A Maçonaria e o Islã: Entre Pontes Filosóficas e Barreiras Históricas
Da Redação
A relação entre a Maçonaria e o Islã tem sido, historicamente, marcada por uma complexa teia de paradoxos, desconfianças e esperanças. Embora ambas as tradições compartilhem princípios espirituais e éticos de alcance universal, o diálogo entre elas é dificultado por heranças coloniais, divergências simbólicas e percepções políticas que ainda moldam o mundo árabe-muçulmano contemporâneo.
A Maçonaria, com seus ritos iniciáticos e referências simbólicas profundamente enraizadas na tradição bíblica, como a figura do rei Salomão, possui um legado que, embora nascido na Europa, dialoga com elementos do esoterismo e do misticismo presentes em diversas culturas. Contudo, ao ser introduzida em territórios islâmicos, especialmente durante o período colonial, ela passou a ser vista como um corpo estranho, associado a potências estrangeiras, a interesses ocidentais e, em alguns casos, ao sionismo — uma associação alimentada por discursos nacionalistas e por autoridades religiosas conservadoras.
Apesar de a história da Maçonaria em países islâmicos contar com episódios de presença ativa — geralmente limitada a membros de comunidades judaicas, cristãs ou estrangeiras —, a Ordem acabou sendo amplamente marginalizada. Atualmente, ela é proibida em muitos Estados de maioria muçulmana e apenas tolerada em poucos, sendo, na maioria dos casos, amplamente desconhecida pelo público em geral.
Essa exclusão institucional não se deve, necessariamente, a uma incompatibilidade entre os valores fundamentais das duas tradições. Pelo contrário, há quem sustente que os princípios maçônicos de fraternidade, busca pela verdade e aperfeiçoamento moral encontram ecos no espírito ético do Islã. Ordens sufis, por exemplo, compartilham com a Maçonaria aspectos esotéricos, rituais iniciáticos e estruturas fraternais. Contudo, a natureza secreta da Maçonaria, aliada a seus símbolos de origem bíblica e ao contexto político de sua introdução no Oriente Médio e no Norte da África, alimentou uma narrativa de suspeição.
A Primavera Árabe, no início da década de 2010, gerou expectativas quanto à emergência de regimes mais abertos e seculares, onde instituições como a Maçonaria poderiam encontrar espaço para se expressar livremente. No entanto, a instabilidade política e o fortalecimento de correntes conservadoras tornaram esse horizonte mais distante do que próximo.
Um dos principais desafios é o fardo simbólico do colonialismo europeu, que se entrelaçou à história da Maçonaria em muitas regiões muçulmanas. A percepção de que a Ordem é uma extensão dos interesses ocidentais dificulta sua aceitação, independentemente de seus princípios declarados de universalidade e neutralidade política. Essa visão é reforçada pelo fato de que, em muitos casos, lojas maçônicas funcionaram em ambientes elitistas e ocidentais, afastados das tradições locais.
Apesar dessas dificuldades, o diálogo entre Maçonaria e Islã não está totalmente encerrado. Em contextos onde predomina uma leitura mais pluralista e espiritualizada das tradições religiosas, há espaço para uma reinterpretação das relações entre ambas. O futuro desse diálogo dependerá não apenas da disposição das instituições maçônicas em promover um engajamento culturalmente sensível, mas também da evolução política e intelectual dos países muçulmanos rumo a uma maior tolerância e abertura ao diverso.
Em síntese, a compatibilidade entre a Maçonaria
e o Islã não é impossível, mas é dificultada por camadas de história, cultura e
política. Para que haja uma aproximação legítima, será necessário desconstruir
estereótipos, superar os legados do passado e reconhecer que tanto a Maçonaria
quanto o Islã têm, em seus fundamentos, a aspiração à elevação espiritual do
ser humano. O reencontro entre esses dois mundos poderá, um dia, revelar-se não
como uma contradição, mas como uma possibilidade de diálogo profundo entre
sabedorias milenares.
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