Maçonaria: A Ordem Iniciática, o Aprendiz e o Eterno Aprendiz


Por Irmão José Ronaldo Viega Alves

 “É necessário, porém, distinguir-se entre a iniciação simbólica e a iniciação real ou vivida. A Iniciação maçônica é puramente simbólica e assim, depende apenas de que o iniciado alcance a Iniciação Real. A Iniciação simbólica é apenas uma imagem, a Iniciação real é uma ciência.” (Nicola Aslan)

INTRODUÇÃO

A Maçonaria é uma instituição iniciática, repleta de simbologias.

Ao ler a afirmativa acima, podemos nos perguntar: quem é que poderá lembrar de, após ter sido iniciado, ter ouvido esclarecimentos sobre o porquê da Maçonaria ser definida como iniciática ou de onde teriam vindo essas tradições, ou ainda, aludindo ao trecho de autoria do Irmão Nicola Aslan que aparece logo após o título, ter ouvido sobre haver uma distinção entre a Iniciação simbólica e essa outra Iniciação, a real?

 Sim, a Iniciação está afeta ao campo da interpretação intuitiva, portanto, a percepção de cada um é única, e para defini-la ou nos referirmos aos complexos significados que envolvem o que é simbólico e o que é real, poucos conseguem transformar isso em palavras. Já no que se referem às instruções, também, não são muitos aqueles que poderiam contar ou resumir essa que seria uma longa história: as origens e significados das Iniciações desde os seus tempos mais remotos e o que chegou efetivamente até nós. Quem sabe, então, ao longo das primeiras sessões, onde tudo é novo para o Aprendiz, no período reservado à Instrução, orientar, indicar livros e artigos de autores que esmiuçam o Grau e que tenham discorrido sobre os significados da Iniciação e do seu simbolismo. É preciso leitura? Sim, e a leitura não está afeta ao Ritual somente. Aliás, isso independe do Grau e do tempo de Maçonaria.

                O de praxe é achar que a lacuna à qual nos referimos, será resolvida logo que surgir para o recém-iniciado, a oportunidade de presenciar uma Iniciação em uma outra Loja, quando então será convidado e aconselhado para bem observar tudo o que ali se passar, pois, na condição de espectador, presumidamente, passará a entender o que é uma Iniciação, fazendo um paralelo com a sua própria, e que poderia soar um tanto simplista ou até reducionista.

Evidentemente, a Iniciação é um processo, como bem se referiu André Combes, o qual, foi citado pelo Irmão Luiz Vitório Cichoski em seu livro:

“deve ser compreendida como a primeira etapa da formação do Maçom: ela é o ponto de partida do trabalho que o Neófito deverá realizar sobre si mesmo” (Cichoski, 2014, pág. 219)

          O fato de poder ser um espectador valerá mesmo como um complemento, não seu entendimento pleno, pois, tudo vai se operar mesmo com o passar do tempo, e pesará, sobretudo, muito da intuição de cada um em particular.

                      O Irmão Ivo Reinaldo Christ, em seu trabalho intitulado “A Maçonaria Iniciática”, escreveu o seguinte:

“O conhecimento iniciático é muito mais sensorial do que intelectual.”

Uma Iniciação é um processo de transformação para uma nova vida e para o resto das nossas vidas, pois, marcará um antes e um depois.

           Portanto, porque não usar de mais esclarecimentos (por parte dos Irmãos Vigilantes, dos Mestres, dos padrinhos...) para com os recém iniciados, sobre o porquê a Maçonaria ser considerada iniciática, em que consiste esse processo iniciático, o que é a Iniciação que eles viveram e o que ela irá representar em suas vidas a partir daquele primeiro momento, é fundamental. E ainda haveria mais: o que é a Iniciação simbólica, o que é a Iniciação real, esta última, aquela que viverão dali para a frente, afinal, um iniciado passou apenas pela porta de entrada, e alguém tem de avisar que o caminho iniciático é um longo caminho, além de solitário.

