Capítulos da História da Maçonaria Especulativa: A Fundação da Grande Loja de Londres (11 - Final)


OUÇA O ÁUDIO DO ARTIGO


Por Irmão José Ronaldo Viega Alves

Oriente de Sant’Ana do Livramento, RS

Os acontecimentos históricos mais importantes que antecederam a fundação da Grande Loja de Londres

A fundação da Grande Loja de Londres, em 24 de junho de 1717, é tida como o marco inicial da Maçonaria Especulativa ou Maçonaria dos Aceitos e um grande acontecimento histórico.

A mesma data adquiriu outros significados também: o nascimento da Maçonaria como um sistema obediencial e, ainda, como instituição.

Os segredos dos Maçons operativos seriam mantidos, mas os significados e os objetivos difeririam dos anteriores, que visavam basicamente à construção de edifícios físicos, templos e catedrais.

A Maçonaria evoluíra para um conjunto estruturado de símbolos que focavam na ideia da construção de um outro templo: o templo interior do homem Maçom, onde este buscaria o seu desenvolvimento e aprimoramento intelectual, moral e espiritual. Uma verdadeira transformação e uma busca por um ideal de perfeição.

Essa Maçonaria que despontava tem uma data oficial de nascimento: a da fundação da Grande Loja de Londres, episódio que encontramos em qualquer livro que tenha a pretensão de contar a história da Maçonaria em suas etapas sucessivas.

No dia 24 de junho de 1717, festa de São João Batista, padroeiro da Maçonaria, data em que se celebra também o solstício de verão, nasceu a Maçonaria Especulativa ou Maçonaria dos Aceitos.

O contexto histórico

Vejamos, antes, o seguinte trecho extraído do prólogo do livro de Alain Bauer, obra à qual já nos referimos anteriormente. Além de construir uma síntese perfeita dos acontecimentos históricos do período que precede ao nascimento propriamente dito da Maçonaria Especulativa, consegue pormenorizar alguns deles no intuito de facilitar o nosso entendimento de todo um contexto:

“Será possível revelar finalmente que a Maçonaria Especulativa, nascida na outra margem do Canal da Mancha, tivesse, de fato, sido criada pela iniciativa dos amigos de Isaac Newton, cientista conhecido e alquimista ignorado entre 1700 e 1717, e baseada em uma ideia central: a Ciência irá permitir a saída da guerra civil com uma Inglaterra dividida, retalhada e inferiorizada?
Em 1649, a Inglaterra abolira a monarquia; depois conheceu o sistema da Ditadura autoritária de Cromwell sem rei, um retorno à Monarquia absoluta, e, em 1688, o surgimento de um sistema constitucional equilibrado.
O conflito que devasta esse país não é somente uma guerra civil, mas também uma guerra religiosa. O surgimento da Franco-Maçonaria parece ligado, ao mesmo tempo, a essa confrontação de acontecimentos simultâneos, à influência da Reforma sem estabelecimento, à Igreja Anglicana, que nada mais era do que a antiga Igreja Católica com uma simples mudança de insígnia, e aos imprevistos efeitos secundários da impressão das Escrituras em linguagem corrente.
Pois, pela primeira vez, aqueles que tinham os meios de aprender a ler e de comprar livros descobriram a dúvida ao constatar as contradições entre o que pregava o clero e o que eles mesmos estavam lendo.
O Ato da Supremacia, promulgado em 1534 por Henrique VIII, abriu caminho para um conflito interno que somente seria amenizado em 1688. Essa Maçonaria inglesa parecia querer induzir a sociedade a abandonar o debate religioso para que fosse substituído pelo progresso científico.
De fato, ela afirma o direito à dúvida, acreditando que esta seria o motivador da mudança da sociedade e do fim das guerras religiosas. Todos os seus membros, inclusive ‘ateus estúpidos e libertinos’, eram considerados homens de honra e de probidade, princípio em nome do qual ninguém era perguntado a que religião pertencia e, então, o assunto tornou-se tabu nas Lojas. Por outro lado, era possível falar sobre qualquer outro assunto.
Entre 1700 e 1717, essa Maçonaria se depara com o problema da sua existência em um lento processo de maturação e de elaboração.”
(Bauer, 2008, págs. 14-15)

Após termos acumulado uma série de dados documentários, vistos e revistos ao longo dos capítulos anteriores, chegamos agora ao ápice do nosso propósito inicial: a criação da Grande Loja de Londres.

