O Desafio da Sobriedade



Por Hilquias Scardua

"O maior obstáculo à vida é a expectativa."

Mas talvez o maior obstáculo à sobriedade seja a ilusão — a ilusão de que estamos sempre no controle, de que enxergamos com clareza, de que nossa percepção do mundo não está contaminada. Sobriedade não é apenas abstinência de excessos visíveis, mas a capacidade de manter a lucidez quando tudo ao redor convida ao entorpecimento.

É neste contexto que se insere a reflexão, que não se restringe ao complexo dos vícios, embora este pareça ser o indicativo sugerido no título. O desafio da sobriedade, de fato, é a maior das condições para lidar com a adversidade, mantendo-se sóbrio intelectualmente, fisicamente e espiritualmente. Pois a sobriedade não é apenas um estado de abstinência, mas um compromisso com a clareza, a temperança e a busca incessante pelo discernimento.

A ébria condição do vício nos expõe à pior parte. Há uma Embriaguez Invisível, encerrada nos vícios que são um reflexo de nossa relação com o tempo e conosco mesmos. Alguns se apresentam de forma escancarada: a garrafa vazia, a conta no vermelho, os laços desfeitos. Outros, porém, operam em silêncio, como um veneno de ação lenta.

Há aqueles que se dizem sóbrios porque não bebem, mas estão intoxicados pela própria vaidade. Há os que jamais usaram substâncias, mas são viciados em controle, em julgamentos, em certezas absolutas. E esses vícios invisíveis são, muitas vezes, os mais difíceis de reconhecer.

Por exemplo, temos o vício da arrogância, que confunde conhecimento com sabedoria; o vício da pressa, que transforma o tempo em uma corrida sem linha de chegada; e, ainda, o vício da ilusão de superioridade, que transforma discussões em tribunais e opiniões em sentenças.

E há tantos outros vícios que já quase entraram no campo da normalidade: os que trazem danos visíveis e irreparáveis à própria pessoa, ao outro, às famílias e à sociedade.

A sobriedade, portanto, não é um estado de pureza, mas um compromisso com a consciência. E reconhecer os próprios excessos antes de apontar os alheios.

A Maçonaria, como qualquer instituição humana, não está imune a esses vícios, à ilusão da Ordem. Há os que vestem aventais impecáveis, mas carregam corações empedrados. Há os que recitam doutrinas, mas esquecem o essencial. Há os que assumem cargos de alta hierarquia, mas não compreendem o "a, bê, cê" dos princípios da Ordem.

Sêneca escreveu que "não temos uma vida curta, mas a tornamos assim". O mesmo vale para a Ordem: não há templos vazios, apenas templos esvaziados de propósito.

O problema não está na forma, mas no que colocamos dentro dela. Quando o rito se torna um fim em si mesmo, quando a hierarquia serve mais ao ego do que ao aprimoramento, o que sobra não é tradição, mas teatro.

A verdadeira sobriedade exige um olhar honesto. Questionar não é profanar. Desafiar não é destruir. Muito pelo contrário: só quem ousa examinar a própria estrutura pode fortalecê-la.

Não se trata apenas dos excessos visíveis, mas das sombras que habitam o comportamento, a fala, a simples presença de um indivíduo que expõe a matéria-prima da obra do mal: o hostil, o maligno, o antissocial, o imprudente, o mal-educado, o narcisista, o déspota disfarçado. Aquele que, envolto na névoa do orgulho, da intolerância e da vaidade, se julga senhor da verdade, mas é escravo de sua própria ignorância.

E é aqui que se inicia o contraponto. A sobriedade não é a negação da vida, mas sua mais plena afirmação. Ela pertence ao servidor do desafio, ao guerreiro da eloquência, àquele que encara a arte de viver com seriedade e que, antes de falar, aprende a escutar; antes de julgar, se coloca no lugar do outro. A sobriedade é a disciplina daquele que não negocia seu tempo e se inclina à fortuna da resolução, pois sabe que a vida não se dilui na dispersão, mas se constrói na clareza dos propósitos.

Ela não reside apenas na negação dos vícios evidentes, mas na firmeza diante da tentação do efêmero, do superficial, do vazio que tantos chamam de vida. Ser sóbrio é não se deixar seduzir pelo brilho fugaz da mediocridade que se esconde sob o manto da conveniência. E não se render à lógica da aparência, onde o que se ostenta vale mais do que o que se é.

