A construção do Templo de Salomão é uma das narrativas mais emblemáticas da história antiga e da simbologia
religiosa, especialmente no contexto da maçonaria. Este templo não apenas
representava um lugar físico de adoração, mas também carregava significados
profundos ligados ao poder, à sabedoria e à espiritualidade. A partir de um exame detalhado da figura
de Salomão e dos elementos simbólicos associados à construção do Templo, é possível entender
o impacto cultural
e espiritual desta edificação
tanto no passado quanto no imaginário contemporâneo.
Salomão, conhecido por sua sabedoria e
riqueza, foi o terceiro rei de Israel e responsável pela construção do Templo que levaria seu nome. A Bíblia e outras tradições antigas descrevem Salomão como um monarca
que buscou consolidar o reino de Israel
e fortalecer a fé através de um local sagrado para abrigar a Arca da
Aliança. O Templo de Salomão
foi construído com uma arquitetura grandiosa, repleta de simbolismos e
detalhamentos que revelam a profundidade espiritual de sua concepção. Segundo o
Talmude, a construção do Templo
envolveu técnicas incomuns e misteriosas. As
pedras que compunham a estrutura não poderiam ser cortadas com ferramentas de
metal, pois isso profanaria o altar. Esse princípio encontra respaldo na Torah, mais especificamente em Êxodo
20:25, que instrui: "E, se me fizeres um altar de pedras, não o edificarás
de pedras lavradas; pois, ao alçar
tua ferramenta sobre ele, o profanarás." Essa proibição se fundamenta no fato
de que as ferramentas de ferro, utilizadas para a construção, também eram empregadas na fabricação de armas de guerra,
tornando-as inapropriadas para o serviço sagrado.
Para solucionar o desafio de construir
o Templo sem o uso de ferramentas metálicas, Salomão recorreu à sabedoria dos
sábios e ao auxílio de criaturas místicas, como o Shamir, um verme lendário
capaz de cortar pedras com precisão. A
captura do Shamir envolveu um pacto com forças demoníacas, como Ashmedai, o rei dos demônios,
que
forneceu a localização desta criatura essencial para a edificação do templo. O uso do Shamir não apenas permitiu que Salomão cumprisse as diretrizes divinas sem profanar o sagrado, mas também simboliza a
interação do sagrado com o mundano, mostrando que a construção de algo divino
muitas vezes requer elementos que transcendem o comum, envolvendo fé,
misticismo e sabedoria para alcançar o resultado desejado. A lenda do Shamir
nos ensina que a verdadeira elevação espiritual não se alcança através da força
bruta ou da violência, mas sim através da sabedoria, da paciência e da harmonia
com as leis divinas, refletindo que os desafios mais difíceis podem ser
superados com soluções criativas que respeitem os princípios espirituais.
O simbolismo do Templo vai além de suas pedras e arquitetura. Na maçonaria, o Templo
de Salomão é uma representação arquetípica que conecta o humano
ao divino. Carl Jung descreve os arquétipos como elementos que ligam o consciente ao inconsciente,
e o Templo surge como um elo entre o físico e o espiritual. Na tradição
maçônica, o ingresso ao Santo dos Santos representa a busca pelo conhecimento
profundo, acessível apenas aos iniciados
que alcançam um nível elevado
de espiritualidade. Elementos
como a Arca da Aliança, o Selo de Salomão e os rituais
associados ao Templo são repletos de simbolismos que refletem conceitos de
proteção, poder e perfeição. O Selo de Salomão, por exemplo, é frequentemente
confundido com a Estrela de Davi, mas possui um significado distinto,
representando a união do divino com
o humano, e a proteção contra forças negativas.
O Templo
de Salomão possui uma profunda conexão com a Árvore da Vida da Cabala, um diagrama que representa a estrutura do
universo e da alma humana. Na Cabala, a Árvore da Vida é composta
por dez sefirot (esferas) que simbolizam diferentes aspectos da criação e da espiritualidade, organizadas em um padrão que reflete a dinâmica
do equilíbrio entre forças opostas. No Templo de Salomão, essa simbologia se manifesta
através das colunas Boaz e Jachin,
que se erguem na entrada
do templo e representam as colunas positiva e negativa da Árvore
da Vida. Boaz simboliza a força, o pilar da severidade, enquanto Jachin
representa a estabilidade, o pilar da misericórdia. Juntas, essas colunas
ilustram o equilíbrio necessário entre as forças contrárias que sustentam o
universo, inspirando o ideal maçônico
de harmonia entre
o bem e o mal, o
masculino e o feminino, e o material e o espiritual.
