Quais as Origens da Maçonaria e Qual a Sua Idade? (Parte oito)

 

(*) Por Ir.’. José Ronaldo Viegas Alves

 COMENTÁRIOS INICIAIS:

Se é verdadeira a afirmação de que os beneditinos foram os mais importantes representantes das associações monásticas no que se refere à arte da construção, é possível concordar também com a opinião do Ir.’. Jorge Carlos Marasco, prefaciador de uma das obras do Ir.’. Eduardo R. Callaey, quando ele mencionou que essas associações constituem uma das fontes mais ricas e talvez menos exploradas daquelas até agora conhecidas, para as quais, felizmente, alguns renomados pesquisadores já vem se debruçando em suas pesquisas relativas às origens da Maçonaria nos últimos tempos.

Como também fica difícil não concordar com a posição do Ir.’. Theobaldo Varoli Filho, quando disse que a revelação da Maçonaria ocorreu na Idade Média avançada, com ênfase para o período da Arte Gótica e onde houve um grande impulso na construção de catedrais.  

Ainda, conforme este último, as associações monásticas chegaram a monopolizar as principais profissões, fundamentalmente, aquelas ligadas a arte da construção, além de contratarem profissionais leigos. Estes últimos viriam a separar-se, depois de um longo tempo depois, desses monges, dando continuidade à expansão da arte gótica.

Ainda, no que se refere às associações monásticas, o Ir.’. Varoli Filho era da firme opinião de que não seria possível separar a Maçonaria, nem dos beneditinos e nem dos que vieram depois, os cluniacenses e os cistercienses.  

Lembremos: a Ordem de São Bento ou dos Beneditinos foi instituída no ano de 527.

A Abadia de Cluny e os cluniacenses em 910.

Por sua vez, a Ordem de Cister ou dos Cistercienses surgiu em 1098.

 

DA INFLUÊNCIA CLUNIACENSE NA ALEMANHA E NA INGLATERRA

Além dos aspectos gerais relativos às reformas que foram promovidas pelos beneditinos e a criação de duas novas ordens, cluniacenses e cistercienses, na sequência haverá uma complementação que nos dará a dimensão das influências dos beneditinos, nesse caso, especificamente dos cluniacenses.

A antiga Abadia de Hirsau, construída entre 830 e 837, a partir do ano 1069, adotou práticas cluniacenses.

E foi para entendermos um pouco melhor em que consistiu essa ligação que compreendeu o monaquismo e a Maçonaria, que o Ir.’. Varoli Filho, no que diz respeito à Abadia de Santo Aurélio de Hirsáugia, em Hirsau, Wurtenberg, teceu algumas das suas considerações. Transcrevemos o seguinte parágrafo do seu “Curso de Maçonaria Simbólica”:

“A abadia de Hirsau era uma irmandade não só de monges, como também de pedreiros e construtores, que Wilhelm (abade Wilhelm, Conde de Scheuren, o que dirigia Hirsau, a partir de 1069) acolheu, integrando-os numa fraternidade que nada fica a dever a uma verdadeira loja maçônica. Por isso, bons autores chegaram a acreditar que o convento e abadia de S. Aurélio de Hirsáugia (como foi chamado nos livros antigos), por seus regulamentos e práticas, tenha sido, pelo menos nos tempos do abade Wilhelm, uma das primeiras lojas maçônicas do mundo. “ (Varoli Filho, 1977, pág. 206)

Mas, assim como Cluny influenciou as construções religiosas na Alemanha através de Wilhelm Von Hirschau, o mesmo também aconteceu na Inglaterra com a atuação do construtor de nome Lanfranco (1005-1089).

Conforme o Ir.’. Eduardo R. Callaey, após a conquista da Inglaterra pelos normandos em 1066, o duque Guilherme (1028-1087) convocou Lanfranco e instalou-o como arcebispo de Canterbury, lugar onde Lanfranco faria seus projetos e organizaria suas grandes obras para os normandos.

A partir do ano 1070, sob a sua inteira supervisão, foram erigidas as primeiras construções monumentais de arte românica inglesa. Havia uma grande quantidade de catedrais e igrejas em construção na ilha britânica nessa época, e à frente de muitas delas estavam os beneditinos.

