Se existe um mito que foi chamado a um destino incomparável e duradouro nos círculos esotéricos, é o da Rosa-Cruz. Obras dedicadas ao Rosacrucianismo, ao seu simbolismo, às diversas ordens Rosacruzes que afirmam pertencer a ele, bem como à forma que assumiu na Maçonaria, preenchem prateleiras inteiras de nossas bibliotecas. O Rosacruz estimula a nossa imaginação, e o seu caráter ficcional tornou-o no suporte ideal para todo o tipo de especulações místicas e esotéricas. Mas o que é a Ordem Rosacruz? De onde ela é? O Rosacruz tem alguma coisa a ver com a Maçonaria, ou é mesmo a sua origem?
O
Rosacruz: Mito ou Realidade?
Entre 1614 e 1616, apareceram na
Alemanha três escritos misteriosos conhecidos como Manifestos dos Rosacruzes: o
"Fama Fraternitatis" (Os Ecos da Fraternidade), a "Confessio
Fraternitatis" (A Confissão da Fraternidade) e "O Casamento Alquímico
de Christian Rosenkreuz". Estes escritos alegavam revelar a existência de
uma misteriosa "Irmandade dos Rosacruzes", que oferecia ao mundo o
seu suposto conhecimento científico, médico, filosófico e espiritual.
Supostamente fundada no século XV por um certo Christian Rosenkreuz, a
irmandade afirmava ser capaz de resolver qualquer problema utilizando novas
"axiomáticas", o que, obviamente, não foi revelado.
A manifestação desta chamada
fraternidade despertou um entusiasmo sem precedentes na Europa do século XVII,
desencadeando muitas paixões e multiplicando panfletos e difamações favoráveis
ou hostis ao Rosacrucianismo. René Descartes (1596-1650), considerado o pai do
pensamento racionalista, chegou a acreditar nesta fábula e viajou à Alemanha na
esperança de encontrar esses misteriosos iniciados, mas sem sucesso.
A Irmandade dos Rosacruzes era, na
verdade, uma farsa originada de um pequeno grupo de teólogos luteranos e
estudantes de teologia, que pretendiam desafiar a ortodoxia rígida da Igreja
Luterana de sua época. Um dos principais protagonistas, o pastor Jean Valentin
Andreae (1586-1654), reconheceu mais tarde que a fraternidade era apenas um
"ludibrium" (jogo, zombaria). O grupo, conhecido como “Cenáculo de
Tübingen”, estava próximo do pensamento do pastor místico Johannes Arndt
(1545-1621) e foi influenciado pelas utopias de Thomas More e Tommaso
Campanella, bem como pelas teorias médicas de Paracelso. Eles pertenciam à
corrente chamada Pansofia, que integrava ciência, filosofia e teologia do
Renascimento e do Barroco.
É importante notar que, embora os
membros do Cenáculo de Tübingen criticassem a imobilidade e a falta de
espiritualidade das Igrejas Luteranas, suas aspirações e modelos eram
resolutamente protestantes e hostis ao catolicismo, visto como autoritário. A
associação da rosa e da cruz, que permitia várias interpretações místicas e
esotéricas, era originalmente uma homenagem ao reformador Martinho Lutero, cujo
selo representava uma cruz sobre uma rosa.
Dos
Rosacruzes aos Rosacruzes
Os Rosacruzes têm algo em comum com os
Templários: podemos atribuir-lhes as doutrinas que quisermos, pois eles não
estão lá para se defenderem! Assim nasceu o Rosacrucianismo, uma constelação de
doutrinas e práticas esotéricas e místicas com contornos mal definidos. Podemos
dizer que o século XVII foi Rosacruz não porque os Rosacruzes influenciaram a
época, mas porque esta construção heterogênea a que chamamos Rosacruz
cristalizou as aspirações e especulações daquele período.
Os primeiros Rosacruzes, como o médico
inglês Robert Fludd (1554-1637), estudaram seriamente os Manifestos dos
Rosacruzes para descobrir seus segredos. No entanto, aqueles que os seguiram
desviaram-se para reter principalmente a dimensão alquímica, a ponto de o termo
"Rosa-Cruz" tornar-se praticamente sinônimo de alquimista. A alquimia
nos Manifestos era mais espiritual que material, mas a alquimia material acabou
prevalecendo.
Formaram-se grupos mais ou menos
informais baseados em afinidades com temas rosacruzes. Com o tempo, a referência
aos textos originais desapareceu em favor de um Rosacrucianismo que cada um
interpretava como desejava.
