Maçonaria e Mulheres: exclusões, caminhos paralelos e reconhecimentos


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Da Redação

A relação entre a Maçonaria e as mulheres é longa, complexa e marcada por tensões entre tradição, prática histórica e transformações sociais. Embora a Maçonaria especulativa moderna tenha se estruturado, a partir do século XVIII, como uma instituição formalmente masculina, há evidências de participação feminina muito anteriores, bem como múltiplas experiências paralelas que desafiam uma leitura simplista de exclusão absoluta.

Na Europa medieval e renascentista, o papel da mulher nos ofícios dependia, em grande parte, de sua condição jurídica. Viúvas de mestres artesãos frequentemente mantinham os negócios dos maridos e, em alguns casos, herdavam direitos corporativos. Documentos ingleses registram mulheres ligadas às corporações de construtores, como Gunnilda, citada como maçom em Norwich em 1256. Manuscritos antigos, como o Regius e registros da Catedral de York, indicam que a presença feminina, ainda que rara, não era totalmente desconhecida. A figura lendária de Sabina von Steinbach, associada à Catedral de Estrasburgo, ilustra essa memória simbólica.

Com a fundação da Grande Loja de Londres e Westminster, em 1717, e a publicação das Constituições de Anderson, consolidou-se a exclusão formal das mulheres da Maçonaria regular. Ainda assim, na França do século XVIII, desenvolveu-se uma solução intermediária: as chamadas Lojas de Adoção. Vinculadas a lojas masculinas, essas estruturas admitiam esposas e parentes femininas dos maçons em um sistema ritual próprio, inspirado em valores morais e simbólicos da Ordem, mas distinto do rito original. Em 1774, o Grande Oriente da França passou a regulá-las oficialmente, organizando um sistema de graus que se difundiu amplamente pela Europa continental.

As Lojas de Adoção floresceram durante o período napoleônico, contando inclusive com o apoio da Imperatriz Josefina. Após períodos de declínio, foram reativadas no início do século XX e, progressivamente, transformaram-se em lojas exclusivamente femininas. Esse processo culminou, em 1959, na criação da Grande Loja Feminina da França, marco fundamental da Maçonaria feminina moderna, posteriormente expandida para outros países europeus e para os Estados Unidos.

Enquanto isso, no mundo anglo-americano, a Maçonaria manteve-se estritamente masculina, mas desenvolveu diversos corpos concordantes, que permitiam a participação feminina sem alterar a estrutura da Ordem. Entre eles destacam-se a Ordem da Estrela do Oriente, a Ordem do Amaranto, o Santuário Branco de Jerusalém e entidades vinculadas à Maçonaria Prince Hall. Essas organizações adotam rituais próprios, de inspiração maçônica, sendo consideradas maçônicas em caráter, mas não reconhecidas como Maçonaria regular.

Ao longo dos séculos XVIII e XIX, surgiram também casos excepcionais de mulheres iniciadas em lojas masculinas, geralmente em circunstâncias extraordinárias. Elizabeth Aldworth, na Irlanda, Madame de Xaintrailles, na França, e algumas nobres europeias do século XIX figuram como exemplos amplamente debatidos pela historiografia maçônica. Embora fascinantes, esses episódios não alteraram a posição institucional predominante das Grandes Lojas tradicionais.

Um divisor de águas ocorreu em 1893, com a fundação da Maçonaria Mista, conhecida como Le Droit Humain. Idealizada por Maria Deraismes e Georges Martin, essa obediência adotou o Rito Escocês Antigo e Aceito e estabeleceu, desde sua origem, a igualdade iniciática entre homens e mulheres. Rapidamente internacionalizada, a Co-Maçonaria difundiu-se pela Europa, Américas, Ásia e África, constituindo-se hoje como uma das principais expressões da Maçonaria universalista contemporânea.

No século XX, consolidaram-se também jurisdições exclusivamente femininas no Reino Unido, como a Ordem das Mulheres Maçons e a Honorável Fraternidade dos Antigos Maçons. Embora não reconhecidas formalmente pela Grande Loja Unida da Inglaterra, essas ordens foram consideradas, desde 1999, regulares em sua prática ritual, exceto pela inclusão de mulheres, sendo reconhecidas como parte da tradição maçônica em sentido amplo.

Atualmente, a Maçonaria apresenta uma pluralidade de modelos: masculina tradicional, feminina, mista e estruturas concordantes. A Maçonaria continental, especialmente ligada aos Grandes Orientes, tende a reconhecer plenamente a iniciação feminina. Já as jurisdições anglo-americanas permanecem fiéis aos chamados Marcos Antigos, que definem a Maçonaria como uma fraternidade masculina.

Essa diversidade revela que a história da Maçonaria e das mulheres não é linear nem uniforme. Ao contrário, ela expressa disputas simbólicas, jurídicas e filosóficas sobre tradição, regularidade e universalidade iniciática — debates que continuam a moldar o presente e o futuro da Ordem.

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