer aceitável, mas as aparências
enganosas podem esconder verdades mais profundas, revelando inadequações e
áreas de crescimento, bem como pontos fortes e fracos. A imagem efêmera e às
vezes distorcida que o espelho nos devolve deveria nos levar a uma reflexão
mais profunda. Pessoalmente, creio que é na comparação com os nossos Irmãos que
podemos descobrir aspectos ocultos de nós mesmos, pois neles vemos refletido um
“outro nós”. O autoconhecimento, portanto, não é uma jornada solitária, mas um
caminho compartilhado, enriquecido pela troca e pela compreensão mútua.
O autoconhecimento pode ser fonte de medo,
dúvida e, às vezes, dor. A questão surge espontaneamente: é necessário realizar
esta investigação? Existe um perigo? Qual é o benefício? Na sociedade, o
indivíduo tem frequentemente de se adaptar para não ser excluído, mas a
diversidade é uma riqueza, uma fonte de progresso. O autoconhecimento é
precioso, uma ferramenta que pode ter um impacto positivo e facilitar o
encontro com outras pessoas.
Porém, também existe um risco: o
autoconhecimento pode ser fonte de ansiedade e tormento. Deveríamos limitar
esta exploração para nos proteger? O medo de descobrir a verdade pode
desencorajar alguns de procurarem dentro de si mesmos. O homem sente-se livre quando
ignora as forças que o guiam. Freqüentemente, os conflitos com outras pessoas
são um reflexo dos conflitos internos. Aquilo que nos recusamos a enfrentar
dentro de nós mesmos pode manifestar-se externamente como um destino
inevitável.
O autoconhecimento, mesmo que incompleto,
representa uma oportunidade preciosa de crescimento pessoal e de melhoria dos
próprios defeitos, um empreendimento decididamente mais construtivo do que a
tentativa de corrigir os outros.
Esta forma de autocontrole revela-se um recurso
inestimável, capaz de gerar um impacto positivo nos outros, independentemente
do contexto, seja ele secular ou espiritual. A condição mais deplorável para o
homem ocorre quando ele perde a autoconsciência e a capacidade de
autodeterminação.
Contudo, permanece uma questão em aberto:
apesar dos métodos utilizados, como a reflexão e o espelho, será que o autoconhecimento
será algum dia suficiente para ser suportável aos outros e, em particular, aos
Irmãos?
Em primeiro lugar, vamos explorar o
significado de “suportável”. Segundo o dicionário, trata-se do que pode ser
tolerado, aceito ou desculpado. Na Maçonaria, como em qualquer outra área da
vida, é essencial compreender até que ponto o nosso comportamento e as nossas
palavras influenciam a aceitação dos outros. O autoconhecimento torna-se,
portanto, importante: nossos defeitos e nossas virtudes determinam o afeto ou a
antipatia dos outros.
Para conquistar um lugar na sociedade, é
preciso exibir qualidades como generosidade, tolerância e coragem. Estas
virtudes, inatas em graus variados em cada um de nós, são cultivadas e postas
em prática através do ensino da fraternidade. Porém, para isso, precisamos do
olhar do outro: do amigo, do Irmão, com quem compartilhamos os mesmos objetivos
e aspirações de perfeição. O nascimento desta obra gerou mais perguntas do que
certezas. É evidente que a investigação interna é conduzida através da
introspecção, do espelho ou de outros métodos, tradicionais ou não, revela-se
incompleto. O autoconhecimento é uma jornada que só se enriquece e se completa
com a participação de outras pessoas.
Na loja, o maçom não pode trabalhar em
benefício próprio sem contribuir para o bem comum, nem pode trabalhar para
outros sem beneficiar pessoalmente; é a união ideal do Espírito, onde a alegria
de um membro é compartilhada por todos, e sua desgraça é sentida coletivamente,
portanto, o autoconhecimento se transforma em uma consciência compartilhada,
suportável e enriquecedora para todos os Irmãos.
Reconhecendo que cada indivíduo é suscetível de
melhoria, nenhum maçom pode limitar-se apenas à autoanálise. Trabalhar em
conjunto em prol de ideais comuns, com um compromisso constante com a Irmandade,
permite que todos ofereçam e recebam apoio, promovendo assim a harmonia coletiva.
(*) O Autor se identifica somente com as iniciais L.M.
Fonte Revista Athanor
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