O Irmão Nicola Aslan reproduziu em seu livro “Estudos Maçônicos Sobre Simbolismo”, o seguinte comentário de Paul Naudon:

“Os Ritos iniciáticos não tem nenhum valor sacramental. O profano que foi recebido Maçom, de acordo com as formas tradicionais, não adquiriu só por este fato as qualidades que distinguem o pensador esclarecido do homem não inteligente e grosseiro. O cerimonial de recepção tem valor unicamente como encenação de um programa que importa ao Neófito seguir, para entrar na posse de todas as suas faculdades.” (Aslan, 1997, pág. 42)

              O simbolismo, o aspecto externo e o interno desses símbolos, as experiências objetivas e subjetivas, a visão e a percepção, a intuição, as introspecções..., são parte do todo.

O ensino maçônico difere em muito de outras modalidades de ensino, pois, atende ao método iniciático. Pensar por si mesmo, desenvolvendo a capacidade de compreensão, e meditar muito. Mas, para aprender a pensar, é preciso primeiro aprender a calar. E aqui já poderíamos fazer uma projeção: quem aprendeu a lição sobre a importância do silêncio, quem aprendeu a calar, saberá o momento adequado de falar e sobre o que se vai falar, o que é diferente de papagaiar.   

O QUE SIGNIFICA MAÇONARIA INICIÁTICA?

A Maçonaria, conforme Nicola Aslan “é uma sociedade iniciática porque, ao contrário das sociedades profanas, o candidato que reúne os requisitos que a autoridade maçônica exige, é submetido à uma cerimônia esotérica, a iniciação.”

Ou como escreveu o irmão Cipriano Oliveira em seu livro “Maçonaria: Passado, Presente e Futuro”:

“Por via Iniciática significa uma transmissão de certos conhecimentos através de um processo esotérico hierarquizado denominado Iniciação, simbolizando a morte e o renascimento para uma nova vida, na qual se pretende despertar a pessoa para um conjunto de conhecimentos que transcendem a personalidade, de ordem metafísica. Recebe para isso ‘chaves interpretativas’ que lhe permite começar esse labor intelectual e emocional.

Associado ao esoterismo existe sempre um ritual que nos remete para os mistérios antigos, em que o conhecimento era secreto, quer por ser apanágio de poucos, quer por ser fonte de poder. Uma vez transposto esse patamar, não mais se podia voltar atrás, por se ter tido acesso às suas chaves herméticas.” (Oliveira,2011, pág. 22)

É possível ter passado pela cerimônia da Iniciação e não ter tido a sensação de que algo novo em seu íntimo estava acontecendo, uma mudança, um despertar, um novo ser surgindo?

AS ESCOLAS INICIÁTICAS DA ANTIGUIDADE, OU AS ESCOLAS DE MISTÉRIOS

Os Mistérios Antigos eram aqueles cultos onde os ensinamentos eram ministrados aos seus membros por intermédio de rituais, de simbolismos específicos, os quais, deveriam ser mantidos em segredo. Para esses últimos havia uma espécie de pacto de silêncio, além de que, os seus recebedores deveriam antes prestar um juramento.

Não existiu propriamente uma uniformidade entre as várias escolas do passado e os seus métodos, mas, mantiveram sempre uma ligação estreita com o culto, a educação e o poder, que eram administrados por intermédio dos seus sacerdotes. Aliás, o poder e a intermediação eram sim características comuns entre elas, assim como, os cuidados nas ligações entre o sagrado e o profano. 

A Maçonaria herdou dessas escolas iniciáticas, muitos dos seus procedimentos, assim como, dos conhecimentos esotéricos da antiguidade provenientes das mais variadas crenças e religiões. A Maçonaria bebeu ainda nas fontes que compreendem as ciências herméticas, o misticismo judaico e fundamentalmente no Livro Sagrado, a Bíblia.

O ENSINO INICIÁTICO/O ENSINO MAÇÔNICO

Como escreveu o Irmão Nicola Aslan, quando se referindo certamente a um estudioso que lhe precedeu, mas, sem citar nomes: “Já foi dito que o ensinamento dos Maçons é revelado por Símbolos que se tornam sensíveis graças a um Ritual.”