As quatro Lojas

Antes de 1717 já havia Lojas maçônicas na Inglaterra, Irlanda e Escócia, sendo que, neste último país, teriam sido admitidos os primeiros Maçons não operativos.

No dia de São João Batista, 24 de junho de 1717, três Lojas de Londres e uma de Westminster reuniram-se para um jantar na Taverna The Apple Tree. Na ocasião, fundaram a Grande Loja de Londres e elegeram Anthony Sayer como o seu primeiro Grão-Mestre. Esta foi a primeira Grande Loja do mundo.

O Irmão Francisco de Assis Carvalho definiu de forma didática:

“Dos membros dessas Quatro Lojas saiu a direção da nova entidade — isto é, com os membros dessas quatro Lojas foi organizada uma Loja especial, uma Grande Loja, a qual administraria os destinos das quatro Lojas, e as demais que a ela fossem sendo filiadas.”
(Assis Carvalho, 1997, pág. 23)

As quatro Lojas presentes naquele jantar foram:

  • O Ganso e a Grelha (Goose and Gridiron)
    Segundo o Irmão Pedro Juk, essa Loja tinha como membros, em princípio, Maçons que haviam trabalhado na reconstrução de Londres após o incêndio de 1666, inclusive na reconstrução da Igreja de São Paulo. A partir de 1703, passou a admitir homens de todas as classes sociais. (Juk, 2007, pág. 76)

  • A Coroa (Crown Ale House)
    Fundada em 1712 e extinta em 1736.

  • A Macieira (Apple Tree)
    Em 1818 uniu-se com a Old Cumberland Lodge, ficando conhecida como Fortitude and Old Cumberland Lodge nº 12. Foi desta Loja que saiu o primeiro Grão-Mestre, Anthony Sayer, e seus dois Vigilantes.

  • A Taça e a Uva (Rummer and Grapes)
    Atualmente chamada Royal Somerset House and Inverness Lodge nº 4. Em lista de 1729, sua fundação aparece entre 1712-1716. Diferente das outras, era composta majoritariamente por Maçons cavalheiros aceitos e especulativos.

A Grande Loja de Londres e Westminster após a fundação

A primeira potência maçônica teve influência relativa. Muitas Lojas não apoiaram a ideia de uma Grande Loja, principalmente devido às mudanças introduzidas no ritual. Isso levou à criação da Grande Loja Antiga da Inglaterra, resultando em disputas que só foram encerradas em 27 de dezembro de 1813, com a união das duas na Grande Loja Unida da Inglaterra.

O Irmão Assis Carvalho, em A Descristianização da Maçonaria, descreve a expansão inicial da Grande Loja:

“A Grande Loja de Londres, em 1719, possuía 61 Lojas; em 1739, saltou para 179 Lojas; em 1741 atingiu o pico de 189 Lojas ativas; já em 1745 caiu para 160; e em 1748 o índice caiu para 157. Além daquelas que não haviam se filiado, mais 32 voltaram a trabalhar a descoberto — ‘Maçons Livres em Lojas Livres’.”
(Assis Carvalho, 1997, pág. 29)

Assim, a criação da Grande Loja trouxe mudanças profundas, mas também rupturas, descontentamentos e disputas que só se acalmaram após quase um século.

Comentários finais

Será que, depois de contar a história das origens da Maçonaria Especulativa, podemos dizer que o assunto está esgotado?

É claro que não. Mesmo após analisarmos várias teorias sobre a chamada fase da transição, ainda não existe uma explicação definitiva — persistem dúvidas que talvez nunca sejam respondidas.

