Reflexões Sobre Hiram e a Alquimia Espiritual


A dualidade é uma marca inerente da existência, refletida na separação entre o masculino e o feminino e em outras polaridades que permeiam a experiência humana. Contudo, a mistura, como uma reintegração na unidade, transcende esses limites aparentes. Essa dialética é simbolicamente explorada na história de Hiram e no ritualismo maçônico, onde as colunas J e B, Jachin e Boaz, representam os polos complementares e fundamentais para a compreensão do ser e do universo.

Assim como a Árvore da Vida simboliza a manifestação do Um em diferentes estratos, a própria gênese humana reflete a androginia primordial. Antes da diferenciação sexual, o feto é um em sua essência, uma condição que remete à unidade edênica descrita na narrativa bíblica. A separação de Eva de Adão, segundo a tradição, marca o início da diversidade. No entanto, o retorno a esse estado original, ao Uno, exige um caminho ascendente, simbolizado pela sublimação e pela transcendência.

A lenda de Hiram Abif, mestre construtor do Templo de Salomão, ilustra essa jornada. Ele molda as colunas J e B, que guardam a entrada do templo como um limiar entre o profano e o sagrado, entre o finito e o infinito. Essas colunas, diferenciadas em altura e diâmetro, representam a alteridade essencial da existência. Jachin, a coluna ativa, aponta para a verticalidade, enquanto Boaz, a coluna receptiva, evoca a horizontalidade. A travessia entre elas simboliza a integração do masculino e do feminino, do céu e da terra, numa união que transcende o material.

No ritual de iniciação, essa travessia é uma passagem que permite ao iniciado reintegrar-se internamente, harmonizando suas polaridades. Essa jornada é também uma morte simbólica e uma ressurreição, um renascimento espiritual que encontra eco na lenda de Hiram. O assassinato de Hiram e sua subsequente elevação representam a transmutação do homem natural em homem espiritual, uma alquimia que transforma os elementos dispersos da psique em unidade.

 

A analogia entre Hiram e figuras míticas como Osíris ou Prometeu destaca o papel do símbolo na experiência do sagrado. O símbolo transcende a materialidade, conectando o indivíduo ao universal. A obra de Hiram, moldando as colunas do templo, é uma expressão dessa busca pelo Uno, uma reconexão com a totalidade. As colunas, feitas de latão, reiteram a união do céu e da terra, como um elo entre o divino e o humano.

 

Hiram, enterrado sob a terra, incorpora o princípio masculino que fecunda o feminino, a terra mater. Essa união cósmica reflete o equilíbrio necessário para a reintegração à unidade primordial. O rito culmina no Santo dos Santos, onde o Sumo Sacerdote pronuncia o nome impronunciável de Deus, reafirmando a relação entre o homem e o divino.

 

No contexto da tradição maçônica, a lenda de Hiram é um arquétipo da iniciação, um convite à transcendência. O iniciado é chamado a superar a dualidade, integrar a diversidade e alcançar a harmonia universal. A ressurreição de Hiram simboliza não apenas o renascimento espiritual, mas também a unificação dos opostos internos, um retorno à origem, ao estado andrógino e primordial.

 

Finalmente, Hiram é a ponte que nos conecta ao significado mais profundo da existência. Ele nos lembra que o caminho do Mestre é a busca pela integração do masculino e do feminino, da luz e das trevas, do céu e da terra. A maçonaria, em seu método ritual e simbólico, propõe um retorno ao Uno, onde a diversidade é celebrada como parte de uma unidade maior. Assim, ao cruzar o limiar das colunas, o iniciado não apenas se transforma, mas também contribui para a construção de um templo eterno, à glória da humanidade e do divino.

                       

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