O Templo de Salomão: Um Edifício Sagrado ou Uma Figura Arquetípica?




Por João Alexandre Paschoalin Filho, 33

A construção do Templo de Salomão é uma das narrativas mais emblemáticas da história antiga e da simbologia religiosa, especialmente no contexto da maçonaria. Este templo não apenas representava um lugar físico de adoração, mas também carregava significados profundos ligados ao poder, à sabedoria e à espiritualidade. A partir de um exame detalhado da figura de Salomão e dos elementos simbólicos associados à construção do Templo, é possível entender o impacto cultural e espiritual desta edificação tanto no passado quanto no imaginário contemporâneo.

Salomão, conhecido por sua sabedoria e riqueza, foi o terceiro rei de Israel e responsável pela construção do Templo que levaria seu nome. A Bíblia e outras tradições antigas descrevem Salomão como um monarca que buscou consolidar o reino de Israel e fortalecer a fé através de um local sagrado para abrigar a Arca da Aliança. O Templo de Salomão foi construído com uma arquitetura grandiosa, repleta de simbolismos e detalhamentos que revelam a profundidade espiritual de sua concepção. Segundo o Talmude, a construção do Templo envolveu técnicas incomuns e misteriosas. As pedras que compunham a estrutura não poderiam ser cortadas com ferramentas de metal, pois isso profanaria o altar. Esse princípio encontra respaldo na Torah, mais especificamente em Êxodo 20:25, que instrui: "E, se me fizeres um altar de pedras, não o edificarás de pedras lavradas; pois, ao alçar tua ferramenta sobre ele, o profanarás." Essa proibição se fundamenta no fato de que as ferramentas de ferro, utilizadas para a construção, também eram empregadas na fabricação de armas de guerra, tornando-as inapropriadas para o serviço sagrado.

Para solucionar o desafio de construir o Templo sem o uso de ferramentas metálicas, Salomão recorreu à sabedoria dos sábios e ao auxílio de criaturas místicas, como o Shamir, um verme lendário capaz de cortar pedras com precisão. A captura do Shamir envolveu um pacto com forças demoníacas, como Ashmedai, o rei dos demônios,

que forneceu a localização desta criatura essencial para a edificação do templo. O uso do Shamir não apenas permitiu que Salomão cumprisse as diretrizes divinas sem profanar o sagrado, mas também simboliza a interação do sagrado com o mundano, mostrando que a construção de algo divino muitas vezes requer elementos que transcendem o comum, envolvendo fé, misticismo e sabedoria para alcançar o resultado desejado. A lenda do Shamir nos ensina que a verdadeira elevação espiritual não se alcança através da força bruta ou da violência, mas sim através da sabedoria, da paciência e da harmonia com as leis divinas, refletindo que os desafios mais difíceis podem ser superados com soluções criativas que respeitem os princípios espirituais.

O simbolismo do Templo vai além de suas pedras e arquitetura. Na maçonaria, o Templo de Salomão é uma representação arquetípica que conecta o humano ao divino. Carl Jung descreve os arquétipos como elementos que ligam o consciente ao inconsciente, e o Templo surge como um elo entre o físico e o espiritual. Na tradição maçônica, o ingresso ao Santo dos Santos representa a busca pelo conhecimento profundo, acessível apenas aos iniciados que alcançam um nível elevado de espiritualidade. Elementos como a Arca da Aliança, o Selo de Salomão e os rituais associados ao Templo são repletos de simbolismos que refletem conceitos de proteção, poder e perfeição. O Selo de Salomão, por exemplo, é frequentemente confundido com a Estrela de Davi, mas possui um significado distinto, representando a união do divino com o humano, e a proteção contra forças negativas.

O Templo de Salomão possui uma profunda conexão com a Árvore da Vida da Cabala, um diagrama que representa a estrutura do universo e da alma humana. Na Cabala, a Árvore da Vida é composta por dez sefirot (esferas) que simbolizam diferentes aspectos da criação e da espiritualidade, organizadas em um padrão que reflete a dinâmica do equilíbrio entre forças opostas. No Templo de Salomão, essa simbologia se manifesta através das colunas Boaz e Jachin, que se erguem na entrada do templo e representam as colunas positiva e negativa da Árvore da Vida. Boaz simboliza a força, o pilar da severidade, enquanto Jachin representa a estabilidade, o pilar da misericórdia. Juntas, essas colunas ilustram o equilíbrio necessário entre as forças contrárias que sustentam o universo, inspirando o ideal maçônico de harmonia entre o bem e o mal, o masculino e o feminino, e o material e o espiritual.