A pergunta colocada por Alec Mellor em seu Dicionário da Franco-Maçonaria continua ecoando:

“Que a Maçonaria tenha terminado por ser formada oficialmente por membros ‘aceitos’ não nos explica por que motivos ela se tornou ‘especulativa’. Quantas associações, desde a época das Guildas, praticaram do mesmo modo a concessão da dignidade honorária sem, por isso, terem o mesmo destino?”
(Mellor, 1989, pág. 14)

Parte da resposta pode estar na influência da Royal Society, assunto tratado ao longo da série e que ainda rende debates recentes.

À medida que nos aprofundamos nos estudos sobre a história da Maçonaria, percebemos que sempre resta algo a ser explorado. Novos livros, ensaios e artigos surgem constantemente, trazendo mais perguntas do que respostas.

Notas

Grande Loja de Londres e Westminster (29): originalmente preocupada com a prática da Maçonaria em Londres e Westminster, logo se tornou conhecida como a Grande Loja da Inglaterra. Foi a primeira Grande Loja Maçônica criada, sendo chamada hoje de Primeira Grande Loja da Inglaterra, para distingui-la da chamada Antiga Grande Loja da Inglaterra. Em 1813 uniu-se a esta última para formar a Grande Loja Unida da Inglaterra. (Fonte: Wikipedia)


CONSULTAS BIBLIOGRÁFICAS:

Internet:

“1717 – Um mito?” – artigo de autoria de Anders Omberg – disponível em: https://bibliot3ca.com/2022/12/02/o-malhete-164-dezembro-2022/

“A História Natural de Wiltshire” – disponível em: https://freemasonry.bcy.ca/nonfiction/history/natural_history_of_wiltshire.html

“As Origens da Maçonaria Especulativa:  Situação das Teorias Atuais” – Artigo de autoria do Irmão Roger Dachez. Disponível em: https://bibliot3ca.wordpress.com

“As Origens da Maçonaria Especulativa e da Disciplina Acadêmica Moderna” – disponível em: www.mastermason.com/hbresearch/pages/lecture56.htm

“As origens da Maçonaria Especulativa” – Artigo de autoria do Irmão António Rocha Fadista.   Disponível em: https://www.maconaria.net

“Conspiração da Pólvora” – disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Conspira%C3%A7%C3%A3o_da_P%C3%B3lvora

“Cronograma da Maçonaria Britânica ‘Registrada” – compilação do Ir.’. Gary Kerkin, tradução do Ir.’. José Filardo – disponível em: https://bibliot3ca.com/cronograma-da-maconaria-britanica-registrada/

“Edward Conder e a história da Venerável Companhia dos Maçons” – artigo de autoria de Ian Stone - disponível: https://ianstone-london.translate.goog/wp/2018/10/05/edward-conder-and-the-history-of-the-worshipful-company-of-masons

“Epítome da História da Maçonaria” – artigo de autoria do Ir.’. Carlos Frazão – JB NEWS Informativo nº 1047 – disponível em: https://pt.slideshare.net/slideshow/jb-news-informativo-nr-1047-81434680/81434680

“Era do Iluminismo” – disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Age_of_Enlightenment

“História da Maçonaria” – disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_ma%C3%A7onaria

“Iluminismo” – disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Iluminismo

“Isaac Newton” – disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Isaac_Newton

“El Origen De la Masonería Especulativa Fue En Escocia y No En Inglaterra” – C.E.M.I. Revista Digital – Nº 3 – Junio/2021

”Linha do tempo de eventos maçônicos – parte 1 (1000 A.C. – 1690 D.C.)” – autoria do Ir.’. Luciano Rodrigues – disponível em: https://www.oprumodehiram.com.br/linha-do-tempo-de-eventos-maconicos-parte-1-1000-a-c-1690-d-c/

“Maçonaria” – disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ma%C3%A7onaria

“O documento mais antigo da Maçonaria: a Carta de Bolonha” – artigo de autoria do Ir.’. Kennyo Ismail – disponível em: https://www.noesquadro.com.br/historia/o-documento-mais-antigo-da-maconaria/

“O Ganso e a Grelha, 24 de junho de 1717, o que realmente aconteceu ali?” – artigo do Ir.’. Luciano Rodrigues – disponível em: https://www.oprumodehiram.com.br/o-ganso-e-a-grelha-24-de-junho-de-1717-o-que-realmente-aconteceu-ali/

