Por RL Tanit
Desde os primórdios da civilização, o ser
humano recorre aos símbolos para expressar verdades que ultrapassam a linguagem
literal. Entre esses símbolos ancestrais, o galo ocupa um lugar singular. Seu
nome, derivado do latim gallus — “aquele que chama” — já revela
sua função primordial: anunciar, despertar, convocar. O canto que rompe a
madrugada não é apenas um som natural; é um chamado à consciência, um marco
entre as trevas da noite e a promessa da luz.
O galo está intimamente ligado ao sol nascente.
Ao cantar ao amanhecer, parece responder à primeira luz do dia, refletida
simbolicamente em sua plumagem dourada e em sua crista vermelha, cores
associadas à energia vital, ao fogo e à renovação. Assim, torna-se um emblema
do início, do renascimento cíclico e do despertar espiritual.
Na Grécia Antiga, o galo era associado a Hermes,
mensageiro dos deuses, protetor dos viajantes e guia das almas, e a Asclépio,
divindade da medicina e da cura. Nessa tradição, o galo representava
vigilância, coragem e força. Seu sacrifício ritual era considerado sagrado,
pois acreditava-se que seu canto tinha o poder de afastar espíritos malignos,
curar enfermidades e estabelecer uma ponte entre o mundo humano e o divino. Na Odisseia
de Homero, o canto do galo anuncia o amanhecer como sinal de alerta, lembrando
que o herói deve permanecer vigilante mesmo após longas noites de provação.
Em Roma, essa simbologia se mantém. O galo é
associado a Mercúrio, equivalente romano de Hermes, novamente como guia das
almas e mensageiro entre os mundos. Seu canto representa a vitória da luz sobre
as influências sombrias da noite, funcionando como proteção contra os perigos
invisíveis que rondam o homem quando a consciência adormece.
Com o advento do Cristianismo, o galo adquire
um significado ainda mais profundo. Torna-se símbolo do alvorecer de uma nova
era, associado à Ressurreição de Cristo e à esperança de redenção. O episódio
bíblico da negação de Pedro — “antes que o galo cante, tu me negarás três
vezes” — transforma o galo em um emblema de purificação moral,
arrependimento e sabedoria conquistada pela luz do conhecimento. O canto do galo marca o fim da ilusão e o início da
verdade interior.
Essa leitura dialoga diretamente com os ensinamentos
maçônicos, nos quais o galo surge como um poderoso lembrete da busca incessante
pela verdade. Na Maçonaria, ele simboliza a vigilância constante, a
perseverança e a meditação profunda. Seu canto representa a passagem das trevas
para a luz, o momento em que o iniciado desperta para uma nova compreensão de
si mesmo e do mundo. É o chamado à consciência que não pode adormecer diante da
ignorância, do erro ou da complacência.
No caminho iniciático, o canto do galo assinala
uma nova etapa da vida, um renascimento interior. Ele adverte contra ameaças
visíveis e invisíveis, lembrando que o verdadeiro trabalho maçônico exige
atenção permanente, disciplina moral e lucidez espiritual. Estar desperto é
condição essencial para trilhar o caminho do aperfeiçoamento.
Na tradição francesa, o galo assume também uma
dimensão cívica e histórica. Durante a Revolução Francesa, foi adotado como
emblema nacional, especialmente no contexto das lojas maçônicas, simbolizando
vigilância republicana, liberdade e resistência à tirania. Curiosamente, o galo
de bronze que coroa a torre da Catedral de Notre Dame sobreviveu intacto ao
incêndio de 2019, fato que muitos interpretaram como um sinal simbólico de
permanência, esperança e renascimento após a destruição.
Assim, o galo não representa apenas o amanhecer
físico, mas sobretudo a luta permanente contra a ignorância. Seu canto ecoa
como um aviso: é preciso estar sempre alerta, vigilante e ativo na busca da
verdade. Ele nos convida a despertar do sono profundo da inconsciência, a
permanecer firmes no caminho da justiça e da sabedoria, sem nos deixarmos
seduzir por falsas luzes ou verdades superficiais.
Como um catavento que gira conforme o vento, o
galo ensina a ler os sinais do tempo, a adaptar-se sem perder o eixo moral, e a
dissipar as sombras do erro. Ele nos lembra que a escuridão não se vence com
mais escuridão, mas com a luz da razão, do conhecimento e da consciência
desperta. Em seu canto ancestral, ressoa um chamado eterno: despertar, vigiar e
caminhar em direção à luz.
Fonte: https://glfe.org

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