Essa
relação entre o Templo e a Árvore
da Vida inspira
a arquitetura dos templos
maçônicos, que frequentemente incorporam elementos simbólicos da Cabala para
representar a jornada de crescimento
espiritual do maçom. Os templos são concebidos como microcosmos que refletem
a estrutura do universo, com o altar
central simbolizando a
conexão com o divino e as colunas Boaz e Jachin marcando a entrada para o
caminho do autoconhecimento e da iluminação espiritual. Esse design intencional
dos templos maçônicos serve como um constante
lembrete do equilíbrio dinâmico que cada indivíduo
deve buscar em sua jornada pessoal, refletindo a própria estrutura da Árvore da
Vida.
O Templo de Salomão na maçonaria está longe de ser apenas
um edifício; ele é,
na verdade, uma fonte de sabedoria oculta cabalística que deve ser desvendada
pelo maçom. O verdadeiro estudante de maçonaria deve ir além dos rituais e dos
livros que compartilham sempre as mesmas opiniões de autores tidos como grandes
sábios incontestáveis da ordem. Apesar de importantes, esses textos muitas
vezes se tornam repetitivos e limitam a busca pelo conhecimento mais profundo.
O verdadeiro mestre maçom deve procurar
beber diretamente da fonte, pois, apesar de estar sempre oculta, na nascente a água é mais fresca e pura.
O Templo, assim, não é apenas um símbolo da construção física, mas um mapa místico
que orienta o iniciado na descoberta dos segredos
do universo e de si mesmo, convocando-o a explorar as profundezas do saber cabalístico que se revela nas sutilezas
dos símbolos e das práticas. Essa busca incessante pelo conhecimento original e
não contaminado é o que diferencia o verdadeiro iniciado daquele que se
contenta com as superfícies. A jornada do maçom é, portanto, uma constante
reconstrução de seu templo interior, uma busca pela verdade que se revela
apenas aos que têm coragem de explorar além do comum.
O Templo
de Salomão é, portanto, muito mais do que
um edifício histórico; ele é um arquétipo universal que simboliza o processo de
individuação — a jornada de autoconhecimento
e integração do consciente com o inconsciente, como definido por Carl
Jung. Cada pedra do Templo representa um aspecto do ser humano que precisa ser
trabalhado, polido e encaixado na estrutura maior do self, que é a totalidade da psique. A construção do Templo é uma metáfora da
construção do homem espiritual, onde o trabalho de lapidar a pedra bruta
reflete o esforço de cada indivíduo em superar suas limitações, integrar
seus conflitos internos
e alcançar um estado de harmonia e plenitude.
No centro desta construção simbólica está o Santo dos Santos, o local mais
sagrado do Templo de Salomão,
onde se situa
a Arca da Aliança. Na narrativa bíblica,
este é o espaço de
comunicação direta entre o homem e Deus, acessível apenas ao sumo sacerdote em
momentos específicos e sob rituais extremamente rigorosos. No simbolismo junguiano,
o Santo dos Santos pode ser
interpretado como a mente inconsciente, o núcleo mais profundo da psique onde
reside a centelha divina — a parte de nós que está em contato direto com o
universo e com os planos sutis da existência.
A Arca da Aliança, que repousa no Santo dos Santos, é o símbolo
máximo dessa ligação entre o
humano e o divino, representando o tesouro interior que todos carregam dentro
de si. Assim como a Arca continha as Tábuas da Lei e
simbolizava a presença de Deus entre o povo de Israel, o inconsciente guarda os
mistérios da nossa existência e a sabedoria primordial que nos conecta ao
sagrado. É no silêncio e na introspecção que se pode alcançar essa dimensão
interior, onde reside a essência divina que nos liga ao cosmos. Jung vê esse espaço
como o ponto de encontro entre o consciente e o inconsciente, o pessoal e o impessoal, onde se dá a verdadeira comunicação com o divino
— uma comunicação que transcende palavras
e se manifesta através de insights, intuições e uma profunda sensação de pertencimento
ao todo.
A importância do Templo de Salomão é
particularmente destacada no grau de Mestre da Maçonaria do Rito Escocês Antigo e
Aceito. Neste contexto, o Templo não é apenas um edifício físico, mas
uma poderosa representação simbólica que conecta os maçons ao conceito de
evolução espiritual, autoconhecimento e ao aperfeiçoamento contínuo. O grau de Mestre é um dos mais significativos na jornada maçônica, e o Templo de Salomão atua como o cenário simbólico que envolve o mito de Hiram Abiff, o arquiteto
do Templo, que é visto como o ideal do homem perfeito, sábio e virtuoso.
No grau de Mestre, o Templo de Salomão é interpretado como um
local onde o neófito passa por rituais que simbolizam a morte e a ressurreição,
refletindo a transformação pessoal e a elevação do espírito. Esta narrativa é
um convite ao maçom para refletir sobre sua própria
mortalidade, suas virtudes
e o compromisso com os valores
éticos que o Templo representa. A história de Hiram Abiff,
que é central neste grau, é uma alegoria da busca pela verdade e do sacrifício pessoal em prol da preservação do segredo e do
conhecimento. Hiram, ao proteger a Palavra Sagrada, simboliza o compromisso
máximo com a verdade e com os princípios do Templo.