Catedrais importantes, a exemplo de Canterbury, Sherbone, Winchester e Worcester eram governadas por beneditinos, enquanto algumas outras tinham estes últimos como seus mestres de obras: Herfast, em Norwich; Guilherme, em Durham.

Gundulf (cerca 1024-1108) era um dos mestres construtores. Gundulf era protegido de Lanfranco: foi elevado ao cargo de bispo de Rochester e nomeado mestre de obra. Ele construiu a catedral de Rochester e a Torre Branca de Londres(22), esta última considerada a primeira torre de pedra retangular da Inglaterra. Muito provavelmente construiu a de Colchester também.

 

DAS ASSOCIAÇÕES MONÁSTICAS ÀS CONFRARIAS LEIGAS E ÀS GUILDAS

Relativamente às datas que aparecem acima, elas ajudam a entendermos que foi no período compreendido entre os séculos VI e VII que praticamente deram entrada no cenário as associações monásticas, onde seus construtores se dedicavam à edificação de igrejas e conventos.

Sempre lembrando que: do século VI (501 ao 600) ao século IX (801 ao 900), numa Europa cristã, tivemos os seguintes acontecimentos marcantes:

_ Fim do Império Romano do Ocidente

_ Invasões Bárbaras

_ Afirmação do Cristianismo no Mundo Bárbaro

_ Segunda onda de invasões (Séc. VII ao séc. X)

O Ir.’. Paul Nadon (1915 – 2001), historiador francês, em seu clássico “A Franco-Maçonaria”, contribui com informações relevantes acerca dos primórdios da Maçonaria e que tem como pano de fundo os acontecimentos citados anteriormente.

Ao se debruçar sobre o assunto, o historiador primeiramente citou os nomes daqueles arquitetos dignos de memória, que eram também clérigos e que podem ser considerados como detentores das tradições e dos segredos dos collegia romanos. Ele cita os seguintes nomes: Leão e Gregório, bispos de Tours; Ferréol, bispo de Limoges; Dalmacio, bispo de Rodez; Agrícola, bispo de Chalon-sur-Saône; Frutuoso na Espanha, e Santo Elói, este último ao qual ele se refere como “acima de todos”.  

Lembremos ainda que, anteriormente, na Parte VII desta série, extraídos de um artigo do Ir.’. António Rocha Fadista, foram citados também vários nomes de mestres notáveis que comandaram trabalhos relativos ao erguimento de igrejas e templos, e que foram atuantes dentro desse tipo de associações na Inglaterra.

Por sua vez, os outros nomes que agora apareceram, como é fácil constatar, são de franceses e espanhóis.  

Voltando ao texto do Ir.’. Paul Nadon, veremos na sequência um trecho que facilita na compreensão dos estilos arquitetônicos adotados na época, e serve também para complementar o pouco que havíamos visto sobre o assunto. Há uma relação direta com os nomes dos últimos mestres citados e que tiveram sua atuação na França e Espanha. Vejamos:

“Estes mestres foram formados nos antigos reinos dos Godos e dos Burgúndios onde se conservara a arte de construir. Talvez não se deva buscar noutra parte a origem do termo gótico que, de fato, remonta a uma época muito mais antiga do que a arte que atualmente designa. Já o encontramos escrito por Friedegodo, historiador que escrevia em 950. Continuou seguidamente a ser utilizado para designar o que nós chamamos de arte românica, a qual se distinguiu mais tarde do novo estilo de ogiva por designações de gótico antigo e gótico novo. Além do mais, este não passa de evolução do precepeso da abóbada. Não há igualmente oposição entre os artistas góticos e os artistas românticos.” (Nadon, 1977, pág. 26)

Dando prosseguimento: nos séculos XI e XII começa a aparecer um novo tipo de associações, sendo que, elas foram praticamente constituídas fora dos conventos: são as confrarias leigas. Elas são também o esboço das futuras comunidades de ofícios.  

Para esse acontecimento ou para essa transformação, o Ir.’. Nadon atribui como algumas das prováveis causas: a imigração dos artesãos para locais fortificados, uma garantia de maior segurança em relação aos bens, a crescente paz, o cosmopolitismo comercial produzido pelas expedições normandas e pelas cruzadas, entre outras.

A confraria poderia ser definida como uma continuação da associação monástica, tendo se adaptado às novas necessidades. Na realidade, mesmo sendo composta por leigos, o fundamento da confraria é sempre sagrado, eis que, a religião penetra toda a vida profissional e o clero está sempre presente.