Rosacrucianismo
e Maçonaria
O século XVII na Inglaterra foi o
cadinho onde nasceu a Maçonaria especulativa. O Rosacruz desempenhou um papel
nesta gênese? O Rosacruz, como movimento que reunia aspirações místicas,
espiritualistas e herméticas da época, certamente teve influência.
O registro escrito mais antigo de uma
relação entre Maçonaria e Rosacrucianismo na Grã-Bretanha data de 1638. No
"Muses Threnodie" do poeta escocês Henry Adamson, lemos: "porque
somos Irmãos Rosacruzes; temos a Palavra Maçom e a segunda visão". Isso
indica uma ligação feita na Escócia entre a Maçonaria e o Rosacrucianismo
naquela época.
Na Inglaterra, Elias Ashmole (1616-1692),
famoso antiquário e historiador, foi maçom e esteve envolvido com a alquimia,
publicando o "Theatrum Chemicum Britannicum" em 1652. A sombra do
Rosacruz pairava sobre a antiga Maçonaria Inglesa do século XVII, com círculos
Rosacruzes e lojas maçônicas claramente se conhecendo e recrutando nos mesmos
círculos.
Na Alemanha e na França do século XVIII,
desenvolveram-se rituais que combinavam mais explicitamente Maçonaria e
Rosacrucianismo. A obra "A verdadeira e perfeita preparação da Pedra
Filosofal pela Fraternidade da Ordem da Rosa Cruz de Ouro", publicada em
1710, afirmava a existência de uma ordem Rosacruz chamada "Rosa Cruz
Dourada". Embora fictícia, esta ordem inspirou maçons alemães a realmente
estabelecê-la na década de 1750, praticando rituais de inspiração maçônica.
Rosacrucianismo
no Século XIX
No século XIX, a Maçonaria manteve o
grau de Cavaleiro Rosacruz, enquanto fora dela desenvolveram-se organizações
Rosacruzes. O Romantismo trouxe uma forte carga sentimental e mística, gerando
o ocultismo. O mito Rosacruz ocupou um lugar central nessa constelação
ocultista.
A "Societas Rosicruciana in
Anglia" foi fundada em 1865 por Robert Wentworth Little. Adotando uma
escala de nove graus, a sociedade limitava o número de membros a 144, exigindo
que fossem Mestres Maçons. Esta ordem ainda existe e se espalhou por vários
países.
Em 1888, três membros fundaram a
"Ordem Hermética da Aurora Dourada de Fora", que aumentou a escala de
graus para onze. A ordem viveu vários cismas, originando diferentes ordens,
como a "Stella Matutina" e os "Construtores do Adytum".
Na França, a "Ordem Cabalística da
Rosa-Cruz" foi criada em 1888 por Joséphin Péladan e Stanislas de Gaïta, e
depois se dividiu, dando origem à "Estética Rosa-Cruz" de Péladan.
Péladan organizou "Salons de la Rose-Croix" em Paris, influenciando a
arte da época.
Rosacrucianismo
no Século XX
Três das organizações Rosacruzes mais
conhecidas hoje foram criadas no século XX:
1. Rosacruz Fellowship: Fundada na
Califórnia em 1909 por Max Heindel, é um movimento de misticismo cristão não
dogmático. Sua obra de referência é "Cosmogonia dos Rosacruzes".
2. Antiga e Mística Ordem dos Rosacruzes
(AMORC): Fundada na Califórnia em 1915
por Harvey Spencer Lewis, a AMORC oferece educação por correspondência e possui
Templos para cerimônias de iniciação.
3. Lectorium Rosicrucianum: Fundada em
1945 na Holanda, desenvolve um esoterismo cristão com influências do
gnosticismo e do catarismo, organizando palestras e seminários públicos.
Conclusão
O tema da Rosacruz evoluiu muito ao
longo do tempo. A utopia nascida nas periferias do pietismo luterano alemão do
século XVII ofereceu asilo a diversas especulações herméticas, alquímicas,
ocultistas e místicas. As organizações Rosacruzes seguiram o espírito da época,
passando de grupos informais a ordens estruturadas e, finalmente, a sociedades
abertas ao mundo através de meios modernos de comunicação.
O símbolo da Rosacruz retém um
considerável poder de atração sobre aqueles em busca espiritual, evidenciando
sua força e duradouro apelo místico.
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