A história da Maçonaria na Rússia é marcada por
um paradoxo intrigante: ao mesmo tempo em que figuram entre seus membros
personalidades de destaque como o poeta Alexander Pushkin, o comandante Mikhail
Kutuzov e os czares Pedro III, Paulo I e Alexandre I, a instituição sempre
esteve sob intensa vigilância e perseguição, tanto pelo Estado quanto pela
Igreja Ortodoxa Russa. A fraternidade mais antiga do mundo, com raízes que
remontam à cantaria medieval europeia, foi várias vezes proibida em solo russo,
acusada — injustamente — de práticas que vão da conspiração política à adoração
demoníaca.
Uma Importação Ocidental Sob Suspeita
Introduzida na década de 1730 por britânicos,
franceses e alemães que viviam nos bairros estrangeiros de Moscou, a Maçonaria
inicialmente floresceu entre os nobres de São Petersburgo. Personalidades como
o conde Yakov Bruce e o arcebispo Feofan Prokopovich participaram ativamente
das primeiras lojas. Na década de 1770, Pyotr Elagin emergiu como o principal
líder maçônico no país, alinhando as práticas russas ao modelo das lojas
inglesas.
Para muitos nobres russos, especialmente
durante o Iluminismo, a Maçonaria representava uma via de europeização e
esclarecimento — uma forma de se distanciar da mentalidade camponesa e arcaica.
Os maçons contribuíram significativamente com a educação e a saúde pública,
fundando escolas, bibliotecas, farmácias e hospitais. No entanto, esse
crescente prestígio passou a incomodar a imperatriz Catarina, a Grande, que
temia a influência da fraternidade entre os nobres e estrangeiros. Assim,
iniciou uma série de repressões, culminando na proibição de sociedades secretas
entre funcionários do Estado.
Perseguições e Renascimentos
A Maçonaria foi oficialmente banida mais duas
vezes: após a Revolta Decembrista de 1825 e após o golpe bolchevique de 1918. A
Igreja Ortodoxa nunca escondeu sua antipatia pelos maçons, acusando-os de
jurarem fidelidade a símbolos que contradiziam os dogmas cristãos. A veneração
simbólica do Templo de Salomão e de figuras como Hiram Abiff era vista como
heresia.
Durante a tentativa de golpe de 1991 contra a
URSS, teorias conspiratórias voltaram a circular. Grupos nacionalistas
difundiram a falsa narrativa de uma conspiração maçônica-judaica para sabotar o
regime soviético. Em 2017, o político Vitaly Milonov exigiu que o FSB
investigasse a Maçonaria, acusando-a de ser “inimiga interna” e de receber
fundos estrangeiros — uma acusação típica num contexto político onde qualquer
organização independente é vista com desconfiança.
A Sobrevivência Silenciosa
Apesar da longa história de perseguição, a
Maçonaria encontrou uma maneira de operar nos bastidores da Rússia
contemporânea. A Grande Loja Russa (UGLR), atualmente liderada por Andrei
Bogdanov, mantém uma estratégia de extrema discrição. Com cerca de 1.300
membros distribuídos por 53 lojas, a maioria nas grandes cidades da Rússia
europeia, a organização evita qualquer aparência de interferência política ou
religiosa.
A UGLR realiza apenas dois eventos públicos por
ano, cuidadosamente planejados para coincidir com datas patrióticas: o 9 de
maio, em homenagem ao soldado desconhecido, e o 24 de maio, celebrando Cirilo e
Metódio, criadores do alfabeto cirílico. Nestes eventos, os maçons cantam o
hino nacional, reforçando seu perfil patriótico. Fora isso, permanecem fora dos
holofotes. Seus membros evitam entrevistas, rostos são borrados em fotos nas
redes sociais, e a organização não faz comentários públicos sobre assuntos políticos
ou sociais.
A neutralidade política e a ausência de membros
proeminentes no cenário público ajudam a manter a Maçonaria protegida. Além de
Bogdanov — que concorreu simbolicamente à presidência em 2008 — nenhum
político, empresário ou artista de renome figura nas listas da UGLR. Isso
garante uma espécie de imunidade tácita diante do Kremlin.
Um Equilíbrio Delicado
A relação entre o Estado russo e a Maçonaria é
de mútua tolerância e distanciamento. O Kremlin parece apreciar o fato de que
as lojas maçônicas são proibidas de discutir política ou religião, mantendo-se
afastadas de qualquer ativismo. Em contrapartida, a UGLR evita movimentos de
expansão que possam atrair atenção indesejada. A aquisição de novos imóveis é
dificultada por entraves burocráticos e receios de publicidade negativa. O
autofinanciamento, por meio de taxas e doações internas, garante independência,
mas também impõe limitações ao crescimento.
Embora ainda existam ameaças — como
interrupções em reuniões e ataques online —, a discrição tem sido a principal
arma da Maçonaria russa. Hoje, ela sobrevive como um raro exemplo de grupo
cívico independente que opera com relativa liberdade em um país cada vez mais
restritivo.
A Maçonaria na Rússia é um espelho das
complexidades do país: uma tradição ocidental secular que desafia as
desconfianças históricas do nacionalismo e da ortodoxia religiosa, mantendo-se
viva graças à sua adaptabilidade e silêncio. Em um ambiente político volátil,
talvez não seja coincidência que sua maior virtude, hoje, seja exatamente
aquela que sempre a definiu — o segredo. Afinal, algumas verdades, para
continuarem existindo, precisam mesmo ser mantidas nas sombras.
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