Essa relação entre o Templo e a Árvore da Vida inspira a arquitetura dos templos maçônicos, que frequentemente incorporam elementos simbólicos da Cabala para

representar a jornada de crescimento espiritual do maçom. Os templos são concebidos como microcosmos que refletem a estrutura do universo, com o altar central simbolizando a conexão com o divino e as colunas Boaz e Jachin marcando a entrada para o caminho do autoconhecimento e da iluminação espiritual. Esse design intencional dos templos maçônicos serve como um constante lembrete do equilíbrio dinâmico que cada indivíduo deve buscar em sua jornada pessoal, refletindo a própria estrutura da Árvore da Vida.

O Templo de Salomão na maçonaria está longe de ser apenas um edifício; ele é, na verdade, uma fonte de sabedoria oculta cabalística que deve ser desvendada pelo maçom. O verdadeiro estudante de maçonaria deve ir além dos rituais e dos livros que compartilham sempre as mesmas opiniões de autores tidos como grandes sábios incontestáveis da ordem. Apesar de importantes, esses textos muitas vezes se tornam repetitivos e limitam a busca pelo conhecimento mais profundo. O verdadeiro mestre maçom deve procurar beber diretamente da fonte, pois, apesar de estar sempre oculta, na nascente a água é mais fresca e pura. O Templo, assim, não é apenas um símbolo da construção física, mas um mapa místico que orienta o iniciado na descoberta dos segredos do universo e de si mesmo, convocando-o a explorar as profundezas do saber cabalístico que se revela nas sutilezas dos símbolos e das práticas. Essa busca incessante pelo conhecimento original e não contaminado é o que diferencia o verdadeiro iniciado daquele que se contenta com as superfícies. A jornada do maçom é, portanto, uma constante reconstrução de seu templo interior, uma busca pela verdade que se revela apenas aos que têm coragem de explorar além do comum.

O Templo de Salomão é, portanto, muito mais do que um edifício histórico; ele é um arquétipo universal que simboliza o processo de individuação — a jornada de autoconhecimento e integração do consciente com o inconsciente, como definido por Carl Jung. Cada pedra do Templo representa um aspecto do ser humano que precisa ser trabalhado, polido e encaixado na estrutura maior do self, que é a totalidade da psique. A construção do Templo é uma metáfora da construção do homem espiritual, onde o trabalho de lapidar a pedra bruta reflete o esforço de cada indivíduo em superar suas limitações, integrar seus conflitos internos e alcançar um estado de harmonia e plenitude. No centro desta construção simbólica está o Santo dos Santos, o local mais sagrado do Templo de Salomão, onde se situa a Arca da Aliança. Na narrativa bíblica, este é o espaço de comunicação direta entre o homem e Deus, acessível apenas ao sumo sacerdote em momentos específicos e sob rituais extremamente rigorosos. No simbolismo junguiano,

o Santo dos Santos pode ser interpretado como a mente inconsciente, o núcleo mais profundo da psique onde reside a centelha divina — a parte de nós que está em contato direto com o universo e com os planos sutis da existência.

A Arca da Aliança, que repousa no Santo dos Santos, é o símbolo máximo dessa ligação entre o humano e o divino, representando o tesouro interior que todos carregam dentro de si. Assim como a Arca continha as Tábuas da Lei e simbolizava a presença de Deus entre o povo de Israel, o inconsciente guarda os mistérios da nossa existência e a sabedoria primordial que nos conecta ao sagrado. É no silêncio e na introspecção que se pode alcançar essa dimensão interior, onde reside a essência divina que nos liga ao cosmos. Jung vê esse espaço como o ponto de encontro entre o consciente e o inconsciente, o pessoal e o impessoal, onde se a verdadeira comunicação com o divino

uma comunicação que transcende palavras e se manifesta através de insights, intuições e uma profunda sensação de pertencimento ao todo.

A importância do Templo de Salomão é particularmente destacada no grau de Mestre da Maçonaria do Rito Escocês Antigo e Aceito. Neste contexto, o Templo não é apenas um edifício físico, mas uma poderosa representação simbólica que conecta os maçons ao conceito de evolução espiritual, autoconhecimento e ao aperfeiçoamento contínuo. O grau de Mestre é um dos mais significativos na jornada maçônica, e o Templo de Salomão atua como o cenário simbólico que envolve o mito de Hiram Abiff, o arquiteto do Templo, que é visto como o ideal do homem perfeito, sábio e virtuoso.