Ah, Sêneca! Em que parte de sua obra Sobre a Brevidade da Vida escapou-me a memória? Pois a superficialidade é uma afronta, e a ignorância, um câncer contaminante nas assembleias. A moralidade e a ética não são palavras vãs de sentido nestes salões. A vaidade, essa artimanha sutil, é o escudo que muitos erguem para esconder de si mesmos a própria fraqueza.

Mas o tempo, implacável, segue seu curso. E, enquanto alguns penam pela desordem, outros a fomentam. Eis as assembleias de tolos, as sessões desajustadas, a Ordem do Dia inexistente, os Templos de Instrução onde, em nome da hierarquia, a ignorância se veste de formalidade e se impõe como se fosse verdade.

"O maior obstáculo à vida é a expectativa." E o maior obstáculo à sobriedade é a ignorância e sua faustosa desordem.

Ser sóbrio não é estar isento de falhas. Pelo contrário, é ter consciência delas. É saber que o tempo é um mestre severo e que cada dia vivido sem reflexão é um dia desperdiçado. O tempo e a consciência — o primeiro é facilmente explicado pela ciência; já a consciência só pode ser compreendida na condição filosófica do discurso.

O presente nos oferece um dia de cada vez, mas apenas aqueles que compreendem a profundidade dessa oferta sabem usá-la com sabedoria. Talvez aí esteja uma parte do que chamamos de consciência — e um exemplo do que tratamos sobre a sobriedade.

A sobriedade é a chave que liberta. Mas poucos têm mãos firmes o bastante para segurá-la. Ela é uma chave cujo peso se distingue do tamanho. Pois ela exige renúncia. Exige desapego do orgulho, das verdades absolutas, das máscaras que criamos para nós mesmos.

Ser sóbrio é viver entre o ser e o estar, sem se perder em nenhum dos dois.
E permanecer atento ao tempo e às lições que ele impõe. É, acima de tudo, saber que o maior inimigo da sobriedade não são os vícios escancarados, mas os que se disfarçam de virtude.

Eis o verdadeiro desafio.

Uma Loja, uma roda de conversa, um encontro entre irmãos — tudo pode ser um campo de aprimoramento. Mas apenas se estivermos dispostos a escutar, a aprender, a confrontar nossas próprias limitações.

Ser sóbrio é aquele que, diante do tempo, lança a luz da razão sobre o presente — e ali está, entre o ser e o estar, não importando onde esteja, porém sempre pronto, atento e preparado para as eventualidades que o destino impõe.

A sobriedade ensina que cada escolha tem um preço, e que aqueles que desejam trilhar o caminho da verdade devem estar dispostos a pagar o custo da coerência. Pois, enquanto os embriagados pela vaidade buscam a aprovação alheia, os sóbrios constroem silenciosamente o seu legado.

O presente nos oferece um dia de cada vez, mas apenas a Ordem confere o verdadeiro valor dessa fortuna. O desafio que se ergue é o de estabelecer, entre tantos operários, uma relação estreita e verdadeira, onde a comunicação seja o elo que dá sentido ao tempo e faz valer cada instante concedido pela existência.

É inútil atravessar uma Sessão de Loja, uma roda de conversa, um momento compartilhado ou mesmo a solidão sem sair melhor do que se entrou. Cada encontro, cada diálogo, cada instante vivido deve ser um campo de aprimoramento. O outro, do outro lado, não é apenas um interlocutor — é um desafiador do tempo, um senhor da própria consciência e, como todos nós, um carente da Ordem que se forma e se apresenta a cada instante.

A Maçonaria é uma escola, mas sua pedagogia não ensina os que não desejam aprender. Suas ferramentas preparam os membros para enfrentar qualquer desafio, mas não podem despertar aqueles que insistem no sono da vaidade. Não conte com os ociosos, com os ignóbeis, com os vaidosos disfarçados de humildes... Estes últimos são seduzidos pelos vícios com a mesma intensidade com que seduzem os viciados.

E, por fim, reforço: a sobriedade é a chave que liberta. Mas poucos têm mãos firmes o bastante para segurá-la — menos ainda, coragem para usá-la.

Jacaraípe, 30 de março de 2025.
Hilquias Scardua

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