Por Pedra de Alergia
A Maçonaria se apresenta como um caminho de humildade, uma busca interior onde o iniciado, irmão ou irmã, é convidado a “polir sua pedra bruta” – metáfora do ego imperfeito que deve ser lapidado para alcançar a harmonia espiritual e fraternal. No entanto, paradoxalmente, alguns maçons, homens e mulheres, desenvolvem ao longo dos anos um ego inflado, um orgulho que parece contradizer os próprios ideais da Ordem.
Maçonaria: Um Ideal de Humildade
Desde a iniciação, o profano entra na Loja com os olhos vendados, simbolizando sua cegueira diante da luz do conhecimento. Esse ritual, comum à maioria das Obediências, estabelece um princípio fundamental: o ego nunca deve ser o condutor – ele deve ceder espaço à busca coletiva e pessoal pela verdade.
As ferramentas maçônicas – o esquadro (retidão), o compasso (equilíbrio), o malhete (aperfeiçoamento) – são lembretes constantes dessa humildade. Embora o historiador maçônico Roger Dachez afirme em Histoire de la Franc-maçonnerie française (2003) que “a Maçonaria é um caminho de desconstrução do ego em benefício do edifício comum”, talvez o caminho consista não em aniquilar o ego, mas em nutrir a humildade com amor sincero e profundo. Afinal, o ego não é um órgão, mas uma consequência.
Esse caminho, por mais nobre que seja, não está livre de armadilhas. Com o tempo, alguns maçons se afastam desse ideal, deixando que o orgulho tome conta.
Três Fatores de Hipertrofia: Graus, Funções e Filiação
1. Posições e Graus: Uma Escala de Prestígio?
A Maçonaria é estruturada em graus, muitas vezes organizados em ritos – como o Rito Escocês Antigo e Aceito (33 graus) ou o Rito Francês (3 graus principais, com possíveis complementares). Cada grau representa uma etapa iniciática, uma revelação progressiva de símbolos e mistérios.
Essa tendência é frequentemente reforçada pelo reconhecimento externo: insígnias, aventais ornamentados e cordões distintivos podem atrair admiração e alimentar a vaidade. Como observa Pierre Mollier, curador do Museu da Maçonaria de Paris, em La Franc-Maçonnerie (2016):
“Os graus, concebidos como ferramentas de despertar, às vezes se tornam medalhas de honra na mente daqueles que os usam.”
Psicologicamente, esse fenômeno pode ser explicado por um viés bem conhecido: a necessidade de status. Segundo a teoria da hierarquia das necessidades de Maslow, a autoestima e o reconhecimento social são fatores poderosos.
2. Funções Eletivas: Poder na Loja
Outro vetor de orgulho são os cargos eletivos – Venerável Mestre, Vigilante, Orador, Secretário – que conferem autoridade temporária dentro da Loja. Ser eleito é uma honra e um sinal de confiança. Para muitos, esses cargos são exercidos com humildade e senso de dever.
Contudo, para alguns, tornam-se plataformas de poder. Liderar uma Loja pode exaltar o ego, especialmente onde o prestígio do cargo é elevado. Falar em assembleias, organizar rituais ou conduzir sessões administrativas pode alimentar um sentimento de superioridade.
3. Filiação Maçônica: Orgulho Deslocado
Para outros, o simples pertencimento à Maçonaria já é fonte de orgulho. Integrar uma tradição tricentenária, com figuras como Voltaire, Mozart e Louise Michel, confere uma sensação de elitismo – de ser “escolhido” enquanto o mundo profano permanece na escuridão.
Esse orgulho é intensificado pelo segredo maçônico: saber o que outros não sabem cria uma distinção que lisonjeia o ego. Como alerta Daniel Béresniak em Os Símbolos da Maçonaria (1997):
“O pertencimento, incompreendido, transforma um caminho de humildade num pedestal imaginário.”
Uma Deriva Humana, Não Maçônica
Por que essa hipertrofia afeta tanto irmãos quanto irmãs? Porque não está ligada ao gênero, mas à natureza humana. A Maçonaria, com seus títulos, graus e simbolismos, oferece terreno fértil para fraquezas universais: a necessidade de reconhecimento, o medo da insignificância, o desejo de controle.
Essa deriva não é regra, mas exceção – embora amplificada com o tempo. Um irmão que se cerca de bajuladores ou que prioriza as honrarias pode esquecer o espírito inicial de sua iniciação.
O paradoxo é cruel: uma instituição que prega igualdade e fraternidade pode, para alguns, tornar-se um espelho distorcido do ego.
Voltar à Pedra Bruta
Os rituais nos lembram que ninguém está acima de ninguém – o 33º grau não é mais valioso que o 1º diante do ideal comum. As Lojas, por seu funcionamento colegiado, podem moderar egos promovendo escuta, partilha e serviço.
Como disse Albert Pike em Moral e Dogma (1871):
“O verdadeiro pedreiro é aquele que se lembra de que é apenas uma pedra entre outras na construção.”
Irmãos, o espelho está diante de nós – cabe a cada um escolher se ele refletirá a Luz ou o Orgulho.
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