No grau de Mestre, o Templo de Salomão é interpretado como um local onde o neófito passa por rituais que simbolizam a morte e a ressurreição, refletindo a transformação pessoal e a elevação do espírito. Esta narrativa é um convite ao maçom para refletir sobre sua própria mortalidade, suas virtudes e o compromisso com os valores éticos que o Templo representa. A história de Hiram Abiff, que é central neste grau, é uma alegoria da busca pela verdade e do sacrifício pessoal em prol da preservação do segredo e do conhecimento. Hiram, ao proteger a Palavra Sagrada, simboliza o compromisso máximo com a verdade e com os princípios do Templo.

A figura arquetípica de Hiram Abiff, central na tradição maçônica, e o conceito de Super-Homem (ou Übermensch) de Friedrich Nietzsche compartilham uma simbologia profunda ligada à superação, transformação pessoal e ao ideal de evolução do ser humano. Hiram Abiff, o mestre arquiteto do Templo de Salomão, é visto na maçonaria como um modelo de perfeição humana, um homem que, por meio de suas virtudes,

habilidades e sacrifício, personifica o ideal de mestre e guardião do conhecimento sagrado. Sua história, marcada pela dedicação, resistência à corrupção e preservação do segredo até a morte, simboliza a jornada de autossuperação e o compromisso com um propósito elevado.

Nietzsche, ao desenvolver o conceito do Super-Homem, propõe um novo tipo de ser humano que transcende os valores morais convencionais e se liberta das limitações impostas pela sociedade, religião e tradições herdadas. O Super-Homem é aquele que cria seus próprios valores, vivendo de forma autêntica e afirmando a vida com plena responsabilidade por suas escolhas e ações. Ele é, portanto, um símbolo da autossuperação, da ca de o indivíduo se reinventar e se tornar a melhor versão de si mesmo, sem depender de um sentido de moralidade externa ou divina. Esse conceito reflete a busca por um ideal de existência em que o ser humano não apenas sobrevive, mas se eleva e cria seu próprio destino.

Hiram Abiff e o Super-Homem de Nietzsche convergem na ideia de que o ser humano pode, e deve, buscar a superação de si mesmo, transcender suas limitações e se tornar algo mais elevado. Hiram representa o arquétipo do homem que, mesmo diante da adversidade e da ameaça à sua própria vida, mantém sua integridade e se recusa a trair o segredo que lhe foi confiado. Ele não se curva à pressão externa, mantendo-se fiel a seus princípios até o fim. Essa postura de resistência e fidelidade a um ideal maior ressoa com a filosofia de Nietzsche, que no Super-Homem a personificação da vontade de poder, ou seja, a capacidade de afirmar a própria vida de forma plena e autônoma.

Enquanto Hiram Abiff sacrifica-se para proteger o segredo da Palavra Sagrada, simbolizando a preservação dos valores espirituais e a busca incessante pela perfeição, o Super-Homem se sacrifica de outra forma: rejeitando as ilusões e as falsas seguranças da moralidade tradicional para criar uma nova ordem de valores que reflitam a verdadeira essência do ser humano. Ambos rejeitam a submissão a uma moral externa e buscam, em vez disso, uma realização que se origina de dentro. Hiram, como o arquiteto que constrói o Templo, reflete a ideia do homem que constrói a si mesmo, pedra por pedra, em um processo contínuo de autotransformação, semelhante ao Super-Homem que se reconstrói ao abandonar o conformismo e abraçar sua própria natureza criativa e poderosa.

A conexão entre Hiram Abiff e o Super-Homem de Nietzsche reside na exaltação do ser humano que se eleva acima das limitações impostas pelo medo, pela tradição e pela mediocridade. Hiram, com sua morte e ressurreição simbólica, nos lembra que o

verdadeiro mestre é aquele que está disposto a morrer para o velho eu e renascer em uma forma mais elevada. Da mesma forma, o Super-Homem representa o renascimento do ser humano que transcende o homem comum, rejeitando a complacência e afirmando a vida em sua plenitude. Ambos se tornam arquétipos do ser humano ideal, o mestre que inspira não pela sua submissão, mas pela sua capacidade de criar, resistir e superar os desafios que a vida impõe.

Em resumo, Hiram Abiff e o Super-Homem de Nietzsche são símbolos de um ideal de perfeição humana, onde o indivíduo não é mais definido pelos valores alheios, mas pela sua própria jornada de autossuperação e pela busca de uma vida com significado próprio. O arquétipo de Hiram e o conceito do Super-Homem nos desafiam a reavaliar nossas próprias vidas, questionar nossas limitações e buscar continuamente o aprimoramento, não apenas como um ideal abstrato, mas como uma prática diária de construção de nosso próprio templo interior.

