Da Redação
Envolto na névoa que cobre as montanhas do
Japão, o Santuário de Ise surge como um sopro suspenso entre o céu e a terra.
Suas vigas de cipreste, claras e polidas, exalam perfume de chuva e de
eternidade. E, no entanto, nada nele dura para sempre. A cada vinte anos, há
mais de treze séculos, o templo é desmontado e reconstruído no mesmo solo
sagrado.
Os artesãos o refazem idêntico, mas sempre com
madeira nova, outra luz, outras mãos ― mãos que trazem consigo uma vida
diferente.
Esse ritual, o Shikinen Sengu, é uma forma de
conviver com o tempo. Cada geração toca a obra com devoção e, em silêncio, a
entrega à geração seguinte. Nesse gesto de passagem, a matéria se transforma em
memória. O que perdura não é o edifício, mas o ato de construí-lo.
No ritmo dessa alternância, o Japão confia ao
próprio mutamento a sua alma — e a deixa florescer no ciclo das renascenças.
O templo muda a cada reconstrução. Ele vive no
instante em que é desmontado e recomposto. Cada trave removida, cada corda
novamente trançada, cada golpe de martelo repetido com a mesma precisão revela
uma fidelidade que não conhece rigidez.
O Ise Jingu acolhe a fragilidade do mundo e a
converte em harmonia: tudo o que se renova preserva a vida; tudo o que se
endurece desaparece.
Essa linguagem silenciosa do renascimento
também fala à Maçonaria. Dentro de sua obra ancestral vive o mesmo princípio, o
mesmo ritmo oculto.
Existe um templo invisível, construído dentro
de si mesmo. Os iniciados trabalham nele dia após dia e, quando julgam ter
concluído, descobrem que a obra está apenas recomeçando.
Trabalhar a pedra bruta é acolher a
transformação como destino.
Cada golpe de cinzel abre um espaço novo no
ser.
Cada lasca que cai revela uma parte mais
autêntica de si.
O homem que aceita trabalhar sobre si aprende a
desmontar e reconstruir a própria morada interior. Não há renascimento sem a
vontade de deixar para trás aquilo que se foi.
O templo de Ise e o templo da alma obedecem à
mesma lei: ambos se renovam através do gesto que destrói e recria; ambos nascem
do movimento.
Cada demolição é um ato de confiança.
Cada reconstrução, uma promessa de luz.
Ao longo de mais de três séculos, a Maçonaria
prossegue por meio dessa transmissão contínua. Cada irmão recebe a obra
daqueles que vieram antes e a entrega aos que virão depois. Não há fim — apenas
o fluxo de gestos e ensinamentos. Os mestres que ensinam a trabalhar a pedra
não transmitem regras: transmitem um modo de ser. Mostram a calma do gesto
correto, a paciência que forma, a beleza que nasce do fazer.
No Japão, algo semelhante acontece. O mestre
que ensina o jovem a cortar a madeira sagrada não lhe transmite só uma técnica.
Ele lhe confia uma maneira de olhar, de pensar, de estar no mundo.
Em cada golpe de serra, em cada fibra que se
curva, há um ensinamento que ultrapassa as palavras. O templo, então, jamais
permanece o mesmo.
Ele muda com aqueles que o constroem.
E aqueles que o constroem mudam com o templo.
O homem se torna aquilo que molda.
A matéria se torna espelho de sua alma.
Demolir-se e reconstruir-se — eis o caminho
pelo qual cada ser humano pode encontrar sua verdade mais profunda.
Toda perda, todo erro, toda estação que passa
leva algo embora e devolve outra coisa. Assim o Santuário de Ise renasce em seu
esplendor, e assim o homem renasce dentro de si.
O canteiro visível e o canteiro interior
pertencem à mesma obra, à mesma invocação à continuidade da vida.
Quando o último raio de sol toca a madeira nova
do santuário, ou quando o martelo do maçom golpeia novamente a pedra, o tempo
parece curvar-se em silêncio.
Tudo o que foi e tudo o que será se encontram
num único instante.
Nesse breve encontro, o homem percebe que a
eternidade não está distante: ela vive nele — na coragem de mudar de forma, na
paciência tranquila de recomeçar, na fidelidade àquilo que todos os dias
renasce.
Assim, entre as mãos que trabalham e a matéria
que se transforma, a obra continua.
E com ela, continua o homem.
Talvez, no fundo, esse seja o significado mais
profundo de toda construção sagrada.
Há irmãos que encontram na magnificência do
templo físico um sinal de continuidade e dignidade, e é justo que preservem
essa beleza.
Mas a verdadeira obra — aquela que não teme o
tempo — nasce dentro do ser humano.
O
templo mais precioso não é o que se ergue em pedras, mas o que se ergue na
consciência, dia após dia, pelo trabalho silencioso de cada iniciado.
As salas das Lojas podem ser esplêndidas e
repletas de símbolos, mas tudo isso permanece vazio se não refletir a luz que o
iniciado acendeu dentro de si.
A beleza verdadeira não reside nas paredes, mas
no gesto que lhes dá vida.
Cada ato de verdade, cada polimento da pedra
interior, contribui para a construção do único templo que nunca ruirá: o templo
que vive na consciência.
É ali que se realiza a verdadeira arte do
construtor — e é nessa obra invisível que a Maçonaria encontra sua forma mais
elevada de beleza.
Esse artigo foi publicado originalmente no revista Athanor
Doação via PIX
Para doar, copie a chave PIX abaixo e cole no seu app bancário.



0 Comentários