A partir daí, o que vai ser compreendido do Símbolo, o que vai ser interpretado é pessoal. O aprendizado em si vai depender de cada maçom, do seu empenho, da sua paixão pelo estudo, pois, muitos dos frutos que colherá serão oriundos das suas reflexões e interpretações acerca desses símbolos.

Um esclarecimento muito importante provindo da análise de Aslan, resume perfeitamente em que vai consistir esse conhecimento maçônico para o Maçom que estiver buscando verdadeiramente seu progresso moral, intelectual e espiritual, e que encarne a condição de “eterno aprendiz”, independente dos Graus que já tenha galgado. Escreveu o Irmão Nicola Aslan, em seu livro “Estudos Maçônicos sobre Simbolismo”:

“Demasiadamente ecléticas, as doutrinas maçônicas não se distinguem pela originalidade, tampouco pela coesão e pela coordenação; em compensação, nelas não existe a sombra do dogmatismo, sendo, ao contrário, doutrinas essencialmente ventiladas, doutrinas próprias para homens livres e sem qualquer espírito gregário; são elas, na verdade, o resultado sedimentado do conflito secular travado pelas várias correntes de ideias religiosas e filosóficas. O Maçom aceita somente aquilo que lhe satisfaz o entendimento. O seu equilíbrio mental permanece inatingível, graças ao estudo, contínuo e diuturno, em que ele se aplica, (grifo meu!) a fim de absorver conhecimento de tudo o que constitui o fundo espiritual e cultural da humanidade.

Pelo método iniciático, o Maçom distingue-se culturalmente dos outros homens. Não conhece nem pode conhecer a satisfação espiritual e intelectual, pois ele sabe que a Verdade de hoje pode não ser a Verdade de amanhã. Pesquisador eterno, o Maçom faz jus à denominação de FILHO DA LUZ.” (Aslan, 1997, págs. 19-20)

TORNANDO-SE UM VERDADEIRO INICIADO

Em um trabalho de autoria de vários Irmãos, intitulado “O Maçom e a Intuição” lemos a seguinte passagem:

“Nos Ensinamentos Maçônicos, um ensinamento é dito secreto, não necessariamente porque alguém proibiu sua divulgação, mas ele somente será aprendido pelo olho interno do Aprendiz, e este pode não ter atingido ainda o nível necessário de percepção. 

O que se pode fazer é indicar ao Aprendiz quais os métodos ou caminhos que o levariam a atingir um determinado conhecimento através da intuição, fornecendo-lhe um quadro de orientações e não de definições, pois, o conhecimento é íntimo e pessoal, e a participação isolada de que aprende é indispensável.”

Desde a antiguidade, em todas as escolas de mistério, o silêncio foi exigido dos iniciados, além da capacidade de manter segredo.

Na Maçonaria, o símbolo se faz acompanhar do silêncio, o que convida à meditação, reforçando aqui, essa condição necessária e importante para achar o significado oculto do símbolo. 

E nas palavras do Ir.’. Luis Javier Miranda Mc Nally:

 “Quando a iniciação alcança o iniciado, este não só entende o significado do propósito para o qual foi escolhido, como esse significado faz parte dele, aplicando os ensinamentos na sua vida cotidiana, transmitindo-os para os outros de seu círculo que não são iniciados por intermédio do seu exemplo; em outras palavras, a iniciação começa a fazer parte da sua consciência, traduzindo essa conscientização em termos práticos, no amo e respeito por seu semelhante.” (Mc Nally, 2008, págs. 15-16)

 

CONCLUSÃO

Basicamente, uma conscientização pode ser traduzida como a “ação de tomar conhecimento de algo”, sendo que, a partir desse momento os nossos costumes, os nossos comportamentos, a nossa maneira de ser, estão sujeitos às alterações que virão por conta das adaptações que se farão necessárias.

Parafraseando Paul Naudon, pode-se dizer que aqueles que são iniciados na Maçonaria, naquele primeiro momento tomaram parte num cerimonial de recepção que vai introduzi-los num programa a ser seguido.

