Maçonaria na Rússia: Entre a Perseguição Histórica e a Sobrevivência Silenciosa

Assembleia Anual da Grande Loja da Rússia em Moscou em março de 2025.


Da Redação

A história da Maçonaria na Rússia é marcada por um paradoxo intrigante: ao mesmo tempo em que figuram entre seus membros personalidades de destaque como o poeta Alexander Pushkin, o comandante Mikhail Kutuzov e os czares Pedro III, Paulo I e Alexandre I, a instituição sempre esteve sob intensa vigilância e perseguição, tanto pelo Estado quanto pela Igreja Ortodoxa Russa. A fraternidade mais antiga do mundo, com raízes que remontam à cantaria medieval europeia, foi várias vezes proibida em solo russo, acusada — injustamente — de práticas que vão da conspiração política à adoração demoníaca.

Uma Importação Ocidental Sob Suspeita

Introduzida na década de 1730 por britânicos, franceses e alemães que viviam nos bairros estrangeiros de Moscou, a Maçonaria inicialmente floresceu entre os nobres de São Petersburgo. Personalidades como o conde Yakov Bruce e o arcebispo Feofan Prokopovich participaram ativamente das primeiras lojas. Na década de 1770, Pyotr Elagin emergiu como o principal líder maçônico no país, alinhando as práticas russas ao modelo das lojas inglesas.

Para muitos nobres russos, especialmente durante o Iluminismo, a Maçonaria representava uma via de europeização e esclarecimento — uma forma de se distanciar da mentalidade camponesa e arcaica. Os maçons contribuíram significativamente com a educação e a saúde pública, fundando escolas, bibliotecas, farmácias e hospitais. No entanto, esse crescente prestígio passou a incomodar a imperatriz Catarina, a Grande, que temia a influência da fraternidade entre os nobres e estrangeiros. Assim, iniciou uma série de repressões, culminando na proibição de sociedades secretas entre funcionários do Estado.

Perseguições e Renascimentos

A Maçonaria foi oficialmente banida mais duas vezes: após a Revolta Decembrista de 1825 e após o golpe bolchevique de 1918. A Igreja Ortodoxa nunca escondeu sua antipatia pelos maçons, acusando-os de jurarem fidelidade a símbolos que contradiziam os dogmas cristãos. A veneração simbólica do Templo de Salomão e de figuras como Hiram Abiff era vista como heresia.

Durante a tentativa de golpe de 1991 contra a URSS, teorias conspiratórias voltaram a circular. Grupos nacionalistas difundiram a falsa narrativa de uma conspiração maçônica-judaica para sabotar o regime soviético. Em 2017, o político Vitaly Milonov exigiu que o FSB investigasse a Maçonaria, acusando-a de ser “inimiga interna” e de receber fundos estrangeiros — uma acusação típica num contexto político onde qualquer organização independente é vista com desconfiança.

A Sobrevivência Silenciosa

Apesar da longa história de perseguição, a Maçonaria encontrou uma maneira de operar nos bastidores da Rússia contemporânea. A Grande Loja Russa (UGLR), atualmente liderada por Andrei Bogdanov, mantém uma estratégia de extrema discrição. Com cerca de 1.300 membros distribuídos por 53 lojas, a maioria nas grandes cidades da Rússia europeia, a organização evita qualquer aparência de interferência política ou religiosa.

A UGLR realiza apenas dois eventos públicos por ano, cuidadosamente planejados para coincidir com datas patrióticas: o 9 de maio, em homenagem ao soldado desconhecido, e o 24 de maio, celebrando Cirilo e Metódio, criadores do alfabeto cirílico. Nestes eventos, os maçons cantam o hino nacional, reforçando seu perfil patriótico. Fora isso, permanecem fora dos holofotes. Seus membros evitam entrevistas, rostos são borrados em fotos nas redes sociais, e a organização não faz comentários públicos sobre assuntos políticos ou sociais.

A neutralidade política e a ausência de membros proeminentes no cenário público ajudam a manter a Maçonaria protegida. Além de Bogdanov — que concorreu simbolicamente à presidência em 2008 — nenhum político, empresário ou artista de renome figura nas listas da UGLR. Isso garante uma espécie de imunidade tácita diante do Kremlin.

Um Equilíbrio Delicado

A relação entre o Estado russo e a Maçonaria é de mútua tolerância e distanciamento. O Kremlin parece apreciar o fato de que as lojas maçônicas são proibidas de discutir política ou religião, mantendo-se afastadas de qualquer ativismo. Em contrapartida, a UGLR evita movimentos de expansão que possam atrair atenção indesejada. A aquisição de novos imóveis é dificultada por entraves burocráticos e receios de publicidade negativa. O autofinanciamento, por meio de taxas e doações internas, garante independência, mas também impõe limitações ao crescimento.

Embora ainda existam ameaças — como interrupções em reuniões e ataques online —, a discrição tem sido a principal arma da Maçonaria russa. Hoje, ela sobrevive como um raro exemplo de grupo cívico independente que opera com relativa liberdade em um país cada vez mais restritivo.

A Maçonaria na Rússia é um espelho das complexidades do país: uma tradição ocidental secular que desafia as desconfianças históricas do nacionalismo e da ortodoxia religiosa, mantendo-se viva graças à sua adaptabilidade e silêncio. Em um ambiente político volátil, talvez não seja coincidência que sua maior virtude, hoje, seja exatamente aquela que sempre a definiu — o segredo. Afinal, algumas verdades, para continuarem existindo, precisam mesmo ser mantidas nas sombras.

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