Nadon é bem explicito nesse ponto: os mestres leigos (João de Orbais, Vilardo de Honnecourt, Pedro de Corbie) são simplesmente os alunos dos mestres eclesiásticos e destes últimos eles receberam segredos e uma tradição.  

Ocorreu que o saber acabou se vulgarizando e, os mestres-de-obras leigos em seguida acabaram ultrapassando em número os artistas eclesiásticos.

Resumindo: a associação monástica tornou-se confraria quando o convento perdeu o seu status de centro de segurança, de atividade e de ciência, ou seja, a partir do momento em que essa função foi devolvida à cidade.

O Ir.’. Nadon viu também nessa transformação, tratar-se apenas da criação de um quadro jurídico, o qual surgia como uma resposta para uma situação social que se modificara bastante.

Ainda, nessa época, como uma característica dos países germânicos e anglo-saxões, é quando começa a surgir uma outra forma jurídica de associação, a qual permitiu aos trabalhadores manuais que formassem agrupações autônomas: as guildas.

Na verdade, havia registro de que a partir do século VII já teriam começado a aparecer as guildas religiosas e sociais.

E a partir do século XII, surgem as guildas de mercadores e artesãos.

Tanto no caso das confrarias, quanto no das guildas, nascidas inicialmente como religiosas e depois passando a ser de proteção e mútua assistência, pouco a pouco, foram se estendendo no campo das suas atribuições, acabando por elevarem-se à categoria de autênticos corpos profissionais. Esses ofícios eram regrados pela autoridade municipal ou senhorial, e mais tarde, na França, por exemplo, o poder régio acabou dando-lhes apoio, tanto que, em 1268 são redigidos os Estabelecimentos dos Ofícios de Paris, chamado também Livros dos Mesteres, ou seja, a codificação dos estatutos das confrarias parisienses.

 

CONFRARIAS, CORPORAÇÕES, GUILDAS... DESFAZENDO CONFUSÕES

Um outro trecho que aparece no capítulo destinado à Franco-Maçonaria Operativa, do livro de Nadon, traz luz no sentido de esclarecer as diversas terminologias empregadas relacionadas às associações, as quais por vezes acabam causando algumas confusões. O trecho é bastante elucidativo, e contempla as terminologias, tanto da França como da Inglaterra, ao qual nos referimos, é o seguinte:

“Quando a profissão se organiza, a palavra utilizada na origem, em França, é a de confraria. Mais tarde distingue-se entre a confraria, de função religiosa e social, e o mester, organismo profissional. Mas o mester tem sempre a acompanhá-lo uma confraria e tomará mais tarde o nome de comunidade de mester e enfim, no século XVIII, simplesmente o de corporação. Na Grã-Bretanha, vamos encontrar primeiro o termo geral de guilda, depois os de companhia e de fraternidade (a Companhia dos Pedreiros de Londres é citada em 1376, a Fraternidade dos Pedreiros em 1472). Quanto ao termo francês compagnonnage, é simplesmente impróprio. Os ‘compagnonnages’ não aparecem antes do século XVI e, como o nome indica, agrupavam apenas companheiros ou operários. Tratava-se essencialmente de associações de defesa dos seus interesses próprios. A franco-maçonaria, não deriva delas de modo nenhum, mas uma e outra organizações nasceram dum tronco comum.” (Nadon, 1977, págs. 28-29)

 

COMENTÁRIOS:

Ainda nem entramos praticamente no assunto guildas, porém, aproveitemos esta breve menção à Grã-Bretanha e à essa terminologia, já que em Maçonaria quando ouvimos falar em guildas, o nome parece estar associado sempre à Inglaterra, e isso se deve a que foi nesse país que ele passou a ser mais utilizado primeiramente, depois, as outras terminologias companhia e fraternidade.

Vamos atermo-nos um pouquinho às datas que foram citadas no texto: 1376 e 1472. As origens da Maçonaria tidas como mais aceitas, possuem uma relação direta com o que acabamos de escrever: às guildas e à Inglaterra. Considerando essas datas (vamos arredondá-las um pouco só, no intuito de facilitar nossas contas), temos então: 1400 e 1500.

