Da Redação
No dia 27 de março de 1745, falecia em sua cidade natal, Poppi, na região de Arezzo, o poeta e jurista Tommaso Baldassarre Crudeli. Sua morte, há exatamente 280 anos, marcou o fim da vida do primeiro mártir da Maçonaria — um homem que ousou pensar com liberdade em uma época ainda profundamente mergulhada no obscurantismo e sob o rígido controle da Inquisição.
Nascido em 21 de dezembro de 1702, Crudeli
pertenceu a uma família de juristas e desde cedo revelou grande talento
intelectual. Estudou Direito na Universidade de Pisa, onde teve contato com as
ideias científicas e filosóficas mais inovadoras de seu tempo. Tornou-se adepto
do atomismo e das teorias de pensadores como Galileo Galilei, Leibniz e John
Locke. Esse ambiente fomentou nele um espírito crítico aguçado e uma abordagem
antidogmática da realidade — características que fariam dele uma figura destacada
do nascente Iluminismo.
Após concluir seus estudos, Crudeli passou
por Veneza, onde trabalhou como preceptor e frequentou círculos filosóficos e
literários de inspiração iluminista. Ao retornar à Toscana, fixou-se em
Florença, onde se aproximou do ambiente cultural inglês e do grupo de amigos
liderado por Antonio Cocchi. Em 1733, sua leitura pública de uma ode fúnebre em
homenagem a Filippo Buonarroti, na Capela de Pazzi da igreja de Santa Croce,
acendeu o sinal de alerta da Igreja, que passou a vê-lo com desconfiança.
Dois anos depois, em maio de 1735, Crudeli
foi iniciado na primeira loja maçônica da Itália, fundada em Florença por
intelectuais e diplomatas britânicos, como Charles Fane e Horace Mann. A
Maçonaria, recém-nascida na Inglaterra, difundia os ideais de liberdade,
igualdade e progresso, confrontando diretamente o poder eclesiástico e as
estruturas autoritárias do Antigo Regime. Por isso, tornou-se rapidamente alvo
da repressão religiosa. Em 1738, o papa Clemente XII publicou a bula *In
Eminenti*, condenando e proibindo a prática maçônica em todos os territórios
católicos.
Em 1739, a perseguição se abateu
diretamente sobre Crudeli. Preso pela Inquisição com a acusação de ser maçom,
foi encarcerado em Florença, onde sofreu duras torturas físicas e psicológicas.
Passou quase dois anos preso em condições desumanas, o que deteriorou
gravemente sua saúde. A libertação só ocorreu em abril de 1741, graças à
intervenção de amigos influentes e do próprio Grão-Duque Francisco de Lorena.
Mesmo assim, ele foi confinado sob prisão domiciliar em Poppi, onde permaneceu
até sua morte.
Apesar da fragilidade física, Crudeli
continuou escrevendo e denunciando as injustiças que sofrera. Durante os quatro
anos de reclusão, redigiu poemas, textos em prosa e um relato detalhado de sua
prisão e julgamento pelo Santo Ofício, publicado anonimamente por Francesco
Becattini em 1782. Um manuscrito original com anotações do próprio autor foi
redescoberto na Biblioteca Estense de Modena, confirmando sua importância
histórica.
Mesmo após sua morte, a condenação por
heresia não foi retirada. Sua obra foi incluída no Index Librorum
Prohibitorum e seus irmãos foram obrigados a renegar suas publicações.
Contudo, seu martírio não foi em vão: o Granducado da Toscana suspendeu o
funcionamento do Tribunal do Santo Ofício em 1743 e, em 1782, decretou sua
extinção definitiva, demolindo o prédio da Inquisição localizado no claustro da
igreja de Santa Croce, em Florença.
Tommaso Crudeli tornou-se, assim, um
símbolo da resistência à intolerância religiosa e da luta pela liberdade
intelectual. Sua vida representa a coragem de enfrentar o dogmatismo em nome da
razão, da justiça e do progresso humano. Seu legado permanece vivo, inspirando
todos os que, ainda hoje, lutam contra o obscurantismo e pela dignidade do
pensamento livre.
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