 O tempo dirá se todos aqueles que são iniciados estavam mesmo destinados ou dispostos a se submeterem e a cumprirem o programa esse que os conduzirá a uma iluminação de caráter íntimo e que vai exigir bastante de cada um. Nem todos estarão aptos a buscar e conseguir esse conhecimento superior, muitos não conseguirão se desvencilhar das veleidades, da soberba, das trivialidades e dos prazeres do ego.

O sábio Irmão Octacílio Schüler Sobrinho escreveu que, a Maçonaria é uma grande estrada, a qual, pela Iniciação nos levará ao conhecimento, assim como, por meio dos seus símbolos, ao autodesenvolvimento. Se este último, que faz com que tomemos as rédeas de nosso processo evolutivo, não acontecer, mesmo tendo sido iniciado continuará sendo um profano.

Ainda da lavra do Irmão Octacílio Schüler Sobrinho, a seguinte passagem que consta em um dos seus livros parece vir exatamente ao encontro daquilo que foi esboçado até aqui, durante o desenvolvimento deste trabalho:

“O que de verdade há é que, iniciado _ colocado no caminho _, mesmo atingindo o grau de Companheiro ou Mestre, sempre será um iniciado, ou seja, um eterno Aprendiz. Entendido desta maneira, o Maçom não pode deixar de estudar insistentemente o simbolismo, porque esta ausência provocará, necessariamente, uma patologia mental e espiritual, levando o obreiro a não entender o que é Maçonaria e a perder a motivação e abandonar a Ordem.” (Schüler Sobrinho, 2000, pág. 132)

E analisando o uso da expressão “eterno Aprendiz”, ela está perfeitamente inserida no contexto deixando entrever todo o seu rico significado, sendo que ela carrega em si a ideia de que o eterno Aprendiz é aquele que não pode deixar de estudar com afinco, pois, se assim não proceder, corre o risco de não entender a Maçonaria.

 Aliás, esse pensamento deve ser difundido constantemente em Loja, pois, a expressão “eterno Aprendiz”, muitas vezes é utilizada por alguns como se não passasse de “efeitos especiais”.

Do nosso esforço contínuo para estudar, dependerá o nosso entendimento em cada um dos Graus do REAA, pois, dentro de cada um deles há um mundo novo de conhecimentos à nossa espera. Se eu disser que a busca é infinita, alguém poderá duvidar disso?

 

Irmão José Ronaldo Viega Alves

ronaldoviega@hotmail.com

Loja Saldanha Marinho, “A Fraterna”

Oriente de S. do Livramento – RS.

 

CONSULTAS BIBLIOGRÁFICAS:

Internet:

“Significado de Conscientização” – disponível em: significados.com.br

“A Maçonaria Iniciática” – Trabalho de autoria do Irmão Ivo Reinaldo Christ. Disponível em: www.alferes20.net/

Revistas:

ACÁCIA, nº 56, de jan./fev.2000: “Sociedade Iniciática” – Artigo de autoria do Irmão Nicola Aslan

A TROLHA, nº 357, junho/2016: “O Maçom e a Intuição” – Trabalho de autoria de vários Irmãos.

Livros:

ASLAN, Nicola. “Estudos Maçônicos Sobre Simbolismo” – Editora Maçônica “A Trolha” Ltda.- 1ª Edição – 1997

CICHOSKI, Luz Vitório. “Fundamentos da Iniciação” – Editora Maçônica “A Trolha” Ltda. - 1ª Edição – 2014

MC NALLY, Luis Javier Miranda. “Iniciação” – Editora Maçônica “A Trolha” Ltda.- 1ª Edição - 2008

OLIVEIRA, Cipriano. “Maçonaria: Passado, Presente e Futuro.” – Editora Maçônica “A Trolha” Ltda. – agosto de 2011.

SCHÜLLER SOBRINHO, Octacílio. ”MAÇONARIA - Introdução aos Fundamentos Filosóficos” – Livraria e Editora Obra Jurídica Ltda. - 2000

 

 

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