Se é possível atribuirmos e concordarmos que nesse período já existe uma franco-maçonaria, poderemos deduzir daí que a Maçonaria tem a idade aproximada de pouco mais de 600 anos.

Ainda em relação às origens da Maçonaria, a última frase que apareceu no extrato acima, acabou ecoando também como uma resposta para uma das perguntas que constaram no título geral deste trabalho, eis que, o autor assim se manifestou: “a franco-maçonaria não deriva delas de modo nenhum, mas uma e outra organizações nasceram dum tronco comum.” (Ele está falando a respeito de associações de defesa dos seus interesses próprios.) Será que não podemos dizer, no que diz respeito às origens da Maçonaria, que as guildas são uma das tantas organizações que pertencem a esse tronco comum que responde pelas origens da Maçonaria, tal como as outras tantas que vimos?

 

AS GUILDAS: ORIGENS

No primeiro dos seus livros “Maçonaria História e Filosofia”, ao abordar o assunto das guildas, o Ir.’ Ambrósio Peters dá início com a seguinte pergunta:

“Havia guildas de maçons na época do rei Athelstan? Estamos certos, que sim.” (Peters, 1999, pág. 74)

A história diz que o rei Athelstan, foi um grande legislador, legislou para todos os cidadãos: civis, militares e eclesiásticos, e que foi também um competente administrador, sendo que, organizou os serviços públicos de maneira modelar, incentivou a cultura, enfim...

Para o Ir.’. Ambrósio Peters, soa coerente deduzir a partir disso tudo, que um rei com esse histórico não poderia deixar de ter organizado também em associações específicas, os numerosos talhadores de pedra do seu reino, os maçons, colocando-os sob o controle de uma organização central superior, o que poderia ser comparado a uma grande loja, se usando de uma expressão maçônica da atualidade. E faz uma outra pergunta: “Seriam essas as guildas dos maçons de que fala tão claramente no Manuscrito Régio?”

No intuito de reforçar ou confirmar as suas inferências com relação à antiguidade das guildas na Inglaterra, o Ir.’. Peters recorre à seguinte passagem do Livro “Idade da Fé” (pág.562) do grande historiador estadunidense Will Durant:

“Ao norte dos Alpes a destruição dos antigos collegia foi presumivelmente mais completa do que na Itália. Não obstante, encontramo-los mencionados nas leis de Dagoberto (631), nas capitulações de Carlos Magno (779-789) e nas ordenanças do arcebispo Hincmar, de Reims (852).”

E para comprovar ainda mais o que foi dito até aqui, a “Enciclopédia Britânica” diz que as guildas se desenvolveram praticamente em todos os países europeus, no entanto, as primeiras evidências, as quais foram devidamente corroboradas, são provenientes da Inglaterra, onde teriam surgido a partir do século IX, sendo que, na segunda metade deste século, durante o reinado de Alfredo, o Grande, a sua existência pode ser provada.

Agora, vejamos um trecho de um outro livro “Maçonaria Verdade e Fantasias”, também de autoria do Ir.’. Ambrósio Peters, no qual ele escreveu assim:

“Entre os séculos X e XIX houve um período inicial em que a sociedade emergiu da barbárie e se reestruturou. Foi o momento em que surgiram na Inglaterra as primeiras guildas maçônicas dos operários construtores que conhecemos como Maçons Medievais. No século XI surgiram, também na Inglaterra, as demais guildas de artes e ofícios no bojo da introdução de novas técnicas comerciais trazidas pelos reis normandos.” (Peters, 2002, pág. 26)

Como podemos perceber, o Ir.’. Peters costumava usar a expressão” guildas de maçons”.  

 

CONTINUA...

NOTAS:

Torre Branca de Londres(22): é uma antiga fortaleza e torre central da Torre de Londres. Foi construída por Guilherme, o Conquistador no início da década de 1080, e depois aumentada. O ponto mais forte do castelo, do ponto de vista militar, serviu de alojamento para o rei e seus representantes, além de uma capela. Henrique III foi quem ordenou que ela fosse caiada, em 1240. (fonte: wikipedia)

 

Ir.’. José Ronaldo Viega Alves

ronaldoviega@hotmail.com

Loja Saldanha Marinho “A Fraterna”

Oriente de S. do Livramento, RS



 

Postar um comentário

0 Comentários