“Os Estatutos Schaw” – disponível em: https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2015/03/04/os-estatutos-schaw

“Primeira Grande Loja da Inglaterra” – disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Premier_Grand_Lodge_of_England

“Quatrocentos anos de Maçonaria na Escócia” – artigo de autoria do Dr. David Stevenson – disponível em: https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2024/08/02/quatrocentos-anos-de-maconaria-na-escocia/

“Quem foi esse “antiquário” chamado Elias Ashmole? – artigo de autoria de Guy Chassagnard – disponível em: https://www.freemason.pt/quem-foi-esse-antiquario-chamado-elias-ashmole/

“Royal Society, a antecâmara da Maçonaria” – artigo de autoria de Cécile Révauger – Trad. Do Ir.’. José Filardo - disponível em: bibliot3ca.com

“Sir Christopher Wren, Arquiteto e Maçom” – artigo de autoria de René Desagulier e Harold DORN & Robert MARK, na tradução do Ir.’. José Filardo – disponível em: https://bibliot3ca.com/sir-christopher-wren-arquiteto-e-macom/

“Uma Abordagem ao Percurso Inicial da Maçonaria Especulativa” – Ir.’. Salvador Allende – disponível em: https://www.freemason.pt/uma-abordagem-ao-percurso-inicial-da-maconaria-especulativa/

“William Schaw” – disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/William_Schaw

JB NEWS nº 1047, de 16/07/2013: ““Epítome da História da Maçonaria” – artigo de autoria do Ir.’. Carlos Frazão, Loja Ocidente, do Grande Oriente Lusitano – Lisboa, Portugal 

Livros:

ASLAN, Nicola. “A Maçonaria Operativa” – Editora Maçônica “A Trolha” Ltda. – 1ª Edição - 2008

ASLAN, Nicola. “Grande Dicionário Enciclopédico de Maçonaria e Simbologia” – Volumes 1 e 3 - Editora Maçônica “A Trolha” Ltda. - 3ª Edição – 2012

ASSIS CARVALHO, Francisco de. “A Descristianização da Maçonaria” – Editora Maçônica “A Trolha” Ltda. – 1997 – 1ª Edição

BAUER, Alain. “O Nascimento da Franco-Maçonaria” – Madras Editora Ltda. - 2008

CAPARELLI, David. “Enciclopédia Maçônica” – Madras Editores Ltda – 2008

CASTELLANI, José. “Dicionário de Termos Maçônicos” – Editora Maçônica “A Trolha” Ltda. - 2ª Edição - 1995

CRUZ RIBEIRO, João Guilherme. “Fios da Meada 1” – Infinity - 2017

GIRARDI, João Ivo. “Do Meio-Dia à Meia-Noite Vade-Mécum Maçônico” – Nova Letra Gráfica e Editora Ltda. – 2008 – 2ª ed.

JUK, Pedro. “Exegese Simbólica Para o Aprendiz Maçom” – Editora Maçônica “A Trolha” Ltda.  1ª Edição – 2007

LOMAS, Robert. “A Maçonaria e o Nascimento da Ciência Moderna – O Colégio Invisível” – Madras Editora Ltda. – 2007

MELLOR, Alec. “Dicionário da Franco-Maçonaria e dos Franco-Maçons” - Livraria Martins Fontes Editora Ltda. 1989 – 1ª edição 

NEWTON, Joseph Fort. “Os Maçons Construtores” – Editora Maçônica “A Trolha” Ltda. - 1ª Edição - 2000

PALOU, Jean. “A Franco-Maçonaria Simbólica e Iniciática” – Editora Pensamento – 1965

PETERS, Ambrósio. “Maçonaria – História e Filosofia” – Academia Paranaense de Letras Maçônicas - 2ª Edição – 1999

RUSS, Jacqueline. “Dicionário de Filosofia” – Editora Scipione - 1994

VAROLI FILHO, Theobaldo. “Curso de Maçonaria Simbólica” - 1º Tomo (Aprendiz) - Editora A Gazeta Maçônica S.A. – 2ª Edição – 1977


LEIA TAMBÉM:
















Postar um comentário

0 Comentários