A figura
arquetípica de Hiram Abiff, central
na tradição maçônica, e o conceito de Super-Homem (ou Übermensch) de Friedrich
Nietzsche compartilham uma simbologia profunda ligada
à superação, transformação pessoal e ao ideal de evolução do ser
humano. Hiram Abiff,
o mestre arquiteto do Templo de Salomão, é visto na maçonaria
como um modelo de perfeição
humana, um homem que, por meio de suas virtudes,
habilidades e sacrifício, personifica
o ideal de mestre e guardião do conhecimento sagrado. Sua história, marcada
pela dedicação, resistência à corrupção e preservação do segredo até a morte,
simboliza a jornada de autossuperação e o compromisso com um propósito elevado.
Nietzsche, ao desenvolver o conceito do Super-Homem, propõe
um novo tipo de
ser humano que transcende os valores morais convencionais e se liberta das
limitações impostas pela sociedade, religião e tradições
herdadas. O Super-Homem é aquele que cria
seus próprios valores, vivendo de forma autêntica e afirmando a vida com plena
responsabilidade por suas escolhas e ações. Ele é, portanto, um símbolo da
autossuperação, da ca de o indivíduo se reinventar e se tornar a melhor versão
de si mesmo, sem depender
de um sentido de moralidade externa ou divina.
Esse conceito reflete a busca
por um ideal de existência em que o ser humano não apenas sobrevive, mas se
eleva e cria seu próprio destino.
Hiram
Abiff e o Super-Homem de Nietzsche convergem na ideia de que o ser
humano pode, e deve, buscar a superação de si mesmo, transcender suas
limitações e se tornar algo mais elevado. Hiram
representa o arquétipo do homem que, mesmo diante
da adversidade e da ameaça
à sua própria vida, mantém
sua integridade e se recusa
a trair o segredo que lhe foi confiado. Ele não se curva à pressão externa,
mantendo-se fiel a seus
princípios até o fim. Essa postura de resistência e fidelidade a um ideal
maior ressoa com a
filosofia de Nietzsche, que vê no Super-Homem a personificação da vontade de poder, ou seja, a capacidade de afirmar a
própria vida de forma plena e autônoma.
Enquanto Hiram Abiff sacrifica-se para proteger o segredo da Palavra Sagrada,
simbolizando a preservação dos valores espirituais e a busca incessante pela perfeição, o Super-Homem se sacrifica de outra forma:
rejeitando as ilusões
e as falsas seguranças da moralidade tradicional para criar uma
nova ordem de valores que reflitam a verdadeira essência do ser humano.
Ambos rejeitam a submissão a uma moral
externa e buscam,
em vez disso, uma realização que se origina
de dentro. Hiram,
como o arquiteto que constrói o Templo, reflete a ideia do
homem que constrói a si mesmo, pedra por pedra, em um processo contínuo
de autotransformação, semelhante ao Super-Homem que se reconstrói ao abandonar o conformismo e
abraçar sua própria natureza criativa e poderosa.
A conexão entre
Hiram Abiff e o Super-Homem de Nietzsche reside
na exaltação do ser humano que se eleva acima das limitações impostas
pelo medo, pela tradição e pela
mediocridade. Hiram, com sua morte e ressurreição simbólica, nos lembra
que o
verdadeiro mestre é aquele que está disposto a morrer para o velho
eu e renascer em uma forma
mais elevada. Da mesma forma,
o Super-Homem representa o renascimento do ser
humano que transcende o homem
comum, rejeitando a complacência e afirmando a vida
em sua plenitude. Ambos se tornam arquétipos do ser humano
ideal, o mestre
que inspira não pela sua
submissão, mas pela sua capacidade de criar, resistir e superar os desafios que
a vida impõe.
Em resumo, Hiram Abiff e o Super-Homem de Nietzsche são
símbolos de um ideal de perfeição humana, onde o indivíduo não é mais definido
pelos valores alheios, mas pela sua própria jornada
de autossuperação e pela busca
de uma vida com significado próprio. O arquétipo de Hiram
e o conceito do Super-Homem nos desafiam a reavaliar nossas próprias vidas,
questionar nossas limitações e buscar continuamente o aprimoramento, não apenas
como um ideal abstrato, mas como uma prática diária de construção de nosso
próprio templo interior.
