Da Redação
Desde os primórdios da humanidade, a construção
de edifícios monumentais esteve associada à espiritualidade, ao conhecimento
celeste e ao simbolismo. A tradição maçônica de assentar pedras fundamentais —
os “cornerstones” — com rituais solenes, é herdeira direta desse legado
milenar. Trata-se de uma prática carregada de significados simbólicos,
astronômicos e espirituais, cujas raízes remontam a antigas civilizações e
continuam ressoando nas cerimônias maçônicas dos dias atuais.
A
Cerimônia de 1793 e os Astros
Um exemplo emblemático dessa tradição ocorreu
na manhã de 18 de setembro de 1793, quando George Washington, então presidente
dos Estados Unidos e venerável mestre da Loja Alexandria nº 22, liderou a
cerimônia maçônica de colocação da pedra fundamental do Capitólio dos EUA. O
evento foi cuidadosamente cronometrado para coincidir com eventos celestes
significativos: o planeta Júpiter estava prestes a nascer no leste e a estrela
Regulus — o “coração do leão” da constelação de Leão — culminava no zênite, indicando
proteção, realeza e poder.
Durante a cerimônia, Washington desceu à cova
cavada para depositar uma placa de prata e a pedra foi consagrada com os
elementos simbólicos do milho (abundância), vinho (alegria) e óleo (paz).
Orações, cantos maçônicos e salvas de artilharia marcaram a solenidade. Era uma
celebração da harmonia entre céu e terra, entre os princípios divinos e a obra
humana.
A
Pedra Fronteiriça de Jones Point (1791)
Dois anos antes, os maçons da mesma Loja haviam
participado da colocação da primeira de quarenta pedras fronteiriças que
definiriam os limites do novo Distrito de Columbia. A cerimônia ocorreu em 15
de abril de 1791, novamente com ritual maçônico e sob a ascensão de Júpiter,
enquanto a Lua estava próxima da conjunção — um alinhamento astrológico
considerado auspicioso.
A posição da pedra foi determinada por Benjamin
Banneker, um astrônomo autodidata afrodescendente, que teria usado as estrelas
para fixar o local com precisão. Banneker, que corrigia até os almanaques
astronômicos britânicos, simboliza a interseção entre ciência, espiritualidade
e o ideal iluminista da Nova República.
Tradição Ancestral e Sabedoria Celeste
Essa conexão entre construções sagradas e os
céus é observada desde os tempos de Göbekli Tepe (10.000 a.C.), passando pelos
zigurates babilônicos, as pirâmides do Egito, e o Templo de Salomão em
Jerusalém. Esses monumentos não eram apenas estruturas físicas, mas
instrumentos para registrar, sincronizar e invocar os movimentos celestes.
As civilizações antigas acreditavam que certos
momentos no céu refletiam condições espirituais favoráveis na terra. Por isso,
a escolha astrológica do momento exato para iniciar uma construção era vital. A
astrologia era vista como ciência sagrada — um meio de harmonizar o trabalho
humano com o plano divino.
Na Babilônia, por exemplo, estrelas conhecidas
como kudurru serviam como documentos legais e espirituais de posse da terra,
invocando a proteção dos deuses. Durante a fundação de Bagdá em 762 d.C., o
califa Al-Mansur consultou astrólogos como Nawbakht e Mashallah para eleger o
momento ideal segundo os astros — um alinhamento com Júpiter exaltado em
Câncer.
Filosofia Hermética e Cosmovisão Renascentista
No Renascimento, essa cosmovisão atingiu nova
sofisticação. Filósofos como Marsilio Ficino e Heinrich Cornelius Agrippa
ensinaram que os corpos celestes influenciam a matéria e a alma. Os edifícios,
quando iniciados sob certas configurações celestes e consagrados com símbolos e
palavras corretas, tornavam-se receptáculos da harmonia divina.
A crença era que o “acorde celeste” iniciado no
momento da construção permanecia ressoando na estrutura ao longo do tempo.
Assim, a pedra fundamental — se colocada sob boas influências astrais —
absorvia as virtudes celestes e as transmitia ao edifício e seus usuários.
A
Herança Maçônica
A Maçonaria, herdeira dessa tradição, preservou
esses rituais por meio de suas cerimônias de cornerstone. A prática inclui
preces à Trindade, referências simbólicas ao Sol, à Lua, aos planetas e às
ferramentas do ofício, como o esquadro, o nível e o compasso. Nos antigos
catecismos maçônicos, como o Manuscrito Graham (c.1726), há referências a
invocações e à “voz tripla”, necessária para pronunciar o nome sagrado de Deus
com segurança espiritual.
As cerimônias modernas, ecoa essa herança:
“Imploramos a bênção divina de Deus, para proteger os operários da obra,
abençoar os que a conceberam e todos os que por ela passarem.” A pedra,
portanto, não é apenas suporte físico, mas símbolo de permanência, de sabedoria
e de conexão com o eterno.
O Céu como Fundamento
Como ensina o Salmo 19: “Os céus proclamam a
glória de Deus, e o firmamento anuncia a obra das suas mãos.” A cerimônia da
pedra fundamental é, portanto, mais do que uma solenidade arquitetônica — é um
ritual que celebra a interdependência entre o mundo visível e o invisível,
entre a geometria das formas e a harmonia dos céus.
Desde os zigurates da Mesopotâmia aos
monumentos da moderna república americana, do Egito ao Capitólio, os
construtores sempre olharam para o céu — não apenas para se orientar, mas para
sincronizar suas obras com as forças cósmicas. A tradição maçônica, ao assentar
uma pedra sob as estrelas, perpetúa esse elo sagrado entre o homem, a criação e
o Criador.
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