A história de Hiram Abiff também se relaciona com o mito cabalístico da queda de Adam Kadmon, o Homem Primordial, uma figura simbólica da perfeição original e do estado elevado da alma humana antes de sua queda. Hiram é morto pelos três companheiros, Jubelas, Jubelo e Jubelum, que representam as forças destrutivas do vício, da superstição e da ignorância. Estes são os inimigos internos que levam o homem a perder sua conexão com o sagrado, espelhando o mito de Adam Kadmon, que, em sua queda, reflete a perda do estado divino do ser humano e sua desconexão com o Eterno. A morte de Hiram simboliza a perda da Palavra de Mestre, que é o rompimento da ligação entre o homem e o divino, semelhante à queda de Adam Kadmon, que resulta na separação do homem de sua fonte espiritual.

A missão do maçom, após a morte simbólica de Hiram, é a reconstrução de seu templo interior para restabelecer sua conexão com o Supremo, um processo que pode ser comparado à jornada de ascensão nas sefirot da Árvore da Vida. Esse caminho de volta ao estado de plenitude e união com o divino é também simbolizado pela Escada de Jacob, outro arquétipo que representa a subida gradual do ser humano através dos níveis espirituais, superando os vícios e fraquezas que causaram sua queda. A maçonaria, através do simbolismo da ressurreição de Hiram, convida seus membros a reconhecerem suas falhas, a trabalharem para superar suas limitações e a buscarem incessantemente o retorno à sua essência divina, recriando, pedra por pedra, o templo perdido dentro de si.

O ingresso ao Santo dos Santos, no contexto simbólico da Maçonaria, é reservado apenas àqueles que possuem um conhecimento profundo e que atingiram um nível elevado de entendimento espiritual. Esse espaço é uma representação da busca pelo conhecimento absoluto, onde o maçom é convidado a se conectar com o divino que habita dentro de si. Essa simbologia reforça a ideia de que o Templo de Salomão, no grau de Mestre, não é apenas uma construção física, mas o próprio corpo humano que abriga a essência divina. Assim, o maçom é encorajado a se ver como um templo em construção, constantemente se aprimorando e buscando a perfeição moral e espiritual.

Além disso, o Templo é um símbolo de equilíbrio e harmonia, refletindo a relação entre o céu e a terra, o material e o espiritual. O grau de Mestre ensina que cada maçom deve construir seu próprio templo interior, alicerçado na sabedoria, na força e na beleza, que são as colunas simbólicas que sustentam o Templo de Salomão. A importância do Templo neste grau também reside na ideia de que o conhecimento e a sabedoria devem ser buscados com perseverança e humildade, reconhecendo que a verdadeira maestria envolve o sacrifício de desejos egoístas em prol de um bem maior.

O mito de Hiram e a associação com o Templo de Salomão também convidam o maçom a refletir sobre a responsabilidade de manter os segredos e os ensinamentos transmitidos nos graus anteriores. Esta responsabilidade é uma metáfora para a preservação dos valores morais e espirituais que o Templo simboliza, incentivando o Mestre a ser um guardião do conhecimento e um exemplo de retidão para os demais. O Templo de Salomão, portanto, é um modelo ideal de pureza, retidão e sabedoria que todos os maçons devem aspirar a emular em suas vidas pessoais e dentro da fraternidade.

A construção e o simbolismo do Templo de Salomão refletem uma complexa intersecção de história, mitologia e espiritualidade. Além de sua função como um local de adoração, o Templo serviu como uma imagem arquetípica na maçonaria, promovendo a ideia de que cada pessoa é um templo sagrado em construção, buscando continuamente a perfeição espiritual. O uso de elementos míticos na construção, como o Shamir, e a interação com entidades como Ashmedai, ilustram como as narrativas antigas incorporam o sobrenatural como parte essencial da explicação de fenômenos incomuns. Essas histórias não apenas enriquecem a tradição oral e escrita, mas também servem para transmitir lições morais e espirituais, como a importância da sabedoria, da justiça e do equilíbrio entre o bem e o mal.

O Templo de Salomão transcende seu aspecto físico para se tornar um símbolo eterno de busca espiritual e de conexão entre o humano e o divino. Sua construção, cercada de mistérios e rituais, continua a inspirar e a intrigar aqueles que buscam entender os segredos de seu simbolismo. Para os maçons, o Templo é um constante lembrete da jornada interior de autoconhecimento e aperfeiçoamento. Salomão, com sua sabedoria e determinação, não apenas construiu um edifício monumental, mas também estabeleceu um legado que continua a ecoar na psique coletiva através dos séculos.

 

Por Dr. João Alexandre Paschoalin Filho, 33

Membro da Academia Campineira Maçônica de Letras, cadeira 23 ARLS Constância 1147 – Oriente de Campinas/SP

 

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