A história de Hiram Abiff
também se relaciona com o mito cabalístico da queda
de Adam Kadmon, o Homem
Primordial, uma figura simbólica da perfeição original
e do estado elevado da alma
humana antes de sua queda. Hiram é morto pelos três companheiros, Jubelas,
Jubelo e Jubelum,
que representam as forças destrutivas do vício, da
superstição e da ignorância. Estes são os inimigos internos que levam o homem a
perder sua conexão com o sagrado, espelhando o mito de Adam Kadmon, que, em sua queda, reflete a perda do estado
divino do ser humano e sua desconexão com o Eterno.
A morte de Hiram simboliza a perda da Palavra de Mestre, que é o
rompimento da ligação entre o homem
e o divino, semelhante à queda de Adam Kadmon,
que resulta na separação
do homem de sua fonte espiritual.
A missão
do maçom, após a morte simbólica de
Hiram, é a reconstrução de seu templo interior para restabelecer sua conexão com o Supremo,
um processo que pode ser comparado à jornada de ascensão nas
sefirot da Árvore da Vida. Esse caminho de volta ao estado de plenitude
e união com o divino
é também simbolizado pela Escada de Jacob,
outro arquétipo que representa a subida gradual do ser humano através dos
níveis espirituais, superando
os vícios e fraquezas que causaram sua queda. A maçonaria,
através do simbolismo da ressurreição de Hiram, convida seus membros a
reconhecerem suas falhas, a trabalharem para superar suas limitações e a buscarem
incessantemente o retorno à sua essência divina, recriando,
pedra por pedra, o templo perdido dentro de si.
O ingresso ao Santo dos Santos, no
contexto simbólico da Maçonaria, é reservado apenas àqueles que possuem um
conhecimento profundo e que atingiram um nível
elevado de entendimento espiritual. Esse espaço
é uma representação da busca pelo
conhecimento absoluto, onde o maçom é convidado a se conectar
com o divino que habita dentro de si. Essa simbologia
reforça a ideia de que o Templo de Salomão, no grau de Mestre, não é apenas uma
construção física, mas o próprio corpo humano que abriga a essência divina. Assim, o maçom é encorajado a se ver
como um templo em construção, constantemente se aprimorando e buscando a
perfeição moral e espiritual.
Além disso, o Templo é um símbolo de
equilíbrio e harmonia, refletindo a relação entre o céu e a terra, o material e
o espiritual. O grau de Mestre ensina que cada maçom deve construir seu próprio templo interior, alicerçado na sabedoria, na força
e na beleza, que são as colunas simbólicas que sustentam o Templo de Salomão. A importância
do Templo neste grau também reside na ideia de que o conhecimento e a sabedoria
devem ser buscados com perseverança e humildade, reconhecendo que a
verdadeira maestria envolve o sacrifício de desejos egoístas em prol de um bem
maior.
O mito de Hiram e a associação com o Templo
de Salomão também
convidam o maçom a refletir
sobre a responsabilidade de manter os segredos e os ensinamentos transmitidos
nos graus anteriores. Esta responsabilidade é uma metáfora para a preservação
dos valores morais e espirituais que o Templo simboliza, incentivando o Mestre
a ser um guardião do conhecimento e um exemplo de retidão para os demais. O
Templo de Salomão, portanto, é um modelo
ideal de pureza,
retidão e sabedoria
que todos os maçons devem
aspirar a emular em suas vidas pessoais e dentro da fraternidade.
A construção e o simbolismo do Templo
de Salomão refletem uma complexa intersecção de história, mitologia e
espiritualidade. Além de sua função
como um local de adoração, o Templo serviu
como uma imagem arquetípica na maçonaria, promovendo a ideia de que cada pessoa
é um templo sagrado em construção, buscando
continuamente a perfeição espiritual. O uso de elementos míticos na
construção, como o Shamir, e a interação com entidades como Ashmedai, ilustram
como as narrativas antigas incorporam o sobrenatural como parte
essencial da explicação de fenômenos incomuns. Essas histórias não apenas
enriquecem a tradição oral e escrita, mas também servem para transmitir lições
morais e espirituais, como a importância da sabedoria, da justiça e do
equilíbrio entre o bem e o mal.
O Templo
de Salomão transcende seu aspecto físico para se tornar um símbolo eterno de
busca espiritual e de conexão entre o humano e o divino. Sua construção,
cercada de mistérios e rituais,
continua a inspirar
e a intrigar aqueles que buscam entender os segredos de seu simbolismo.
Para os maçons, o Templo é um constante lembrete da jornada interior de
autoconhecimento e aperfeiçoamento. Salomão, com sua sabedoria e determinação,
não apenas construiu um edifício monumental, mas também estabeleceu um legado
que continua a ecoar na psique coletiva através dos séculos.
Por Dr. João Alexandre Paschoalin Filho,
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Membro da Academia Campineira Maçônica de Letras,
cadeira 23 ARLS Constância
1147 – Oriente de Campinas/SP
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